A Guerra do Paraguai. Memórias e experiências de oficiais da marinha brasileira do império à república positivista
Luis Felipe Viel Moreira
Resumo
Este é um estudo de lembranças de veteranos da Guerra do Paraguai, feito principalmente através de livros de memórias, cartas e um diário – toda uma documentação que integra a denominada “escrita de si”. Nestes documentos, oficiais da marinha brasileira trazem, não apenas distintos olhares sobre a guerra, mas também experiências que ajudam a entender os caminhos pessoais de seus protagonistas frente à transição da Monarquia à República.
Palavras-chave: Guerra do Paraguai; Escrita de si; Marinha brasileira; Rio da Prata.
La Guerra del Paraguay. Memorias y experiencias de oficiales de la Marina Brasileña desde el Imperio a la
República Positivista
Resumen
Este artículo se aboca al estudio de los recuerdos de veteranos de la Guerra del Paraguay, realizado básicamente a partir de memorias, cartas y un diario, documentos que integran la denominada “escrita de sí” y que fueron redactados por oficiales de la marina brasileña. Ellos traen diferentes miradas sobre la guerra, al mismo tiempo que relatan las experiencias que ayudan a entender los caminos personales de sus protagonistas frente a la transición de la monarquía a la república.
Palabras clave: Guerra del Paraguay; Escrita de sí; Marina Brasileña; Río de la Plata.
Fecha de recepción: 6 de diciembre de 2018 Fecha de aceptación: 12 de diciembre de 2018
Luis Felipe Viel Moreira Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil. Professor Associado de História.
Donde se originaram tantos infortúnios? Do erro gravíssimo de se esquecerem
as forças arregimentadas da sua alta missão, para virem à praça pública proclamar a queda das instituições vigentes, invocando com escárnio o nome da nação surpreendida e assumindo seus membros cargos e misteres, que não estavam habilitados a desempenhar. [...] Quando as grandes massas, que giram no espaço, descambam da órbita natural, rolam às tontas, até que se chocando se despedaçam mutuamente. Aos fragmentos do núcleo comum fatalmente aguarda igual destino. Fenômeno idêntico se opera nas organizações políticas e sociais, roto o equilíbrio das partes componentes.1
Em 15 de novembro de 1889 se iniciava o período republicano na história do Brasil. Acontecimentos como a Constituinte de 1890, passando pela Revolta da Armada, Revolução Federalista, até a chegada a Uauá, no sertão da província da Bahia, da primeira expedição do Exército contra o povoado de Canudos em novembro de 1895, marcaram os cinco primeiros anos da história republicana do país2. Aos olhos de um nobre como Afonso Celso de Assis Figueiredo, nascido em Ouro Preto, província de Minas Gerais, a estabilidade institucional havia sido rompida com a deposição da Monarquia. E o que se vivia eram erros decorrentes da subversão de uma ordem natural, com a entrada em cena de novos atores políticos, porém ao seu ver desqualificados.3
“A Marinha d’outrora” foi escrita entre outubro e dezembro de 1893, em Águas Virtuosas do Lambari (Minas Gerais), pelo Visconde de Ouro Preto (1837 – 1912) e foi publicada no ano seguinte, em plena crise do recente regime. O Visconde foi uma figura importante na política monarquista brasileira. Ainda jovem foi Ministro da Marinha, de agosto de 1866 a julho de 1868, durante a fase mais crítica da Guerra do Paraguai (1864-1870). E chefiou o último Gabinete do Império, de julho a novembro de 1889. O livro trata das recordações de sua atuação quando ocupou a carteira da Marinha, no Gabinete do governo liberal presidido por Zacarias de Góis e Vasconcelos.
Nos acontecimentos que se viviam à época, as lembranças de Ouro Preto sobre o passado da corporação possibilitam pensar o acionar de três oficiais da Marinha brasileira, dois sendo baianos nascidos em Salvador: José Custódio de Mello (1840 – 1902) e Américo Brazilio Silvado, filho (1863 – 1950). O outro, Artur Silveira da Mota (1843 – 1914) por sua vez havia nascido em São Paulo. Mas todos os quatro personagens aqui mencionados foram contemporâneos. E tiveram uma vida adulta que transcorreu tanto no período monárquico como republicano, bem como vivenciaram de alguma forma os acontecimentos da grande guerra brasileira do século XIX. E no momento em que a Marinha esteve no centro do vendaval quando da mudança de regime, traziam na bagagem um histórico de posicionamentos políticos distintos.
O Visconde de Ouro Preto permaneceu sempre monarquista. Custódio de Mello aderiu prontamente à República, sendo amplamente conhecido na historiografia brasileira, dado seu protagonismo nos acontecimentos da Revolta da Armada e da Revolução Federalista na década de 1890. Artur Silveira da Mota, o imortal Barão de Jaceguay, o mais intelectualizado, apesar de agraciado com um título de nobreza, já na década de 1880 sinalizava a necessidade da mudança do sistema político4.
Quanto a Américo Silvado, praticamente desconhecido se comparado aos outros três, foi um militar historicamente republicano e positivista.
Américo Silvado escreveu em 1897 o livro A Nova Marinha5. Era uma resposta ao livro de Ouro Preto. Na obra também transcreve partes do diário redigido por seu pai, jovem oficial morto em 1866 na Guerra do Paraguai, e do qual tem exatamente o mesmo nome. Em 1935, muitos anos depois da morte de Artur Silveira da Mota, suas lembranças da guerra eram publicadas6. De forma similar, em 1938, passados anos da morte de Custódio de Mello, sua viúva Edelvira Pereira Pinto de Mello autorizava a publicação na Coleção Brasiliana do livro do famoso Almirante sobre os acontecimentos políticos do início da vida republicana, no qual foi protagonista de primeira ordem7. Mas é nas cartas do então jovem oficial Custódio de Mello para uma antiga noiva, Januária Alves Pereira, escritas durante todo o período da Guerra do Paraguai, que temos o olhar para um passado mais distante, convergindo assim com os relatos de Américo Silvado (pai e filho), Silveira da Mota e Ouro Preto8.
O estudo a partir destas fontes nos remonta basicamente à antiga Marinha, e em especial ao período da Guerra do Paraguai. Não deixam de ser reminiscências de veteranos, tema que conta já com toda uma ampla abordagem historiográfica9. Américo Silvado (pai), Ouro Preto, Custódio de Mello e Silveira da Mota praticamente tem a mesma idade. Já Américo Silvado (filho) é de uma geração seguinte. Mas o diálogo que de alguma maneira pode-se estabelecer analisando-se esses documentos não nos remete apenas a distintos olhares sobre a guerra, mas pauta também os caminhos pessoais de seus protagonistas frente a transição da Monarquia à República.
Cabe aqui uma reflexão teórica que me parece importante, e na qual me vinculo. Seguindo o famoso preceito de Marx, segundo o qual “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre vontade” – expressa no clássico O 18 Brumário de Louis Bonaparte – Thompson salienta que, com a utilização do conceito de experiência:
Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo - não como sujeitos autônomos, ´indivíduos livres´, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e com antagonismos, e em seguida, ´tratam´ essa experiência em sua consciência e sua cultura...10
São essas experiências que aqui pretendo resgatar. Todos os sujeitos antes mencionados vivenciaram inúmeros acontecimentos da história contemporânea brasileira em posições distintas. Em dois de setembro de 1866, a bordo do Encouraçado Rio de Janeiro no rio Paraguai estavam dois jovens oficiais baianos Primeiros-Tenentes, Américo Brazilio Silvado (pai) (1832 – 1866) e Custódio José de Mello. Próximo a eles, mas em outro barco da esquadra, estava outro Primeiro-Tenente, Artur Silveira da Mota. Na corte, no Rio de Janeiro encontrava-se a principal autoridade da Marinha Imperial, o jovem ministro Afonso Celso de Assis Figueiredo. E em Salvador, ainda criança e junto à mãe, estava Américo Brazilio Silvado (filho). Nesse dia, o Encouraçado Rio de Janeiro foi posto a pique por torpedos paraguaios, tendo morrido muitos marinheiros, entre eles o Comandante Américo Silvado.
Quase três décadas depois, durante os agitados acontecimentos do início da vida republicana, enfrentavam-se em combate naval na baía de Tijucas em Santa Catarina, no dia dezesseis de abril de 1894, dois oficiais baianos com uma proximidade histórica. Américo Brazilio Silvado (filho) comandando o Torpedeiro Silvado, homenagem da Marinha ao seu pai morto em 1866, participava das forças mandadas ao sul pelo governo de Floriano Peixoto na caça aos revoltosos. O embate naval se deu nada menos do que contra o Encouraçado Aquidabãn, comandado pelo Almirante Custódio de Mello, líder da Revolta da Marinha e antigo companheiro de Américo Silvado (pai) na já distante Guerra do Paraguai.
Estas e outras experiências, nestes quase vinte e oito anos que medeiam entre ambos acontecimentos, resgatadas pelas memórias do Visconde de Ouro Preto, de Américo Silvado (filho) e de Artur Silveira da Mota, bem como através das cartas pessoais de Custódio de Mello e do diário de Américo Silvado (pai), não apenas dão vida aos personagens em seu tempo e espaço, mas ajudam a entender os matizes de uma história mais complexa e por vezes silenciada, bem como contribuem a compreender escolhas tomadas.
O relato de Ouro Preto, escrito no calor político dos acontecimentos de 1893, trata em seus 29 capítulos da Marinha na época da Guerra do Paraguai. A posição que o autor ocupou e a posse de documentos dão ao relato, também pelo seu aspecto técnico, uma posição privilegiada como fonte. Um viés político, no entanto perpassa toda a obra, pois a Marinha de outrora é sempre confrontada com a atual, que atingida pelos acontecimentos de 1889 e dos primeiros anos republicanos estaria levando a instituição, segundo o Visconde, a uma decadência. Para o autor, ao se desviarem de sua legítima esfera de ação, as Forças Armadas iniciaram um embate entre duas corporações, Exército e Marinha, bem como dentro da própria Armada. A Revolução Federalista era a expressão disso.
A ingerência das Forças Armadas na sociedade civil, com os militares envolvidos em todos os serviços da administração pública e mesmo privada, estaria para ele na essência de todos os problemas. A antiga estabilidade da monarquia era confrontada com a instabilidade das Repúblicas hispano-americanas, que agora teria se transladado ao Brasil. Era o militarismo, voracidade insaciável que:
levanta e derruba caudilhos, cria e depõe ditadores no meio das agitações constantes, de desordem perenes, que se sucedem ininterruptamente...; mas nem ao menos constitui exércitos aguerridos e esquadras formidáveis; dissolve-se e aniquila-o e, cavando, com a sua, a ruína das nações mais prósperas.11
Para Ouro Preto, apesar do desarmamento do Brasil no momento de se envolver na guerra do Paraguai, a marinha de outrora soube afrontar o que considerava ser os desafios ambiciosos daquele país, que via ironicamente como uma República cujo sistema de transmissão de governo se dava por herança. Ainda mais grave do que o problema da construção e aquisição de navios era o desfalque do quadro de oficiais ao longo de toda sua hierarquia à época: desde Almirante, Vice-Almirante,
Chefe-de-Esquadra, Chefe-de-Divisão, Capitão-de-Mar-e-Guerra, Capitão-de-Fragata, Capitão-Tenente, Primeiro-Tenente, até chegar à Segundo-Tenente, a imediata ascensão no oficialato depois de se sair da academia como Guarda-Marinha.
A necessidade de oficiais, dadas as contingências da guerra, se revelava na base com os aspirantes a Guardas-Marinha. Tanto é assim que, em 1867, o Poder Legislativo autorizou que durante a guerra fossem os Guardas-Marinha dispensados da viagem de instrução para serem promovidos a Segundos-Tenentes, uma vez que satisfizessem o exame prático e tivessem 2 anos de embarque ou 1 de campanha.12
Como forma de ampliar o quadro, o Ministério da Marinha conseguiu através de medidas indiretas o pedido de reforma a vários servidores da ativa, bem como em 1867 a autorização das Câmaras Legislativas a exceder o quadro dos oficiais do corpo da Armada, nomeando mais 1 Almirante, 1 Vice-Almirante, 1 Chefe-de-Esquadra, 2 Chefes-de-Divisão, 3 Capitães-de-Mar-e-Guerra, 6 Capitães-de-Fragata e 12 Capitães-Tenentes. E as promoções se fariam por atos de bravura, ou serviços extraordinários, constantes da ordem do dia do Comandante-em-Chefe.
Na hierarquia militar, o corpo dos jovens oficiais da Armada que serviram na esquadra em operações no Paraguai era composto de 25 Segundos-Tenentes e 123 Primeiros-Tenentes, o posto com maior número de oficiais. Quando foram para a guerra eram Primeiros-Tenentes além de Américo Brazilio Silvado (pai), Custódio de Mello, Eduardo Wandenkolk (1838 –1902) e Artur Silveira da Mota, o mais moço dos quatro. Todos tornaram-se figuras proeminentes na transição do regime monárquico para o republicano. Américo Silvado, com 9 meses no teatro da guerra comandava nada menos que um encouraçado, o Rio de Janeiro, e morreu no posto que estava. As responsabilidades mostraram-se grandes para estes jovens oficiais e indicam uma das dificuldades enfrentadas pela Marinha à época, o desfalque de oficiais superiores e mais antigos para o comando de belonaves importantes. Segundo o ministro:
Na maior parte, os navios da Esquadra, na primeira fase da guerra, eram comandados por primeiros-tenentes, que em atos repetidos de bravura haviam feito jus à recompensa de maior valia para os militares – o adiantamento na carreira. Via-se, porém, o governo na impossibilidade de conferi-la a muitos dos que assim sobressaíram, ocupados como estavam os postos superiores por oficiais de avançada idade, já incapazes de serviço de guerra..13
Ao final da campanha militar 44 Primeiros-Tenentes conseguiram ascender um posto a mais, a Capitães-Tenentes, como foi o caso de Custódio de Mello, com 3 anos e 10 meses de estada na guerra, e Eduardo Wandenkolk, com 4 anos e 6 meses. Mas 16 lograram chegar a Capitães-de-Fragata e 7 até mesmo a Capitães-de-Mar-e-Guerra, três postos a mais, como o caso de Artur Silveira da Mota, com 4 anos e 5 meses na frente de combate. Toda uma diferenciação nos critérios de promoção que marcaram posicionamentos e ressentimentos pessoais.
Mas o maior problema provinha da base, da falta de marinheiros, tanto no Batalhão Naval como no Corpo de Imperiais Marinheiros. Para atrair voluntários aumentaram-se os soldos no período da guerra. No Batalhão Naval o alistamento por seis anos era retribuído com o monto de 900$000 réis, pagos em três prestações, libertando-se escravos para assentarem praça. Dos 2.702 cativos que se alistaram, apenas 13 desertaram, o que para o Ministro não só abonava como provava que os antigos escravos souberam ser gratos ao benefício.
O tema da escravidão e o alistamento para a guerra entrava em cheio no debate público. Em um discurso na Câmara dos Deputados, em junho de 1868, o Ministro da Justiça Martim Francisco fez a defesa do uso de 200 presos da ilha de Fernando de Noronha como marinheiros. E o próprio Ouro Preto defendeu também no Parlamento no mês seguinte, o uso de escravos, tendo como base um terreno de princípios – a medida tomada contribuía para a redução do número de cativos. Mas o discurso do Ministro da Marinha também evocava o que considerava serem os precedentes históricos: em várias épocas teriam nações usado do mesmo recurso dada a necessidade de aumentar rapidamente suas forças armadas, inclusive segundo ele o próprio exército paraguaio, após 1866.
Ao final da Guerra do Paraguai entre oficiais e marinheiros – chamados praças de pré – um total de 1831 homens haviam morrido. Em combate haviam sido 52 oficiais e 208 marinheiros, mas de doenças em campanha os números atingiram a 121 oficiais e 1450 praças. Toda a logística que possibilitou a ida de milhares de homens da marinha para a frente de guerra é descrita ao serem apresentadas os Corpos de Saúde, de Maquinistas e de Fazenda, e Repartições como a Fiscal e a Pagadoria de Marinha no Rio da Prata.
Em 13/03/1866, um pouco antes de Ouro Preto assumir a pasta da Marinha, parte da província de Corrientes na Argentina, subindo o rio Paraguai, a maior força naval até então constituída pelo Império, sendo capitaneada por quatro encouraçados. Poucos meses depois, em agosto de 1866, Ouro Preto recém empossado ministro descreve com detalhes o primeiro grande enfrentamento naval já em sua gestão, quando o Barão de Porto Alegre, à frente do 2º Corpo do Exército brasileiro é transportado pela esquadra imperial e desembarca em Curuzu, tomando em dois de setembro de 1866 a fortaleza paraguaia. Mas o Encouraçado Rio de Janeiro, já avariado em combates desde o dia anterior, era posto a pique. Junto com Américo Brazilio Silvado morreram outros dois oficiais, um escrivão, 47 praças e todos os maquinistas. Mas lograram se salvar o Imediato, que era o Primeiro-Tenente Custódio José de Mello e outros 61 homens, entre sub oficiais e subalternos.14
Os capítulos do livro de Ouro Preto são maiormente dedicados aos combates ao longo de toda a guerra. Quando em julho de 1868 terminou o 22º gabinete imperial e deixava o ministério, o período mais difícil da guerra para a Marinha encontrava-se superado. Em 19 de fevereiro de 1868 a famosa fortaleza paraguaia de Humaitá havia finalmente sido ultrapassada pela esquadra, terminando a questionada longa imobilidade, e em fins de julho o quartel era finalmente ocupado pelo Exército.15 Quando desses últimos acontecimentos Custódio de Mello era ainda Primeiro-Tenente, e comandava o Monitor Pará, recém saído dos estaleiros do Rio de Janeiro. Já Artur Silveira da Mota, três anos mais jovem que Custódio de Mello, comandava o Encouraçado Barroso, mas já havia ascendido dois postos, tornando-se Capitão-de-Fragata.
As memórias do Visconde de Ouro Preto não apenas remetem a um passado, sendo acima de tudo um acerto de contas com o seu presente – os descaminhos da República. Publicado em 1894, teve em 1935 uma segunda edição. Em 1981, o Serviço de Documentação Geral da Marinha lançava a “Coleção Jaceguay”, destinada a propor a reedição de obras “patrióticas’ já esgotadas vinculadas à Marinha. E o primeiro volume da coleção era dedicado a reedição de “A Marinha d’outrora”, o mais completo livro sobre a Guerra do Paraguai segundo a Diretoria de Hidrografia da Marinha, em grande medida respaldado pela volumosa presença de documentos.
Mas a resposta mais contundente e imediata ao monarquista veio do Almirante Américo Brazilio Silvado (filho) (1863-1950), um militar historicamente republicano. “A Nova Marinha” foi publicada em 1897. A obra, entretanto, nunca teve uma reedição, não encontrando guarida nem mesmo na Coleção Jaceguay da própria Marinha.16
Américo Silvado (filho) ficou órfão de pai aos 3 anos em Salvador, e entrou na Academia da Marinha em 1878, no Rio de Janeiro, tendo se formado como Guarda-Marinha em 1881. Junto ao aprimoramento técnico militar na academia veio o contato com a obra filosófica de Augusto Comte.
Suas convicções filosóficas positivas esposadas pelo menos desde 15/08/1884, quando se converteu à ‘Religião da Humanidade’, fariam certamente que se tornasse, como se tornou civilmente, um abolicionista republicano.17
Após a proclamação da República, o apoio por parte do Apostolado Positivista a uma “ditadura vitalícia” – ditadura republicana, caracterizada pela completa liberdade espiritual – colocou Américo Silvado na pronta defesa do governo do Marechal Floriano Peixoto. A Revolução de 1893 foi vista por ele como uma ameaça a estabilidade da jovem República. Algumas décadas depois suas posições políticas o levaram a se posicionar a favor dos movimentos dos jovens Tenentes de 1922 e 1924, resultando preso por vários meses. Mas quando da “Revolução de 1930”, esteve do lado vencedor, ficando responsável posteriormente por várias comissões de sindicância abertas pelo novo governo.
De alguma forma, o percurso da longa vida do Almirante Américo Silvado encontra-se já sintetizado em A Nova Marinha, uma obra escrita quando ainda jovem oficial.18 O livro inicia com “Declarações” a respeito de dois acontecimentos de 1894. Um seria a “ação criminosa” do Almirante Custódio de Mello, que pegou em armas contra o governo republicano. A outra seria a “ação cruel” do ex Visconde de Ouro Preto, como se refere ao personagem e retirando-lhe o título de nobreza, pela publicação da A Marinha d’Outrora, considerado um monstruoso ataque à República. Américo Silvado escreve também motivado pelos acontecimentos de Canudos, no qual vê como preparado e auxiliado pelos monarquistas.
A dedicatória era à memória dos 100.000 brasileiros mortos desnecessariamente nos campos do Paraguai, em virtude do que considerava serem erros imperdoáveis da nefasta política imperial no Rio da Prata. Uma Monarquia que via despreparada para a guerra, assentada socialmente sobre a escravidão e vínculos de compadrio; assim, sem condições de dar lições de liberdade e civismo para ninguém.19
E seu enfrentamento ia aquém da figura de Ouro Preto, o qual julgava que já não conspirava, mas incitava à conspiração. Era um embate ao que considerava ser toda uma classe original de homens que se estavam acomodando aos novos tempos, os monarquistas-republicanos, irmã gêmea dos republicanos-monarquistas: moderada, oportunista, prudente, por lhes faltar enfim civismo.
A resposta a tudo isso para ele não viria através de documentos “coligidos por qualquer bacharel tão moço, quão incompetente, que como aprendiz político tivesse sido Ministro da Marinha”20, mas dos exemplos de cidadania de seu pai, morto na guerra do Paraguai. E para isso usou duas memórias deixadas por Américo Brazilio Silvado (pai), escritas a partir de um diário pessoal e de cartas trocadas entre ele e esposa, Urania Adelaide de Argolo Silvado. Toda uma escrita de si, que possibilitou conhecer não apenas aspectos da vida do pai, mas da própria história do período imperial.21 Um acionar que não deixa de estar vinculada a emergência de um sujeito moderno que guarda registros. Em 16/07/1853 ao embarcar no vapor Golfinho, que sai do Rio de Janeiro para Santa Catarina, anotava em seu diário:
Quem ler o que está escrito, há de achar lugares nos quais me declaro pecador e outros nos quais me ponho inocente. O que posso afiançar é que este escrito não é mais do que um descargo de consciência e que não há interesse algum meu em mentir, porque naturalmente isto só há de aparecer depois da minha morte. Deus me ajude, que contra a verdade não espero pecar.22
As cartas e o diário possibilitam a parcial recuperação da própria história de Américo Silvado (pai), um indivíduo sem maior destaque social ou transcendência histórica. Porém, a conservação dessas fontes como busca para a construção de uma identidade por parte de Américo Silvado (filho) não deixou de conter uma outra intencionalidade narrativa, dada sua intervenção nos próprios documentos do pai.
O diário, que abarca o período que vai de 1850 à 1859, foi transcrito pelo filho quase na íntegra, se reservando ele também a fazer esclarecimentos em notas de roda pé. Américo Silvado (pai) começa o diário após o término da academia militar, quando em 25/11/1850 era promovido a Guarda-Marinha. E nesse mesmo ano, já embarcado no vapor Mucuri, levantaram âncora para vigiar a costa:
Saímos finalmente em comissão para tal impostura de esperar navios que já tinham desovado Africanos, ou que os faziam em outra parte; e agora em que isto escrevo é que se atinou com a especulação de tais mandões, que sendo coniventes na negociação, sócios do açougue, mandavam sair todos os navios de guerra para um só ponto, e até fretavam vapores, como este em que eu ia, para melhor encobrirem a impostura, quando os navios do tráfego davam desembarque em pontos inteiramente opostos! Andamos 22 dias por todos os buracos da costa norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo a quebrar a cabeça, sem nunca dar com coisa alguma, gastando lenha quando não havia carvão, sendo esta comprada na corte, enquanto que os verdadeiros traficantes, que eram os que nos mandavam para lá, estavam se rindo de nós e nos achando muito boas capas para as suas ladroeiras.23
Com os permanentes “vá ouvindo” nas notas de roda pé, América Silvado alfinetava permanentemente a Ouro Preto e a monarquia escravista. No caso, sobre a “beleza” dos exercícios que eram empregados pela Marinha d’outrora, amesquinhada pelo governo de D. Pedro II, o primeiro voluntário da pátria, como se referia o Visconde ao Imperador em sua obra. Mas a ironia para com o monarca também se encontra no próprio diário. Em 1855, tendo chegado ao Rio de Janeiro no dia 28 de fevereiro, depois de 40 dias em alto mar, foi informado pelo Quartel-General em sua casa, que “estava nomeado para fazer guarda de honra ao Imperador no dia seguinte, o que cumpri. Mal tinha chegado a bordo, de volta dessa importante comissão, vem uma ordem...”.24
Mas os relatos se centram no dia a dia da vida a bordo, e tratam de todos os embarcados: as vantagens dadas aos oficiais e marinheiros estrangeiros, bem como o desprezo destes aos brasileiros; a chibata como forma corriqueira de punição aos marujos; a prepotência e autoritarismo dos comandantes... Os registros abarcam descrições além da vida a bordo: também a observação quanto a situação dos lugares onde ocorreram desembarques; o uso dos navios militares por parte dos presidentes de província de forma particular; as doenças venéreas dos homens do mar; as vantagens com enriquecimentos ilícitos para alguns fornecedores nos navios na região do Rio da Prata; as falcatruas nos portos; a aprovação de uma lei de promoção que considerava odiosa etc.
Américo Silvado esteve presente nas grandes ações navais do Império ao longo de toda a década de 1850, começando pela cruzada contra Rosas, governador da Província de Buenos Aires. Em 16 de abril de 1851 parte do Rio de Janeiro para o Prata, a bordo da Fragata Constituição. De Montevidéu foram para Gualeguaychu a bordo do Vapor Afonso, onde informa terem se encontrado com Urquiza, governador de Entre-Rios. Além de fazer uma descrição das personagens presentes, das comemorações que ocorreram no local, e do patrulhamento que faziam no Rio da Prata, observa:
Primeiramente, como é que sem prévia declaração de guerra se bloqueia um rio, quase que impedindo o comércio da Nação a qual pertencia esse rio por direitos incontestáveis? E, finalmente, como é que um Chefe estrangeiro, em território de Nação Livre e independente, dispõe da liberdade de trânsito dos súditos dessa Nação? A posteridade o julgará. Como este, se deram muitos outros atos que no calor da guerra, ninguém imaginava que eram idênticos aqueles que não queríamos que no nosso país os ingleses praticassem. E ainda assim, nós estávamos mais em circunstancias de sofrer tais insultos do que os Argentinos, porque eles não tinham faltado a nenhum tratado que tivessem conosco, como nós faltamos aos ingleses, no que diz respeito à escravatura.25
Esta postura crítica à política do Império no Prata foi, no entanto, anotada em seu diário apenas em 1853, um ano após os acontecimentos que levaram a guerra pela deposição de Rosas, e o fim político das Províncias Unidas do Rio da Prata. Seus relatos de viagem para a região são retomados em fevereiro de 1857, quando chega em Montevidéu (Uruguai). Em poucos dias seguiram em direção a Bajada del Paraná, capital da agora Confederação Argentina. Dali seguiram em direção à Assunção, tendo subido a bordo o Ministro Plenipotenciário José Maria do Amaral, que ia estabelecer negociações com Carlos Antonio López, presidente do Paraguai, sobre a navegação dos rios.
Enquanto o Ministro Amaral ficava em conversações na capital mediterrânea, o barco seguiu para a província do Mato Grosso (Brasil), superando o que considerava ser uma permanente tensão o cruzar todo o Paraguai, dado o controle e as exigências de identificação minuciosas sobre a tripulação em inúmeros pontos feito pelas autoridades guaranis. Subindo o rio Paraguai e já entrando no Mato Grosso, o relato ganha uma dimensão etnográfica. Aos índios Guaicurús, na região da fronteira, é feita toda uma descrição de sua organização social: hábitos, casamentos, escravidão, guerra entre as tribos, as excursões para roubo em território paraguaio etc. No percurso entre os fortes de Coimbra, Albuquerque, Corumbá e Dourados, os contatos com os índios Guaña, Quiniquináus e Guatós, expondo o autor o desejo que ocorresse uma fusão de raças, tornando-os cidadãos úteis – não fala em súditos. Américo Silvado (filho), em nota de roda pé, referia-se então à política indigenista do Império:
Só o grande José Bonifácio se preocupou em catequizar civicamente os indígenas brasileiros. Todos os mais estadistas os esqueceram por completo e isto que um 2º Tenente da Armada então escrevia, de certo não era sentido pelos governantes incompetentes, que ou tentavam a catequese católica, que nunca deu resultado, ou os continha à bala, quando, cansados de suportar a despótica exploração dos brancos, muito justamente a estes atacavam.26
Com o fracasso da missão do Ministro Amaral, em março de 1858 houve uma nova subida pelo Rio da Prata, levando dessa vez ao Ministro Silva Paranhos. Nessa nova viagem, antes de entrar no rio Paraguai, houve uma parada no porto de Conceição. E a ida a cavalo até a fazenda de Urquiza, Presidente da Confederação Argentina, em San José, província de Entre Rios. O relato ali descrevia o ambiente no qual, em meio a toda uma gauchada que guardava a fazenda, se encontraram para conversar Derqui (futuro presidente da Confederação), Paranhos e Urquiza. De lá seguiram para a província de Corrientes, entrando depois no Paraguai. Dessa vez se tendo chegado a um acordo, finda a negociação em Assunção levaram o Ministro para o Mato Grosso, que visitava a província pela primeira vez. De volta ao Rio de Janeiro partia Américo Silvado (pai) em 02/12/1858 para Havre (França), para servir na Esquadra de Evoluções no Mediterrâneo e aplicar-se em tática naval. A chegada ao velho continente em 01/02/1859 marca o fim de seu longo diário.
Para Américo Silvado (filho), a superação dos problemas da Marinha viria quando ela se tornasse uma escola onde todos aprendessem a ser cidadãos, brancos ou pretos, ricos ou pobres, dignificados por um serviço cívico. Com um espírito esclarecido pela razão positiva, julgava serem os argumentos e a memória resgatada pelo diário de seu pai suficientes para invalidar as posturas de Ouro Preto, imbuídas segundo ele de um espírito metafísico e chicaneiro. E para tal fim, apresentava ao leitor a correspondência epistolar trocada entre seu pai e sua mãe entre 1862 e 1866. Aqui, ainda mais ostensivamente do que no diário, existiu a intervenção do autor. Nada é comentado sobre a seleção por ele feita, trazendo a público trechos de apenas 12 cartas escritas do pai para a mãe, e ainda com partes onde nomes de pessoas eram deliberadamente omitidos.
Os relatos agora já não são tão descritivos, e se centram nas preocupações cotidianas: insatisfações com a vida na Marinha; a impossibilidade de dar baixa pela falta de recursos; a preocupação com a guerra que se avizinhava; a obrigação para com a família. Com a ida para a guerra, os temas que Américo Silvado (filho) permitiu divulgar passaram a ser principalmente dois: os que mandam e roubam na instituição, mas não vão para guerra; e os descaminhos gerais da Marinha. Escrevendo de Montevidéu, em 30/05/1866, pedia à esposa em relação aos filhos:
Acrescentarei somente que se eu vier a faltar-lhes, o que espero em Deus não acontecerá, não consentirás que sejam militares, principalmente da Marinha, porque homens de honra e brio, terão muito que sofrer dos tratantes que são inumeráveis [seguem trechos omitidos].27
O Primeiro-Tenente Américo Silvado, já para a época no comando do Encouraçado Rio de Janeiro, reclamava em suas cartas da indisciplina, presunção e indolência dos oficiais. Ainda na carta acima, se referia especificamente a um caso, dizendo que “nada tenho podido conseguir desse moço preguiçoso e mau executor de ordens” – com o nome do oficial tendo sido omitido na impressão do livro. Justamente no encouraçado que comandava se encontrava um conterrâneo baiano e também de Salvador, o oficial e também Primeiro-Tenente Custódio de Mello. Para Américo Silvado, a alegria vinha apenas quando se encontrava na Esquadra, pois isto permitia a ele estar próximo a oficiais da outra força, e assim “abraçar nossos irmãos que estão no Exército”.28 A dificuldade no trato com seus pares mostrou ser uma constante. Escrevia em 22/08/1866, poucos dias antes de sua morte:
Estou ansioso para ver isto acabado para fugir do serviço ativo. Os elementos que há na Marinha são péssimos e não podem convir aos homens que pensam como eu. Não penses que se está muito mal aqui; não, há todos os recursos, e vive-se como em outra qualquer parte. O que quero é libertar-me do cativeiro que dá hoje a autoridade, a posição: porque não há quase quem obedeça, todos se julgam no caso de mandar, e obedecem sempre de pouca vontade, e sem o menor estímulo.29
Para Américo Silvado (pai) o fim de sua agonia chegou poucos dias depois. Não existe uma influência das ideias positivistas em seu diário ou mesmo em sua correspondência epistolar. O percurso do positivismo no Brasil iniciou-se por volta da década de 1850. Mas foi apenas em 1857, ano da morte de Comte, que este conquistou aquele de seus discípulos científicos que maior influência exerceria na propagação de suas ideias no Brasil, Benjamin Constant (1833-1891). E isto se deu principalmente nas escolas militares.
Américo Silvado (filho) na última parte de seu livro, depois de apresentar as memórias do pai, passava a fazer a crítica de todos os capítulos da obra de Ouro Preto, tendo como base antes de mais nada suas convicções filosóficas. Mas as firmes e críticas posições do pai não deixavam, para ele, de também estarem permanentemente vivas.30 “A Nova Marinha” era a crítica a Ouro Preto e a tudo o que ele representava de um passado monarquista que via como odioso, e que somente seria superado com uma educação cívica republicana. Assim, toda uma avalanche de denúncias: à uma guerra vista como absurda, à escravidão, à prepotência e ingerência no Rio da Prata, ao fundamentalismo católico, ao patronato...
Em nossa terra, salvo raras e muito honrosas exceções, só a mocidade conhece a edificante palavra – civismo – e por isso só com ela a Pátria contou e contará nos momentos críticos. Foi, por isso, que a monarquia caiu sem ruído porque só se apoiava nos velhos. Ainda por essa razão, a revolta foi dominada [1893] por só contar com o apoio incondicional e passivo dos velhos, salvo as exceções apresentadas. [...] Entre nós, os velhos em geral perturbam e corrompem, enquanto os moços resistem e vencem, regenerando.31
As formulações postas por seu autor não deixavam de unir pai e filho em papéis semelhantes. Para o filho, Américo Silvado (pai) fez parte dos jovens militares, que com pouca idade, assumiram responsabilidades imensas de comando, e que no passado teriam salvado a pátria. Américo Silvado (filho) assumia junto com outros jovens militares novas obrigações, salvando novamente a pátria contra os que atentavam contra o regime republicano. Seguramente velhos seriam Ouro Preto e Custódio de Mello, estando provavelmente Artur Silveira da Mota dentro do que chamou “classe original de homens que se estavam acomodando aos novos tempos”.
Entretanto Custódio de Mello também já foi um dia um jovem, e esteve como oficial no mesmo convés junto com Américo Silvado (pai) no Paraguai. Mas as lembranças dessa mocidade e que coincide com a Grande Guerra não foram deixadas diretamente por ele, mas foram preservadas por uma antiga namorada, Januária Alves Pereira. As cartas escritas por ele, um oficial em início de carreira, a sua prometida e amada “Janu” abarca o período de 1864 a 1870. E elas foram entregues pela senhorita Januária a Wanderley Pinho, depois da decepção amorosa que teve com ele ao final da contenda.32 Assim, a conservação dessa fonte por parte de Janu ajuda a reconstruir uma memória de si do próprio Custódio de Mello.
Querida Janu. Maceyó, 7 de Setembro de 1864. [Brasil]
O meu maior contentamento é que, se receberes esta carta, estejas gozando a mais perfeita saúde; enquanto à mim, acho-me bem, graças à Deus. Aqui cheguei no dia três pela manhã depois de uma viagem bastante aborrecida por causa do mau tempo; razão essa, pela qual gastamos seis dias; seis dias, que foram para mim seis séculos, porque faltava-me o que me é hoje tão necessário para a minha vida como o ar, isto é, a tua presença... De novo te peço que não deixes de escrever-me, pois que se assim acontecer, será para mim um martírio; peço-te também que quando me escreveres não me omitas coisa alguma que tiver ocorrido, principalmente entre ti e teu pai. Mande-me dizer porque razão não me escrevestes pelo paquete que daí saiu no dia primeiro; julgo que a razão não foi por não saberes, pois que eu te disse que me deverias escrever nos dias trinta, oito, quatorze e vente e quatro. No mais dê muitas recomendações a Dona Constança, a Silvinho, a Prazeres e ao Inocencio, e tu recebes um saudoso adeus de quem muito te ama.
Teu esposo e amigo pelo coração, Custódio.33
Como esta primeira carta, todas as demais são curtas e em tons intimistas e possessivos, com cobranças e reclamações, principalmente pelo não recebimento de correspondência. Entre os personagens que eventualmente são mencionados está o futuro sogro, com uma relação tensa nunca explicitada, mas que indicava a não aceitação da relação da filha com Custódio de Mello e com o compromisso do casal. Em 15/11/1864, estando em Pernambuco, no nordeste brasileiro, e partindo para o Maranhão, informava que:
Com a tua carta, foi uma para a Dona Constança, em que mandava pedir que não consentisse que teu pai te levasse para a casa dele, e que te conservasse em companhia dela, considerando-te como uma filha; mandava também pedir que ela me prestasse seu valioso apoio, empenhando-se com algumas pessoas para conseguir do Ministro o ser eu nomeado para servir no Segundo Distrito, a pesar de ter escrito a diversas pessoas para esse mesmo fim.34
Januária, baiana como Custódio de Mello, era órfã de mãe e residia em Salvador. Em todas as cartas, desse final de 1864, segue a pressão para que ela e Dona Constança se mobilizassem de qualquer maneira para conseguir a sua transferência. Já no Pará, província do norte do Brasil, em 07/12/1864, tanto quanto reiterava o juramento de casamento informava que não falaria com o pai dela e reforçava o pedido de um esforço para lograr seu deslocamento, tendo também escrito a outras pessoas sobre esse tema.
Mas com o início da guerra as prioridades passaram a ser outras. Em uma missiva de 19/07/1865 desde o rio Paraguai, dizia seguir sofrendo pela falta de cartas mais do que pelas balas paraguaias. E a semana que iniciava prometia decidir sua sorte, pelos combates que iriam ocorrer, esperando assim retornar rapidamente para ela com todas as glórias. Mas caso viesse a falecer cobrava a promessa de rezar por sua alma todos os dias, “que na vida tanto sofreu por tua causa”.35
Mas isto não ocorreu, e os destinos da guerra como Mitre, presidente da República Argentina, e tantos imaginavam não se selaram tão depressa e menos ainda no ano de 1865. E as cartas passam a tratar de outro tema recorrente, o desejo de pedir demissão, que se postergava por não ter recursos para sobreviver. Escrevendo do Rio de Janeiro, em 08/04/1866, e já embarcado no Encouraçado “Rio de Janeiro”, voltava ao Rio da Prata, e cobrava outra promessa caso viesse a morrer:
que não casarás com outro e que irás acabar os teus dias em um convento, porque se no outro mundo o homem tiver uma companheira a sua escolha serás tu a escolhida. Minha esposa, de ti nada desejo senão o teu amor no mesmo grau que o meu. 36
Entre agosto e novembro de 1866, as notícias que passa a dar são mais sobre os combates: as perdas na investida contra a fortaleza de Humaitá, Curupaiti e seu batismo de fogo, tendo logrado sobreviver ao naufrágio do Rio de Janeiro. A menção aos mortos é numérica, com o Comandante Silvado apenas sendo mencionado como o “casado com a filha do Argolo”.37 Mas as reclamações de notícias seguem, particularmente sobre a família dela e das relações com o pai.
Entrado fevereiro de 1867, informa ter pedido demissão, pela sua não promoção, preterido por um oficial cujo merecimento é o patronato – pedido que não foi aceito pelas autoridades. E em carta de 04/05/1867, informava ter entregue no dia 24 de abril o comando do Encouraçado Barroso ao Capitão-Tenente Silveira da Mota, “a quem o prostituto Almirante deu por ser filho do Senador Silveira da Mota”. Junto com os informes sobre os combates, os possíveis rumos da guerra, a propagação da cólera e para a época o frio incomum aos da província da Bahia, e o permanente tema das promoções, que feria seu orgulho e dignidade. E novamente pedia auxílio a Januária:
é bom falares a Dona Constança para escrever ao Dr. Gois a fim de se estiver na oposição no Ministério advogar a minha causa no Rio, porém como coisa tua.38
As cartas indicam acima de tudo um lugar de sociabilidade fundamental, e todos os contatos de Januária, que seriam pessoas influentes, vão revelando a dinâmica de um campo social e político no qual Custódio de Mello criticava acidamente, porém rogava interferência a seu favor. Para desespero de Custódio de Mello a intervenção do Dr. Góis (Inocencio) não veio a se dar durante a etapa do Gabinete do também baiano Zacarias de Góis e Vasconcelos (03/08/1866 à 16/07/1868), cujo Ministro da Marinha era o Visconde de Ouro Preto.
Custódio de Mello tendo retirado o pedido de demissão, segue ao longo das cartas do segundo semestre de 1867 descrevendo toda mobilização e esforço de reorganização do exército por parte do Marquês de Caxias, então comandante-em-chefe do Exército brasileiro no Paraguai, e as dificuldades que havia do lado da Marinha para poder ultrapassar as fortalezas de Curupaiti e Humaitá, “recebendo e atirando no mato”. Da mesma forma seguiam as cobranças pelas cartas recebidas, que entendia serem lacônicas, com a falta de notícias sobre o tema familiar: “Mande-me sem falta dizer o que é feito do maluco do teu pai, o que já te tenho mandado pedir por diversas vezes”.39
Em carta de 28/10/1867 Custódio de Mello descrevia como estava se dando por aqueles dias o bombardeio à fortaleza de Humaitá. Sua próxima carta, porém, é de 24/11/1868, quando Humaitá já havia sido ultrapassada e tomada. O silêncio em sua correspondência, por mais de um ano, se deveu a não ter recebido um retrato da “amada Janu” como havia solicitado. A bordo do Monitor Pará e em frente a Villeta (Paraguai), o agora promovido Capitão Tenente retomava o envio de cartas e dizia:
Tenho recebido sempre cartas tuas, que foram por mim lidas com interesse a fim de apreciar bem o efeito do castigo, que deves aceitar sem réplica, porque deves estar convencida da tua falta e eu de fato sou teu marido.40
O cenário da guerra definitivamente tomava outro rumo após os combates de dezembro de 1868, a chamada dezembrada – as batalhas de Itororó, Avaí e Lomas Valentinas. Assunção havia sido ocupada no dia 1º de janeiro de 1869. Em 14 de janeiro de 1869, Custódio de Mello já escrevia desde a capital mediterrânea tomada, depois de terminada a perseguição aos navios paraguaios. Tinha ficado em Assunção na reparação de navios que dali a pouco rumariam para o Mato Grosso.
Para ele, a guerra já estaria por terminar para a Marinha, mas não acreditava que seria ascendido novamente de posto, dada a falta de “proteção”. Mas apesar de lhe sobrar “dignidade”, pedia a Januária que ela intercedesse novamente junto a Inocencio Gois,
sobre a promoção, a que tenho direito pelos meus serviços, fala também para que obtenha uma licença de quatro meses a fim de que não siga para a Sibéria do Brasil.41
O baiano Inocencio Marques de Araújo Góis a pedido de Januária intercedeu junto ao Ministro da Marinha, para uma promoção à Custódio de Mello, bem como pela licença. Era então ministro o também baiano Maurício Wanderley, Barão do Cotegipe, que fazia parte do 23º gabinete imperial do Visconde de Itaboraí. Inocencio Góis foi Magistrado e Deputado Provincial pela Bahia em diversas legislaturas. Vice-presidente da Bahia em 1862 e presidente da Câmara de Deputados de 1872 à 1875, obteve o título de Barão de Araújo Góis por decreto imperial de 12.12.1886. Todo este pequeno enredo de relações cruzavam um reduzido grupo de pessoas, ao qual Januária, se não fizesse parte diretamente, ao menos tinha trato e proximidade.
Efetivamente Góis levou ao amigo Ministro o pedido de Januária, de uma licença para casamento. O Barão de Cotegipe apesar da amizade informou a Góis que “em tempos de guerra não se limpam armas”. Entretanto Cotegipe deixava a cargo de Elisário Antonio dos Santos, Chefe do Estado Maior da Esquadra no Paraguai a decisão. Cotegipe em carta ao chefe militar, de 30/05/1869, apenas observa que Góis apresentou considerações sobre o caso que “lhe abalou”.42 Nesse mesmo dia Custódio de Mello escrevia desde Assunção ao Dr. Góis agradecendo a intercessão pela licença, mas seu chefe (Elisário) mostrou o pesar do Ministro pela utilização da mesma, e o quanto isso prejudicaria uma promoção, que ele tanto almejava. Mas surpreendentemente não deixava de externar na missiva a indignação pelas decisões tomadas pelo Ministério da Marinha pouco tempo antes, de que as promoções fossem por antiguidade, e não pelas ações de combate.
Como já disse a V. Exª declarei ao meu chefe que renunciava a licença e uma vez dada a minha palavra, hei de cumpri-la ainda com o sacrifício da vida e se não obstante a minha estada aqui até o final da guerra não for promovido restar-me-á a consolação de dizer ao meu país que fui um fiel cumpridor dos meus deveres na luta que sustentou ele em defesa de sua honra, e a essa pessoa [Januária], a quem V. Exª estima, que trabalhei pela sua felicidade, mas que a sorte me foi adversa, e que, portanto, a ela nos devemos curvar humildemente.43
Custódio de Mello em nada curvou a sorte, e seguiu pedindo a Januária, pela familiaridade com Góis, que este intercedesse pela sua promoção. E que também indagasse para saber sobre as ideias de ascensão na carreira do próprio Ministro. Eram as cartas de fins de 1869. Com estas vinham as notícias da fuga de Solano López pelo interior do país, bem como a resistência paraguaia, numa guerra que para ele prosseguia com mais dificuldades do que nunca. E ansioso esperava pela nova patente, que iria decidir a sorte de ambos. Mas esta não veio, e desde Assunção, em 14/01/1870 escrevia a Janu:
Eu estou pronto para tudo, até mesmo para a revolução se for preciso para derrubar esse poder de mandões e prepotentes e mesmo lançar por terra o trono de Pedro 2º, que está reduzido a um verdadeiro manequim. No dia em que se der o primeiro grito eu imediatamente alçarei a minha espada e se estiver comandando o navio içarei imediatamente a bandeira da revolução. Janu, estou no firme propósito de pedir demissão logo que tenha um esteio, pois me considero injuriado e desprestigiado.44
Os ímpetos políticos revolucionários de Custódio de Mello ainda demoraram algumas décadas para aflorarem. Já o destino da relação patriarcal com sua amada começava ser selado. A correspondência logo terminou, com ele sempre destacando a importância dela em sua vida. Quando da última carta escrita por Custódio de Mello desde Montevidéu, em 30/06/1870, estavam há quase seis anos sem se verem. E desde ali ressaltava as dificuldades em conseguir uma licença, sem perder o comando de sua embarcação, pois segundo ele, só com o soldo não poderia sustentar a ambos. Era então o comandante do importante Encouraçado Barroso, que esteve na vanguarda na passagem de Humaitá, porém há época sob o comando de Artur Silveira da Mota.
Os ares de Montevidéu fizeram bem a Custódio de Mello, e poucos meses depois contraia matrimônio com Edelvira Pereira Pinto no Rio de Janeiro, com as proclamas sendo lidas na Capela Imperial nos dias 25 e 26 de março de 1871.45 Januária seguiu na pacata Bahia sem nunca haver se casado, e Custódio de Mello seguiu uma agitada vida na Marinha. Terminada a guerra, em 29/12/1874 era promovido a Capitão-de-Fragata. No ano seguinte nascia seu filho Heitor de Mello, um dos arquitetos mais importantes do Brasil no início do século XX, sendo seu escritório responsável por alguns dos grandes projetos na cidade do Rio de Janeiro, quando da reforma urbana feita pela administração do Prefeito Francisco Pereira Passos (1902-1906). Uma modernização tropical, inspirada na promovida há poucas décadas em Paris pelo Barão Georges-Eugène Haussmann.
Em 1881 Custódio de Mello foi para a Europa nomeado como Adido Militar da Armada Imperial, e em 1882 era promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra. E imediatamente após a proclamação da República, em janeiro de 1890 foi ascendido a Contra-Almirante. Os sucessos de Custódio de Mello a partir de então – sua atuação como Deputado Constituinte pelo estado da Bahia; Ministro da Marinha e Ministro interino da Guerra e das Relações Internacionais, no governo de Floriano Peixoto; e líder da Revolta da Armada – tornaram o seu nome nacionalmente conhecido.
Até então as possibilidades de ascensões na Marinha Imperial, em um quadro restrito de vagas, sempre haviam beneficiado a Artur Silveira da Mota, outro personagem importante mencionado na correspondência epistolar trocada entre Custódio de Mello e Januária. Artur Silveira da Mota, filho de um senador pela província de Goiás e com uma posição social destacada, pelos serviços no Paraguai foi promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra em 1869, com apenas 26 anos, feito único da Marinha do Brasil. Custódio de Mello, quatro anos mais velho só chegou a esse posto em 1882. Nesse mesmo ano Artur tornava-se Vice-Almirante e também por decreto imperial era concedido o título de Barão do Jaceguay. E em 1887 dava baixa da Marinha.
Quando dos acontecimentos que levaram à queda da Monarquia, apesar do Barão de Jaceguay apoiar os ideais republicanos nos últimos anos, foi um dos personagens que por solidariedade acompanharam a família real até o porto do Rio de Janeiro. Com o Imperador também embarcava para a Europa o seu já velho chefe, o Almirante Tamandaré, comandante-em-chefe das operações navais brasileiras no Rio da Prata quando do início da guerra, e a quem devia em parte o sucesso de sua carreira vertiginosa. As memórias de Artur Silveira da Mota sobre a Guerra do Paraguai foram provavelmente escritas pouco antes da proclamação da República, tendo sido ampliadas depois desse acontecimento.46
Devo aclarar antes de tudo que, possuindo regular arquivos de documentos da guerra do Paraguai, as minhas – Reminiscências – são meras impressões que se gravaram na memória, e juízos, que, com o tempo, cristalizaram-se em meu espírito sobre vultos e acontecimentos que encheram aquele grande cenário histórico e que pude observar de perto no íntimo do contato que tive com homens e coisas, além da parte ínfima que me coube representar.47
Este é o primeiro parágrafo das Reminiscências, escritos que trataram de fatos marcantes do início do conflito, até o ano 1867, etapa em que esteve à frente da esquadra o Comandante Tamandaré, à época já ostentando o título de Barão. Mas sua memória privilegiou o registro dos grandes acontecimentos e personagens da guerra. E ele, apesar de jovem, estava em posição excepcional, pois era o secretário do Almirante. Um único momento na obra em que retrata o acionar de um oficial jovem como ele, foi no caso da perda do Encouraçado Rio de Janeiro. Sua análise de todos os grandes homens traz aspectos psicológicos, e o fez também em relação ao 1º Tenente Américo Silvado.
(...) estabeleceu comigo correspondência diária. Um outro detalhe do serviço era antes o pretexto do que o motivo real de suas cartas e um vago pressentimento de que seria uma de suas vítimas. Conservo algumas dessas cartas...48
Ao final, Américo Silvado (pai) morto na Guerra do Paraguai, foi a única figura poupada de críticas por todos autores nos documentos trabalhados. Mas o uso das memórias, que vieram a luz publicamente no novo contexto político que se vivia com a proclamação da República, não deixou de ser também um acerto de contas privado. Ouro Preto ao tratar do passado exaltou a atuação de Artur Silveira da Mota, sem nada se referir a Custódio de Mello, outro jovem comandante à época. Mas ao tratar do presente desqualificava a atuação deste como Ministro da Marinha na República, bem diferente do que considerava ter sido a sua no Império, num momento em que o país afrontava os desafios de uma guerra.
Américo Silvado (filho) em nada se referiu a um acionar relevante de Custódio de Mello no passado, companheiro e conterrâneo de seu pai, ressaltando, porém, sua ação criminosa no presente ao se voltar contra os poderes que se instituíam com a deposição da monarquia. E para Ouro Preto reservava a percepção de um analista cruel, ao entender que criava uma lenda rosa para o passado imperial e uma lenda negra para o presente republicano.
Artur Silveira da Mota, que conviveu entre a nata da oficialidade da Marinha, contou a Grande História, onde não caberia espaço a uma atuação de Custódio de Mello, jovem oficial tanto quanto ele. Uma única brecha nessa narrativa se abriu para o caso de Américo Silvado (pai), mas porque morto na longínqua guerra, e posto na condição de herói, e mártir ao não abandonar o navio.
E a correspondência epistolar guardada por Januária, mesmo com o cuidado das cartas não serem descontextualizadas, descreve um Custódio de Mello carreirista e egocêntrico, em uma posição ainda mais desconfortável se comparadas às preocupações sociais expostas por Américo Silvado (pai). Uma memória de si bastante inconveniente para a figura pública que se tornou Custódio de Mello. Mas por outro lado suas cartas a Janu dão colorido a paisagem da sociedade brasileira, patriarcal e baseada no privilégio, e que naturalmente possibilitou a Artur Silveira da Mota galgar mais degraus.
Com o uso de uma documentação tão privada como as cartas ou mesmo o diário, Januária e Américo Silvado (filho) não deixam de trazer novos elementos para pensarmos a história, tanto nacional quanto regional. A questão não se coloca em termos de um aporte que possa alterar uma historiografia já sedimentada, mas sobre contribuições suficientes que nos fazem refletir sobre os aspectos demasiado humanos por traz da grande História. Uma historiografia que também em parte foi construída e consolidada por meio de diversas estratagemas, e que não deixaram de privilegiar a seleção de fontes. A pouca divulgação de algumas, mesmo em um arquivo público como as cartas de Custódio de Mello a sua amada, ou o não incentivo à republicação de obras impressas desconfortáveis e consideradas provavelmente não tão “patrióticas”, como a do Almirante positivista, reforçam essa suspeita.
Nos arquivos dos países que participaram na Guerra Grande há inúmeros documentos sobre os quais os pesquisadores precisam se debruçar e que, lamentavelmente, permanecem inéditos. Sem dúvida, a documentação que integra a denominada “escrita de si” (missivas, diários, memórias) oferece elementos de análise sobre o pensamento e as ações de setores da sociedade brasileira que enxergaram o conflito desde outras perspectivas. Esses olhares, presentes neste trabalho, ajudam contribuir para uma melhor compreensão sobre os mecanismos e processos que levaram a imposição de uma interpretação da história oitocentista, bem como a identificar os usos políticos dessa hegemonização.
Notas
1 Ouro Preto (1981, p. 10).
2 Existe uma vasta produção bibliográfica sobre esta fase inicial da República, abrangendo os governos presidenciais de Deodoro da Fonseca (1889-1891), Floriano Peixoto (1891-1894) e Prudente de Moraes (1894-1898). Este trabalho, no entanto, abarca um arco temporal mais amplo, indo do Segundo Reinado (1840-1889), período da história em que o Brasil foi governado por Dom Pedro II, à República Velha ou Oligárquica (1889-1930). Algumas obras de síntese de toda esta etapa está indicada na bibliografia final. Para o conflito de Canudos (1896-1897), confronto entre o exército a serviço das oligarquias latifundiárias e os integrantes de um movimento popular de fundo sócio-religioso, sempre é importante partir da narração de Euclides da Cunha, exposta no livro Os Sertões (1902). Mario Vargas Llosa retoma a história desse conflito em La guerra del fin del mundo, romance de 1981 que mescla personagens reais e fictícios.
3 O Visconde de Ouro Preto, já nos dias seguintes à queda da Monarquia, assim se manifestava sobre os acontecimentos. Rumo ao exílio, em 09 de dezembro de 1889, desde a Ilha de Tenerife, escreveu seu famoso manifesto. Para uma análise deste, ver: Advíncula-Miguel (2014).
4 Artur Silveira da Mota, o Barão de Jaceguay, entrou para a Academia Brasileira de Letras em 1907.
5 Ver: Silvado (1897).
6 Ver: Jaceguay (2011).
7 Ver: Mello (1938).
8 As cartas se encontram no Arquivo do Museu Histórico Nacional (Coleção Wanderley Pinho – Série Custódio de Mello).
9 Esta produção encontra-se bem sintetizada por Maestri em uma publicação recente. Ver: Maestri, Mario. Silva Barbosa. Diário de um Voluntário na Guerra contra o Paraguai: da defesa de São Borja à morte de Francisco Solano López. In: Squinelo, A, P. (2016).
10 Ver: Thompson (1981).
11 Ver: Ouro Preto (1981). Op. Cit., p.11.
12 Ver: Ouro Preto (1981). Op. Cit., p.42.
13 Ver: Ouro Preto (1981). Op. Cit., p.42.
14 O encouraçado foi construído no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, tendo sido lançado ao mar em 17/02/1866. “Dissipada a nuvem, viu-se então que o Rio de Janeiro adernava do lado do portaló, em que se mostrava sereno e ereto o bravo Comandante, Primeiro-Tenente Américo Brazilio Silvado. Breve desapareceu o navio nas águas, que se fecharam sobre tão esperançoso oficial [...].” Ver: Ouro Preto (1981). Op. Cit., p.42.
15 Segundo Doratioto: “Em 25 de julho os brasileiros entraram, finalmente na deserta Humaitá. Durante 27 meses os aliados lutaram no triângulo compreendido entre essa fortaleza e os rios Paraguai e Paraná, pela posse de quarenta quilômetros de território”. Ver: Doratioto (1996).
16 Ver: Silvado (1897).
17 Ver: Ministério da Marinha. Almirante Américo Brazilio Silvado. (1950, p. 9). O positivismo se expressa em Américo Silvado na produção de inúmeros trabalhos técnicos, como na área de meteorologia, sinalização e mesmo em educação, com a proposta de uma nova ortografia. No Brasil, a influência do positivismo entre os militares não foi apenas filosófica, como também religiosa, como no caso de Américo Silvado (filho). Com a proclamação da república em 1889, a influência do Apostolado Positivista na opinião pública brasileira atingiu seu ápice. Os anos seguintes, no entanto, marcaram sensivelmente o início de sua lenta decadência. Mas boa parte daqueles que encontraram no positivismo cientificista as bases para a crítica ao regime monárquico não participavam da Igreja Positivista. Para uma discussão a respeito desse tema, ver: Moreira, Luiz Felipe V. Os intelectuais brasileiros e o revisionismo histórico platino. In: Moreira (2007).
18 Em 1950, quando do falecimento do Almirante, o Comandante Feliciano Xavier em suas palavras apontava para uma longa continuidade de pensamento e ação do velho marinheiro, que se remetia ainda à década de 1880: “Suas palavras e notadamente seus atos, como todas as de um ‘Lidador’ pairam no ar, como exemplos. Chefe de família devotado, patriota exaltado, suas atitudes apresentaram sempre, graças à sua orientação religiosa, filosófica e científica, como ardente discípulo que foi de Augusto Comte, sim, a grande virtude de conciliar o mais puro patriotismo com o supremo anhelo de uma Humanidade feliz, tendo como célula mais forte pelo sentimento, sua própria família, inda que subordinada à Pátria e à Humanidade”. Ver: Ministério (1950). Op. Cit., p.15.
19 A Igreja Positivista havia aglutinado junto aos seus dois grandes doutrinadores, Miguel Lemos e Teixeira Mendes, um conjunto de seguidores, muitos deles militares, como Américo Silvado (filho) ou o General Bagueira Leal. Personalidades interessantes pela própria contradição de um posicionamento público anti-militarista.
20 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.13.
21 Existe uma vasta produção bibliográfica sobre a escrita auto reflexiva. Sobre missivas, ver: Gomes, A. de C. Em família: a correspondência entre Oliveira Lima e Gilberto Freyre. In: Gomes, A. de C. (Org.). (2004). Para biografias, ver: Bourdieu, P. A ilusão biográfica. In: Ferreira, M. e Amado, J. (2002). Para o tema das memorias, ver: Lejeune, P. (2008).
22 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.62.
23 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.28.
24 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.83. Grifo feito por um dos Silvados.
25 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.36.
26 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.116. A posição de Américo Silvado (filho) sobre os indígenas brasileiros, lembra muito a ação do Marechal Cândido Rondon durante a República Velha, o mais ilustre militar vinculado ao Apostolado Positivista. Este, como oficial, resolveu orientar as suas atividades castrenses no sentido estritamente pacificador, utilizando o Exército no desbravamento dos sertões. Em 1910 ao ser criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) tornou-se o seu primeiro presidente – instituição antecessora da atual FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Em 1913 chefiou a expedição científica conhecida como Rondon-Roosevelt, em atendimento à solicitação do ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt. Até 1914, ambos percorreram a selva às margens da Bacia Amazônica, coletando materiais posteriormente enviados ao Museu Americano de História Natural.
27 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.134.
28 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.135. Em carta desde a Esquadra em Operações, e datada de 16/08/1866, dizia: “O que nele salva [o Brasil] as aparências é a baixa classe da sociedade, que não está ainda corrupta, como pensam os outros. Honra ao nosso povo”. Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.136.
29 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.137.
30 E isto não poderia deixar de ser como membro do Apostolado Positivista. Em 1950, quando do falecimento do Almirante, o Comandante Feliciano Xavier, em suas orações fúnebres, fez uso de reflexões do chileno Luiz Lagarrigue, também discípulo ortodoxo de Comte, quanto a vida subjetiva que se iniciava com a morte: “Os vivos são sempre e cada vez mais necessariamente governados pelos mortos que representam a melhor parte da Humanidade”. Ver: Ministério (1950). Op. Cit., p.17.
31 Ver: Silvado (1897). Op. Cit., p.183-184. A terminologia usada por Américo Silvado é interessante, e remete à polêmica intelectual que de alguma forma travaram dois anos antes, em 1895, o Barão de Jaceguay (Artur Silveira da Mota) e o estadista e intelectual Joaquim Nabuco. Jaceguay publicou “O dever do momento”, havendo como resposta por parte de Nabuco “O dever dos monarquistas”. Se para os acontecimentos políticos que se viviam Jaceguay olhava o futuro, Nabuco olhava o passado. Um “monarquista sincero”, como se considerava, e que se via já como um velho. Para uma leitura sobre esse debate, ver: Ó, Alarcon Angra do. A neocracia: debates políticos nos fins do século XIX e a invenção da velhice no Brasil. In: Revista de História Regional, 14 (2), 2009.
32 Posteriormente o Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro) comprou as cartas da viúva do Sr. Wanderley Pinho. Ao total são 49 cartas e encontram-se no Arquivo do Museu Histórico Nacional (WP cm 1 à 49). As missivas em posse de Custódio de Mello não foram encontradas. De qualquer forma tanto Januária como Custódio de Mello se queixavam de extravios na troca de correspondência.
41 WP cm 38. A Sibéria era uma referência ao Mato Grosso, distante e isolada, pois seu acesso se dava pelo Rio da Prata.
42 WP cm 48. Esta carta, de Cot. (Barão do Cotegipe) a Elizario, acabou em posse de Januária.
43 WP cm 39. Esta carta de Custódio de Mello ao Dr. Góis, também foi remetida com cópia para Januária.
45 Ver Jornal O Apóstolo, Rio de Janeiro, Anno VI, 02/04/1871, p.111. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=343951&pagfis=2037&url=http://memoria.bn.br/docreader#>. Acesso em 14.04.2017.
46 Esta era a opinião do Contra-Almirante Raul Tavares, que foi contemporâneo do Barão de Jaceguay. Após a morte deste, em 1914, ganhou a incumbência de ordenar o seu arquivo. As “Reminiscências da Guerra do Paraguai” foram incialmente publicadas na década de 1910 nas páginas do Jornal do Comércio da capital, e saíram na forma de livro apenas em 1935. Ver: Jaceguay (2011). Op. Cit., p.37.
47 Ver: Jaceguay (2011). Op. Cit., p.69.
48 Ver: Jaceguay (2011). Op. Cit., p.140.
FONTES
Coleção Wanderley Pinho – Série Custódio de Mello – Museu Histórico Nacional
Jornal O Apóstolo, Rio de Janeiro, Anno VI, 02/04/1871, p.111. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=343951&pagfis=2037&url=http://memoria.bn.br/docreader#>. Acesso em 14.04.2017.
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