Universidad de Costa Rica

Avaliação materna acerca da educação à distância para crianças na pandemia da Covid-19

Mothers’ assessment of distance education in the COVID-19 pandemic

Maria Helena Pereira de Oliveira Araújo 1

https://orcid.org/0000-0002-2448-624X

Maria Edna Silva de Alexandre 2

https://orcid.org/0000-0003-3610-7208

1 Universidade Federal de Campina Grande, Unidade Acadêmica de Psicologia, Campina Grande, Paraíba, Brasil

2 Universidade Federal de Campina Grande, Unidade Acadêmica de Psicologia, Campina Grande, Paraíba, Brasil

1 mariahelenaacademico@gmail.com 2 psicologasocialedna@gmail.com

Recibido: 22 de septiembre del 2022. Aceptado: 29 de enero del 2024.

Resumo. Este estudo objetivou identificar a avaliação de mães acerca da Educação à Distância (EaD) para crianças durante a pandemia da COVID-19. Participaram da pesquisa 425 mães, com idade média de 37,.1 anos (DP = 7,.28). Os dados foram coletados através de um formulário online e processados por meio do software IRaMuTeQ, que permitiu realizar a Análise Prototípica e a Análise de Similitude. As análises evidenciaram que as mães consideraram a EaD como uma alternativa emergencial necessária para continuidade do ensino, embora apresente diversas dificuldades para sua efetivação, especialmente na mediação familiar. Em linhas gerais, a maioria avaliou como pouco ou nada adequada a EaD para as crianças.

Palavras chave. Educação à Distância; Representações Sociais; Crianças

Abstract. This study aimed to identify the evaluation of mothers about Distance Education (DE) for children during the COVID-19 pandemic. About of 425 mothers participated in the study, with a mean age of 37.1 years (SD =7.28). Data were collected through an online form and processed using the IRaMuTeQ software, which allowed performing Prototypical Analysis and Simulation Analysis. The analyzes showed that the mothers considered distance education as a necessary emergency alternative for the continuity of education, although it presents several difficulties for its effectiveness, especially in family mediation. In general lines, most rated distance education as little or not adequate for children.

Keywords. Distance Education; Social Representations; Children

Introdução

La A doença COVID-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), provocou, em um curto período de tempo, uma crise global de saúde sem precedentes históricos, com inúmeras repercussões nas dimensões econômica, política, psicológica, social e educacional (Bavel et al., 2020; Castro-de-araujo et al., 2020). Dentre estas, encontraram-se a reorganização da rotina, o fechamento de locais públicos, como postos comerciais e escolas, mudanças nas jornadas de trabalho, dificuldades econômicas e a necessidade de distanciamento físico, que emergiram ou potencializaram sentimentos de desamparo, medo e abandono (Ornell et al., 2020).

O SARS-CoV-2 foi identificado originalmente na China em dezembro de 2019, provocando uma epidemia de síndrome respiratória aguda, a COVID-19. Devido à sua disseminação rápida e fácil pelas vias aéreas e pelo contato (Adhikari et al., 2020; Cruz et al., 2020), bem como pelo intenso processo de globalização (Li et al., 2020; Ornell et al., 2020), em cerca de três meses, o vírus se alastrou desordenadamente para os outros continentes, provocando inúmeras mortes por todo o mundo. O cenário alarmante pressionou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar estado de pandemia em janeiro de 2020 (Adhikari et al., 2020; Bavel et al., 2020).

Destaca-se entre as mudanças provocadas pela pandemia da COVID- 19 o modo de relacionamento interpessoal, visto que o distanciamento físico constituiu a principal medida preventiva para o referido vírus (Adhikari et al., 2020; Ornell et al., 2020). Objetivou-se com esta medida o “achatamento da curva”, expressão usada por especialistas de saúde pública para denominar a diminuição no número de casos ao longo do tempo, evitando, assim, sobrecargas nos sistemas de saúde (Cruz et al., 2020). Ademais, salienta-se como medidas preventivas a higiene pessoal, em especial das mãos, o uso de itens de proteção individual, como as máscaras faciais, e a detecção precoce das pessoas infectadas (Adhikari et al., 2020; Castro-de-araujo et al., 2020; Cruz et al., 2020).

Os sintomas mais comuns da COVID-19 consistem em febre, tosse, espirros, fadiga, dores musculares, de cabeça e na garganta, calafrios e vômitos (Cruz et al., 2020; Lima, 2020). Em casos mais graves da doença, os indivíduos infectados podem apresentar, falta de ar e aperto no peito, podendo levar ao desenvolvimento de uma pneumonia (Lima, 2020). Enfatiza-se que alguns grupos são considerados de risco para a doença, são eles os idosos e pessoas que já possuem outras doenças, como problemas cardiovasculares, renais e hepáticos, devido à função imunológica deficiente (Adhikari et al., 2020; Ornell et al., 2020).

No âmbito da educação, foi necessária uma reformulação no modo de continuar as atividades, visto que houve o fechamento das escolas por tempo indeterminado para evitar aglomerações e, portanto, contágio do SARS-CoV-2. As mudanças ocorreram inclusive na educação infantil e no ensino fundamental, pois as crianças, apesar de serem menos vulneráveis à infecção, podem funcionar como agentes transmissores (Castro-de-araujo et al., 2020; Li et al., 2020; Lima, 2020). Dado o contexto, a estratégia de Educação à Distância para crianças foi amplamente utilizada em todo território nacional, através do acompanhamento dos pais ou responsáveis.

Esta modalidade de ensino já era comum no Brasil antes da pandemia da COVID-19, contudo apenas em Instituições de Ensino Superior (Marcuzzo et al., 2015; Sarquis et al., 2018), o que torna a EaD para crianças um novo fenômeno no país. Por isso, têm sido alvo de muitas especulações, especialmente das mães, visto que estas tradicionalmente e historicamente são delegadas aos papéis de cuidar e educar os filhos, assinalando uma dissimetria de gênero quanto a responsabilidade da criação das crianças (Azevedo, 2017; Estrela, et al., 2018; Lins et al., 2015) e, portanto, são as principais responsáveis no papel de mediação do processo de aprendizagem no contexto domiciliar.

Formalmente, a implantação desta estratégia educacional emergencial ocorreu após a aprovação das diretrizes para as escolas durante a pandemia pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em abril de 2020. A medida sugeriu que os Estados e municípios buscassem alternativas para dar continuidade ao calendário acadêmico, sendo autorizada a computação de atividades não presenciais para suprir a necessidade de ensino desde a educação infantil até o ensino superior, propondo a utilização de canais digitais, vídeo aulas, plataformas virtuais, redes sociais, entre outros dispositivos interativos. Especificamente sobre a educação infantil e o ensino fundamental, é enfatizada a participação dos pais como “mediadores familiares” do processo de ensino-aprendizagem, atuando conjuntamente com os professores na aprendizagem das crianças (Ministério da Educação, 2020).

Essa nova realidade na vida das mães requisitou a reinvenção da rotina e do convívio familiar, o que, por vezes, contribuiu para a sobrecarga das cuidadoras, tornando o trabalho desafiador. Além de que, exigiu a conciliação entre as preocupações com a saúde trazida pela pandemia da COVID-19 e a formação escolar das crianças. Revelando-se, assim, como um pertinente objeto de estudo para diversas áreas do conhecimento, inclusive para a psicologia social, através da abordagem teórica da Teoria das Representações Sociais (TRS).

A referida teoria se trata de uma perspectiva psicossociológica que investiga a produção e comunicação de saberes dentro de um determinado grupo social, considerando as Representações Sociais (RS) como fenômenos que comportam aspectos psicológicos, afetivos, sociais, ideológicos e culturais. Dessa forma, as RS se relacionam com a construção de uma realidade cotidiana comum a um determinado grupo social, através da comunicação social

Abric (2001) propõe a organização das RS por dois sistemas: o sistema central e o sistema periférico, explicando como as representações podem ser, simultaneamente, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis, consensuais, mas também marcadas por diferenças entre os indivíduos.

O Sistema Central, constituído pelo Núcleo Central da representação é a parte estável, marcada pela memória coletiva e reflete as condições sócio-históricas e valores do grupo, constituindo uma homogeneidade ao grupo social e resistindo às mudanças, pouco sensível ao contexto e material imediato (Sá, 1996). De acordo com Sá (1996), “suas funções são gerar o significado básico da representação”, em geral contínuo e permanente, “e determinar a organização global dos elementos”.

Por outro lado, o sistema periférico abarca os demais elementos da representação promovendo uma interface entre a realidade concreta e o núcleo central (Abric, 2001), tendo por objetivo sustentar e proteger o núcleo central de modificações, daí resultando “a mobilidade, a flexibilidade e a expressão individualizada das representações sociais” (Sá, 1996, p. 22).

Com base na teoria apresentada, o presente estudo teve por objetivo identificar a avaliação de mães de crianças matriculadas na educação infantil e ensino fundamental sobre a EaD para seus filhos, a partir da perspectiva das Representações Sociais.

Método

Trata-se de um estudo misto, quantitativo e qualitativo, de cunho descritivo e exploratório, baseado no referencial teórico da Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 2017).

Participantes

Participaram deste estudo 425 mães brasileiras de crianças matriculadas na educação infantil (22,3%), ensino fundamental I (50,2%) e II (27,5%), que estavam tendo aula na modalidade de Educação à Distância (EaD) devido a pandemia da COVID-19, sendo 68% em instituições de ensino privadas e 32% em escolas públicas. Estas mães tinham uma média de idade de 37,1 anos (DP = 7,.28), em que 59,.7% consideram-se brancas, 33,.5% pardas, 4,.2% pretas,1,.9% amarelas e 0,.7% indígenas. Em relação à região de residência, 42% das participantes residiam no Sudeste, 38,.5% no Nordeste, 13,.7% no Sul, 3,.5% no Centro-oeste e 2,.3% no Norte do Brasil.

No que tange ao grau de escolaridade das participantes, 51% afirmaram possuir pós-graduação completa ou incompleta, 33,.1% ensino superior completo ou incompleto, 14,.5% ensino médio completo ou incompleto e 1,.4% ensino fundamental completo ou incompleto. Quando questionadas sobre a renda familiar, 25,.6% informaram receber entre 3 e 4 salários mínimos, 23% entre 1 e 2 salários mínimos, 18,.9% acima de 8 salários mínimos, 15,.8% entre 5 e 6 salários mínimos, 8,.5% entre 7 e 8 salários mínimos e 8,.2% até 1 salário mínimo.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados consistiram em um Questionário Sociodemográfico, que contemplou questões relativas à idade, à escolaridade, à renda, à região de residência das participantes e tipo de escola dos filhos; e outro referente a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), que trata-se de uma técnica projetiva, organizada a partir de estímulos indutores, definidos previamente pelo pesquisador com o intuito de acessar conteúdos semânticos associadas a determinados objetos ou fenômenos sociais (Coutinho & Do Bú, 2017). Especificamente para o presente estudo, buscaram-se evocações dos participantes para o estímulo indutor “Educação à Distância”.

Além disso, utilizou-se também um questionário que buscou identificar as dificuldades enfrentadas pelas mães para a efetivação da EaD para os filhos e uma escala para identificação da avaliação destas sobre a adequação dessa modalidade de educação para as crianças.

Procedimentos de Coleta de Dados

Para coleta de dados, utilizou-se um formulário online gerado na plataforma virtual Google Forms, em que foram inseridos os instrumentos supramencionados. Em seguida, o formulário foi compartilhado por meio das redes sociais Facebook e WhatsApp em grupos de mães, solicitando a colaboração daquelas que tinham filhos matriculados no ensino infantil e/ou fundamental e que estavam tendo aula a partir da modalidade EaD devido a pandemia da COVID-19.

Ademais adotou-se também os seguintes critérios de inclusão para a amostra: ser maior de 18 anos, brasileira e se disponibilizar participar voluntariamente da pesquisa. Para evitar duplicação de respostas por identificador, sublinha-se que fora realizado o controle do número de IP (internet protocol) dos dispositivos eletrônicos utilizados para responder o formulário de pesquisa.

Procedimentos Éticos

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética (CAAE 32136920.0.0000.5182) e todos os procedimentos de coleta de dados respeitaram as recomendações éticas para pesquisas que envolvem seres humanos, em consonância com o que preconizam as resoluções nº 466 de 2012 e nº 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde Brasileiro.

Procedimentos de análise de dados

A Para o processamento dos dados oriundos dos questionários sociodemográficos e aquele relativo as dificuldades enfrentadas pelas mães no processo de EaD dos filhos, bem como da escala que avaliava a adequação dessa modalidade para crianças, utilizou-se o software IBM SPSS® Statistics, versão 26, que permitiu realizar as análises descritivas; e para os dados relativos a TALP, o processamento ocorreu através do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ), que possibilitou o desenvolvimento da Análise Prototípica.

A análise prototípica viabilizou a apreciação do núcleo central e dos sistemas periféricos das representações sociais da EaD, a partir da criação de uma tabela com quatro quadrantes. Ressalta-se, que esta tabela foi constituída com base na combinação entre frequência (F) e ordem média de evocação (OME) (Camargo & Justo, 2013) de palavras dos participantes deste estudo frente ao estímulo “Educação à Distância”.

Consoante a isso, no primeiro quadrante (superior esquerdo), localizam-se os vocábulos que possuíram alta frequência e baixa ordem média de evocação, sendo um possível indicador do núcleo central das representações de um determinado objeto social. O segundo quadrante (superior direito), tem-se a primeira periferia, em que se destacam palavras com alta frequência, mas que não foram prontamente evocadas. No terceiro quadrante (inferior esquerdo), encontra-se a zona de contraste, em que são salientes vocábulos prontamente evocados, entretanto com frequência menor que a média. Por último, no quarto quadrante (inferior direito) tem-se os elementos que se destacam por menor frequência e que não foram prontamente evocados (Camargo & Justo, 2013).

Além disso, os conteúdos destas análises foram explorados a partir das especificidades semânticas, buscando, através do aporte teórico da Teoria das Representações Sociais, elucidar as representações sociais contidas nestas.

Resultados

Os resultados do conjunto de análises realizadas serão apresentados respeitando a seguinte ordem: Análise Prototípica e a análise das dificuldades apontadas pelas mães para efetivação da EaD e a avaliação destas sobre esta modalidade educacional para as crianças.

Análise prototípica do estímulo “Educação à Distância (EaD)”

A análise do estímulo indutor Educação à Distância (EaD) considerou um total de 2.125 palavras evocadas, sendo 492 palavras diferentes. A Tabela 1, que apresenta os resultados desta análise, foi elaborada com base nos critérios analíticos de frequência mínima de 10 e Ordem Média de Evocação (OME) de 2.83.

No quadrante superior esquerdo, o objeto representacional emergiu associado às palavras Dificuldade, Responsabilidade, Cansativo e Necessidade. De modo geral, este quadrante abriga as evocações mais frequentes, denotando consensualidade e estabilidade, sendo (Abric, 2001; Sá, 1996), então, mais aptas a constituir o Núcleo Central da representação social da EaD.

No Sistema Periférico Próximo, quadrante superior direito, destacam-se os vocábulos Ineficaz, Paciência, Dedicação e Estresse. Neste, estão expostos os elementos que permitem a significação e proteção do Núcleo Central, suportando a heterogeneidade do grupo. Tais evocações dão dinamicidade às Representações Sociais, visto que são mais flexíveis e sensíveis ao contexto em que surgem, facilitando a assimilação de novos conceitos. Já na Zona de Contraste, quadrante inferior esquerdo, estão presentes elementos que buscam ir ao encontro do Núcleo Central (Abric, 2001; Sá, 1996). Especificamente, são eles: Sobrecarga, Bom, Ruim, Rotina, Esforço, Organização e Acompanhamento.

Por último, o quadrante inferior direito traz o Sistema Periférico Distante com as evocações Tempo, Persistência, Aprendizado, Concentração, Novidade, Disciplina, Emocional, Interação, Dúvidas, Desigualdade, Frustração, Apoio, Amor, Parceria, Educação, Conhecimento, Foco e Tecnologia. Este quadrante indica os vocábulos menos consensuais e menos frequentes entre as participantes, tendo menor possibilidade de vir a pertencer ao Núcleo Central (Abric, 2001; Sá, 1996).

Dificuldades enfrentadas pelas mães na efetivação da EaD dos filhos

No que tange as dificuldades apontadas pelas mães no processo de efetivação da EaD dos filhos, destaca-se que: 26% consideraram a baixa adesão e/ou inquietação do(s) filho(s) para acompanhar as aulas; 18% destacaram não conseguir criar uma rotina possível para acompanhar as aulas; 18% consideraram o ambiente inadequado como maior dificuldade; 9% pontuaram que as avaliações, ferramentas, materiais e/ou atividades são insuficientes e/ou inadequadas; 8% declararam falta de assistência e preparo da escola e dos professores para as aulas na modalidade EaD; 7% alegaram ter dificuldades para orientar os filhos na mediação da EaD; 7% apontaram a má qualidade da tecnologia e/ou internet; 5% pontuaram dificuldade no acesso aos materiais das aulas. É importante destacar, que apenas 2% declararam não ter encontrado nenhuma dificuldade para efetivação da EaD dos filhos.

Avaliação das mães sobre a adequação da EaD para as Crianças

Em relação a avaliação das mães sobre a adequação da modalidade EaD para as crianças, 53.9% afirmaram que é pouco adequada, 34.6% que não é nada adequada e 11.5% bastante adequada.

Discussão

A análise prototípica do estímulo indutor “Educação à Distância (EaD)” permitiu conhecer o núcleo central e os sistemas periféricos inerentes a esse fenômeno, explicitando a rigidez e a flexibilidade, bem como a consensualidade e as singularidades próprias da representação social. Além disso, as dificuldades expostas pelas mães e sua percepção acerca da adequação da EaD para o presente momento no público infantil, permitiram uma observação ampliada do fenômeno. À vista disso, esses resultados serão discutidos a seguir, de forma que seja possível identificar suas implicações para a conjuntura social.

De acordo com Sá (1996), é insuficiente conhecer o simples conteúdo da representação social, pois este não basta para defini-la, é necessário também conhecer sua estrutura representacional, dessa maneira a análise prototípica se faz útil para esse entendimento. O núcleo central é essencial para essa estrutura, pois gera uma significação e determina toda organização da representação, fazendo com que qualquer mudança em seus elementos altere toda estrutura. No que diz respeito ao fenômeno estudado, o núcleo central mostra que diante do contexto da pandemia da COVID-19 e da necessidade de distanciamento físico que levou ao fechamento das escolas, as mães representam a EaD como uma alternativa necessária para a continuidade do aprendizado dos conteúdos escolarizados, embora essa alternativa tenha trazido diversas implicações negativas para o cotidiano dessas mães.

Entre essas implicações, encontraram-se as dificuldades enfrentadas pelas mães, que exerceram o papel de “mediadoras familiares” no processo de ensino-aprendizagem (Ministério da Educação, 2020). Em primeira instância, houve a baixa adesão dos filhos para o acompanhamento das aulas online síncronas e realização das atividades assíncronas, justificada pela associação comum do espaço doméstico ao descanso e ao lazer, que foi sendo modificado e adaptado às novas demandas solicitadas pelo período atípico, como a utilização para aprendizagem formal em tempo integral. Essa dificuldade também trouxe questões acerca da valorização do ensino formal na nossa sociedade em detrimento do conhecimento de saberes tradicionais complementares, como o artesanato, a culinária, as atividades domésticas, a agricultura, entre outros, pois o período poderia ter sido potencialmente benéfico para esse tipo de aprendizagem informal e geracional, agregando valores sociais, éticos e culturais numa dinâmica mais orgânica e leve (Pinheiro et al., 2020).

Outras dificuldades mencionadas dizem respeito a organização da rotina para realização das atividades escolares, a inadequação do ambiente para atender à demanda, visto que este não foi projetado para esse fim; as avaliações, ferramentas e materiais que são insuficientes para que as crianças possam aprender o que é proposto para seu nível escolar ou inadequados no sentido de que não podem ser efetivados no ambiente domiciliar e/ou através do acompanhamento das mães; falta de assistência das escolas e dos professores, dificuldades em orientar os filhos nas atividades, má qualidade da tecnologia e/ou internet e acesso aos materiais. Todas essas dificuldades apontam para conclusões de que, embora a EaD tenha sido uma alternativa emergencial e que fora implantada apressadamente, o ambiente domiciliar e as mães não foram preparadas para lidar com as exigências solicitadas.

Ainda no que diz respeito ao núcleo central, percebe-se que as evocações “Responsabilidade” e “Cansativo” são bastante congruentes com o grupo pesquisado, as mães, pois estas historicamente são responsáveis pelos cuidados domiciliares e pela educação dos filhos (Azevedo, 2017; Estrela, et al., 2018; Lins et al., 2015) e o EaD aos modos como vem sendo efetivado representa uma responsabilidade extra para essas mulheres, tornando sua rotina ainda mais desafiadora. Gradvohl et al. (2014), explicam que a supervalorização da mulher no ambiente doméstico e no exercício da maternagem surge junto ao desenvolvimento do capitalismo e da ascensão da burguesia que instaura uma nova divisão entre o público e o privado servindo aos interesses do capital econômico, na qual a mulher fica responsável pela reprodução da força de trabalho, apoiada na concepção mítica do “instinto materno”, enquanto o homem se encontraria no espaço da produção, ficando, assim, secundário o exercício da paternagem pelo homem-pai, fenômeno também observado por Monteiro et al. (2018). Apesar do trabalho feminino no ambiente doméstico ser de igual relevância ao trabalho masculino no espaço público, esta divisão sexual do trabalho enclausura as pessoas a determinados papéis cabíveis de acordo com seu gênero e cria um modo específico de socialização normativa que inferioriza as mulheres, dando um caráter de invisibilidade e desvalorização social para suas funções (Monteiro et al., 2018). Dessa maneira, a sobrecarga gerada pelas exigências da EaD para crianças durante o período de pandemia da COVID-19, arrisca não ser considerada na avaliação dos órgãos competentes sobre a efetividade desse modo de ensino, que pode valorizar a dimensão econômica e produtivista também própria da sociedade capitalista.

Prosseguindo, temos os sistemas periféricos (Próximo, Zona de Contraste e Distante), localizados em torno do núcleo central, oferecendo uma “interface entre a realidade concreta e o sistema central” (Sá, 1996), abrigando a mobilidade, flexibilidade e a expressão individualizada do grupo. O Sistema Periférico Próximo é marcado pela representação da EaD como ineficaz, atrelando-se a questões como paciência e estresse e a demanda por dedicação a esse processo, esta representação suscita reflexões sobre a viabilidade dessa alternativa para as crianças, no sentido de que esta não está sendo produtiva e eficaz para o aprendizado dos conteúdos escolarizados. Além disso, cabe-se pensar sobre as condições das mães para ofertar a mediação necessária para efetivar esse processo, visto que se mostra como uma fonte estressora, tanto pelo despreparo para exercer a função, quanto pelas dificuldades adaptativas que permeiam o processo. Aliada aos impactos psicológicos trazidos pela situação de distanciamento físico requerido pela pandemia da COVID-19 (Brooks et al., 2020), há uma intensificação de afetos negativos que podem gerar danos à saúde mental dessas mães que precisam ser considerados no momento de avaliar todo processo.

Já na Zona de Contraste, encontram-se elementos que complementam ou estão em transição para primeira periferia. Podemos perceber que a representação de considerar a EaD como fonte de sobrecarga para as mães é consonante à discussão empreendida acerca do núcleo central, bem como os aspectos organizacionais apresentados confluem com o exposto sobre o sistema periférico próximo, fazendo entender que a Zona de Contraste apresenta evocações que podem vir a fazer parte do núcleo central. Por outro lado, observa-se uma ambivalência de adjetivos sobre a EaD, na qual temos as evocações “Bom” e “Ruim” partilhando um mesmo espaço. Essa disposição faz crer que a representação qualitativa da EaD ainda não está bem formulada, pois se trata de um fenômeno recente que veio acompanhado de outra série de fenômenos ocasionados pela pandemia da COVID-19. Por fim, o Sistema Periférico Distante é composto pelos elementos menos evocados pelas mães, mas que ainda fazem parte do cotidiano da mediação da EaD para os filhos.

Por fim, no que tange a percepção geral das mães acerca da adequação da EaD para crianças nesse momento de pandemia da COVID-19 a grande maioria classificou como pouco ou nada adequada. Esta estratégia evidenciou a dificuldade dos “mediadores familiares” no aprendizado escolar, uma vez que não possuem preparo formal para este tipo de atividade, assim como o espaço do lar não configura um ambiente apropriado para o desenvolvimento desse aprendizado.

Em linhas gerais, embora o presente estudo tenha apresentando contribuições importantes para ampliar a compreensão acerca da avaliação das mães sobre o ensino na modalidade EaD para crianças, ele possui algumas limitações e fragilidades, que merecem ser destacadas e verificadas em estudos futuros. Dentre elas, aponta-se o tamanho da amostra como não sendo representativo para o território nacional, limitando assim possíveis generalizações acerca das representações e avaliações das mães sobre a temática em questão; bem como, a ausência de entrevistas em profundidade para ampliar a compreensão do fenômeno.

Ademais, é importante ressaltar a necessidade de realização de novos estudos que busquem identificar os impactos que esse período de educação à distância provocou nas famílias e no processo de aprendizagem dos estudantes, tendo em vista um possível déficit educacional que reverbera nos anos seguintes. Destarte, considerando o caráter mutável e dinâmico das representações sociais, que estão necessariamente atreladas a um determinado contexto social e temporal, recomenda-se a realização de novos estudos, agora no contexto pós-pandêmico, sobre as representações sociais do fenômeno, afim de se observar possíveis mudanças no quadro representacional do grupo pesquisado, uma vez que as famílias e a sociedade como um todo possuem uma nova dinâmica.

Acredita-se também como primordial o desenvolvimento de novas pesquisas que considerem as representações sociais sobre a educação à distância para crianças de outros agentes envolvidos nesse processo, como os professores e as próprias crianças. Estudos dessa natureza além de ampliar a compreensão do fenômeno, também podem servir de base para a construção de estratégias mais assertivas para a continuidade do ensino de crianças em momentos de calamidade, como foi o caso da pandemia da COVID-19.

Referências

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