Ensayos

Plataformização e o uso da informação para a criação de estímulos de consumo

Platformization and the use of information for the creation of consumption response

La plataformización y el uso de la información para crear estímulos al consumidor

Francisco Carlos Paletta
Escola da Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Brasil
Jader Jaime Costa do Lago
Escola da Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Brasil

Plataformização e o uso da informação para a criação de estímulos de consumo

Revista e-Ciencias de la Información, vol. 12, núm. 1, pp. 114-133, 2022

Universidad de Costa Rica

Recepción: 16 Agosto 2021

Corregido: 22 Octubre 2021

Aprobación: 02 Noviembre 2021

Resumo: Vivemos numa sociedade em que a existência está diretamente associada à visibilidade dos indivíduos. As construções narrativas que validam este processo trabalham com imagens e vídeos que projetam e constroem as nossas vivências em múltiplas plataformas digitais. Através delas é possível mapear boa parte de nossas ações e interações. Esses dados são valiosos indicativos de nosso comportamento social e emocional diante de variados temas e situações. As plataformas digitais utilizam essas informações na dinâmica do capitalismo de dados, extraindo valor a partir de mecanismos automatizados de coleta e operados por sujeitos algorítmicos. Por meio da organização de Big Data novos padrões de consumo são estimulados através de entregas customizadas para determinados grupos de pessoas interconectadas. Este estudo mostra as características deste processo operado em ambientes heterotópicos em que o espaço-tempo é formatado pela lógica das plataformas. Além disso, será apresentado um panorama sobre como esse artifício se tornou possível por causa da necessidade de relevância em que a autonomia do indivíduo nas redes é proporcional à sua submissão às regras de vigilância e exploração econômica. Através desta premissa este estudo apresenta dados recentes sobre a relação de confiança dos brasileiros nestas plataformas digitais que, paradoxalmente, ocupam lugar de destaque como fonte de informação primordial para boa parte da população no Brasil.

Palavras-chave: plataformização, colonialismo de dados, sujeitos algorítmicos.

Abstract: We live in a society in which the existence is directly associated with the visibility of the individuals. The narrative constructions that validate these processes work with images and videos that project and build our experiences on multiple digital platforms. Through them it is possible to map part of our actions and interactions. These data are valuable indicators of our social and emotional behavior in the face of many themes and situations. Digital platforms use this information in the dynamic of data capitalism, extracting value from automated collection mechanisms operated by algorithmic subjects. Through the Big Data organization, consumption patterns are stimulated through customized deliveries for certain groups of interconnected people. This study shows the characteristics of this process operated in heterotopic environments in which space-time is operated by the platform logic. In addition to that, an overview will be presented on how this artifice became possible because of the need for relevance in which the individual’s autonomy in networks is proportional to their submission to the rules of surveillance and economic exploitation. Through this premise, this study also presents recent data on the trust relationship of Brazilians in these digital platforms that, paradoxically, occupy a prominent place as a primary source of information for a large part of the population in Brazil.

Keywords: platformization, data colonialism, algorithmic subjetcs.

Resumen: Vivimos en una sociedad en la que la existencia está directamente asociada a la visibilidad de los individuos. Las construcciones narrativas que validan este proceso funcionan con imágenes y vídeos que proyectan y construyen nuestras experiencias en múltiples plataformas digitales. A través de ellos es posible mapear la mayoría de nuestras acciones e interacciones. Estos datos son valiosos indicadores de nuestro comportamiento social y emocional ante diversos temas y situaciones. Las plataformas digitales utilizan esta información en la dinámica del capitalismo de datos, extrayendo valor de los mecanismos de recogida automatizada operados por sujetos algorítmicos. A través de la organización de Big Data se estimulan nuevos patrones de consumo mediante entregas personalizadas a determinados grupos de personas interconectadas. Este estudio muestra las características de este proceso operado en entornos heterotópicos en los que el espacio-tiempo está formateado por la lógica de las plataformas. Además, se presentará una visión general de cómo este artificio fue posible debido a la necesidad de relevancia en la que la autonomía del individuo en las redes es proporcional a su sometimiento a las reglas de vigilancia y explotación económica. A través de esta premisa, este estudio presenta datos recientes sobre la relación de confianza de los brasileños en estas plataformas digitales que, paradójicamente, ocupan un lugar destacado como fuente primaria de información para gran parte de la población en Brasil.

Palabras clave: plataformización, colonialismo de datos, sujetos algorítmicos.

1. Introdução

Nesse início do século XXI o consumo e a produção de conteúdo audiovisual seguem em expansão vertiginosa. Os meios de divulgação, exibição e produção se popularizaram enormemente e qualquer pessoa com acesso regular à internet e um smartphone é capaz de criar, produzir e divulgar vídeos para um público potencialmente enorme. A cadeia produtiva foi alterada pela interconectividade em que o indivíduo é capaz de gravar um vídeo e distribuí-lo em questão de segundos. A possibilidade de variados conteúdos audiovisuais se tornarem virais pode ser comprovada diariamente por tudo aquilo que vemos em redes sociais, sites e plataformas de compartilhamento. Um vasto campo que cresce exponencialmente e que passa diante dos nossos olhos, guiado pelo simples toque dos dedos numa tela, em infinitas publicações disponíveis em timelines de amigos, conhecidos ou de empresas, pessoas e instituições que nos interessam. Através das plataformas digitais a humanidade concentrou as informações de Big Data em espaços virtuais capazes de revolucionar a forma como pensamos e organizamos o nosso cotidiano. “A plataforma precisa facilitar a integração de novos dados, consultas ad hoc e visualização para acelerar a compreensão humana. À medida que valiosos insights emergem dessa plataforma, eles se tornam os requisitos para mudanças nos sistemas e processos de produção”. (Davenport, 2014, p. 20)

O meio digital, o ciberespaço que se tornou essencial para as nossas relações sociais, econômicas, afetivas e de consumo, é onde passamos boa parte do nosso tempo. Nesse espaço onde a inteligência artificial aprende a partir da interação com os humanos, a programação algorítmica das plataformas é capaz de cativar as mais diversas audiências com entregas customizadas de acordo com as preferências do usuário, aproveitando-se também dos processos de recepção de nosso cérebro e da satisfação proporcionada pelo consumo audiovisual, servindo de moeda de troca social ao público que discute e interage a partir de determinados conteúdos audiovisuais. Do filme premiado em Cannes, passando pela novela mais popular e os vídeos que recebemos em grupos familiares de mensagens instantâneas.

Com tantas ofertas audiovisuais à disposição em diversas mídias, o nosso jeito de consumir também mudou. A atenção ao que nos é realmente relevante diminuiu ou se tornou mais seletiva. Assim, ao mesmo tempo em que a oferta aumentou, o desafio de conseguir audiência é cada vez mais difícil. A democratização da produção audiovisual também enfrenta a realidade do mercado, dos grandes players que continuam ditando as regras do jogo, daquilo que chega até o grande público impulsionado por postagens pagas em redes sociais utilizando a inteligência algorítmica com base nos dados fornecidos pelo próprio usuário. “A produtividade e a competitividade na produção informacional baseiam-se na geração de conhecimentos e no processamento de dados” (Castells, 1999, p. 165).

Dados de geolocalização, gostos musicais, hábitos de consumo, preferências sexuais e muitas outras informações pessoais estão à disposição de empresas para fins econômicos. Trata-se do Colonialismo de Dados que também utiliza a programação algorítmica para manipular e desinformar, apropriando-se de recursos e criando relações para normalizar essa exploração com o objetivo de monetizar.

Analisando especificamente a indústria midiática e sua mudança de paradigma, da dominância televisiva para a internet com suas plataformas de streaming, o mercado tem utilizado a informação como diferencial competitivo. Netflix, Globoplay, Hulu, Disney+ e Amazon Prime Video possuem inteligência analítica calcada em dados de consumo.

Além de poderem entregar a mensagem certa ao público que desejam atingir, elas também concentram seus esforços para dominar a cadeia produtiva, da produção à distribuição. Sem intermediários, em contato direto com o consumidor, presente em todas as suas conexões e ambiências.

Esse trabalho pretende analisar por quais motivos as estratégias de divulgação dos grandes grupos de comunicação passam essencialmente pelos meios digitais e o uso de algoritmos. Abordaremos o consumo audiovisual, especificamente relacionado às estratégias da plataformização e o uso da tecnologia corporativa para determinar processos culturais e aumentar a geração de valor dentro do capitalismo digital.

A Midiatização Profunda, com suas “figurações” destinadas a entreter e engajar o público através de narrativas construídas, tem influência direta nessa necessidade de consumo audiovisual. A entrega personalizada em meios digitais e sua construção de relevância através da percepção de determinados grupos é fundamental dentro deste processo. A imposição de temas e pautas está relacionado ao conceito de Indústria Cultural e a midiatização é atualmente a sua maior ferramenta. A ilusão de que as mensagens são personalizadas pode induzir o usuário a acreditar que tem relevância em seu grupo social. Esta busca individual por valor e importância, por aumentar a própria visibilidade e, consequentemente, a legitimidade dentro de determinado grupo, são algumas das razões dessas estratégias de comunicação dependerem essencialmente dos meios digitais para serem efetivas em seus objetivos.

Em países em desenvolvimento como o Brasil, as estratégias de plataformização são extremamente bem-sucedidas e encontram um vasto campo de atuação devido à baixa escolarização, ao uso massivo da internet e à entrada do país na Era Digital sem antes ter consolidado o hábito de leitura de jornais ou outros meios impressos com a consequente análise de conteúdo.

2. Justificativa

Diante de um cenário onde os dados servem de base para ações econômicas e a construção de identidade é mediada digitalmente, no tempo e relevância estabelecidos pelas plataformas, a conscientização sobre o funcionamento desses mecanismos de manipulação é fundamental.

Quanto mais o usuário renuncia a sua autonomia dentro das plataformas digitais, deixando o caminho livre para a atuação dos sujeitos algorítmicos, maior é a ilusão de estar conseguindo um novo capital social, cultural e simbólico.

A partir da experiência vivenciada em âmbito profissional esse trabalho pretende mostrar e contextualizar parte desses processos, tendo como base artigos relacionados ao tema e a análise da produção audiovisual massificada que impõe um agendamento e relevância para determinados temas, tendo como pano de fundo a exploração econômica. Além disso, a partir do contexto brasileiro como exemplo, este trabalho pretende analisar quais seriam os possíveis caminhos para que o indivíduo não ficasse totalmente à mercê dos interesses obscuros das grandes corporações que controlam os fluxos informacionais em ambientes digitais e suas diversas plataformas.

3. Redes digitais: o espaço-tempo criado pelas plataformas

Vivemos cercados de dispositivos eletrônicos e dependemos deles para nos relacionarmos em sociedade. Essa relação de dependência é determinante para estabelecer o nosso tempo, espaço e memória. A troca constante de informações através das redes digitais é rotina em nossa sociedade e estrutura as relações em todos os âmbitos. “A informação é aquilo que alimenta o funcionamento do nosso mundo: o sangue e o combustível, o princípio vital. Ela permeia a ciência de cima a baixo, transformando todos os ramos do conhecimento”. (Gleick, 2011, p.16).

O mundo depende da informação e é através do estabelecimento das redes que a vida e as relações sociais se expandem. Para Manuel Castells (2018, p. 93) o poder da rede opõe-se ao poder da identidade, pois qualquer atividade em qualquer lugar do mundo gravita em direção a essas redes que concentram poder, riqueza, cultura e capacidade comunicativa. As elites dominantes seguem a lógica e se articulam através dessas redes. Mas para a imensa maioria dos humanos, carentes de capacidade institucional de ação sobre os programas que governam tais redes, o sentido de suas vidas provém de sistemas culturais construídos por uma experiência comum: seus territórios, idiomas, culturas e histórias próprias, religião, grupo étnico e nação. Todos esses sistemas culturais são influenciados pela lógica dessas redes. Quanto mais abstrato se torna o sistema de poder articulado nas redes, mais a defesa do direito a ser se refugia em identidades irredutíveis às lógicas dominantes.

Essas redes também são espaços de convivência onde as relações humanas são estabelecidas. Trata-se de um espaço abstrato, o Chora, criado momentaneamente, atualizado e modificado por diversos agentes. Ele é alimentado por dados e está em constante transformação através da interação social virtual e dependente dos dispositivos. Ainda que estejam em contato e dependam desta relação, os indivíduos que convivem neste espaço virtual constroem uma interação social diferente do que víamos tradicionalmente, pois “os habitantes digitais da rede não se reúnem. Falta-lhes a intimidade da reunião, capaz de produzir um nós. Forma-se uma concentração sem reunião, uma multiplicidade sem interioridade, sem alma ou sem espírito”. (Han, 2016, p.23).

As plataformas são parte fundamental desse ecossistema onde as grandes corporações controlam os fluxos de comunicação. O objetivo é difundir e enfatizar as mensagens usando os meios tecnológicos digitais com seu poder de propagação em grande escala. Uma força coerciva que consegue influenciar e direcionar as escolhas de bilhões de pessoas em todas as partes do mundo. São “sistemas de informação global projetados por aparatos tecnocorporativos que agora substituem os poderes econômicos das nações” (Dijck, 2020, p. 2).

Nas ações do cotidiano o indivíduo, na maior parte das vezes, sequer questiona o risco de compartilhar os seus dados com inúmeras plataformas. Boa parte desses sistemas também permite a vinculação de uma conta de e-mail ou rede social durante o acesso a aplicativos e sites. Trata-se de uma maneira cômoda de suprir a necessidade contemporânea de estar conectado a tudo, da forma mais rápida e que exija menos ações.

Assim como em sua versão tradicional, a lógica do capitalismo digital também visa essencialmente o lucro e é imperativo questionarmos se nossas informações pessoais estariam realmente seguras nas mãos dessas empresas.

Vivemos a era do Data-Colonialismo em que os dados de acesso às redes são retratos fiéis do que vivemos, gostamos ou estamos propensos a consumir:

O Colonialismo de Dados é, em essência, a ordem emergente para a apropriação da vida humana, de forma que esses dados podem ser continuamente extraídos dela para o lucro. Essa extração é operacionalizada por meio de relações de dados, formas de interação um com o outro e com o mundo, viabilizadas por ferramentas digitais. Através das relações de dados, a vida humana não é somente anexada ao capitalismo, mas também se torna sujeita a monitoramento e vigilância contínuos. (Couldry y Mejias, 2019, p. 13).

Em geral o questionamento sobre a segurança e o uso das informações pessoais compartilhadas em plataformas não existe ou é minimizado. Por puro desconhecimento, descaso ou pelo desejo de ‘ganhar tempo’ no acesso a essas plataformas. A necessidade de estar conectado, interagir e usufruir dos benefícios dessas redes o mais rapidamente possível sobrepõe-se aos riscos de compartilhar dados particulares. Afinal, ilusoriamente, trata-se de uma moeda ‘barata’, levando-se em conta que ela não foi adquirida em nenhum lugar e tampouco exigiu algum esforço para que fosse obtida.

A partir disso, compartilhar informações do cotidiano, das atividades pessoais, trajetos e preferências gerais parece estar dentro da normalidade, como um padrão de comportamento observado em milhões de pessoas, divididas em suas comunidades e grupos de interesse e seguindo a ideologia da Civilização, da normalização de todas as atividades que sejam comuns à maioria das pessoas. Dessa maneira, o poder dominante não é questionado pela sociedade.

A vertiginosa evolução tecnológica digital e o uso intensivo de informações ampliaram o conceito de espaço. Segundo o geógrafo Milton Santos (1994, pp.13-14) o espaço pode ser entendido através da tecnosfera e da psicosfera, que, juntas, formam o meio técnico-científico. A tecnosfera é o resultado da crescente artificialização do meio ambiente. O que era natural é substituído por uma esfera técnica, na cidade e no campo.

Já a psicosfera é o resultado de crenças, desejos, vontades e hábitos que inspiram comportamentos filosóficos e práticos, as relações interpessoais e a comunhão com o Universo. “Nesses espaços da racionalidade, o mercado é tornado tirânico e o Estado tende a ser impotente. Tudo é disposto para que os fluxos hegemônicos corram livremente, destruindo e subordinando os demais fluxos” (Santos, 1994, p.14).

A partir destas relações que estabilizam o processo de apropriação de dados, quem estabelece o tempo das coisas é o algoritmo através da criação de relevância ao usuário. Desta maneira, a Inteligência Artificial é que determina as necessidades de consumo no momento mais oportuno dentro das estratégias de comunicação das empresas. Assim, o tempo das redes não é o tempo real, mas àquele que foi criado pelas plataformas de acordo com interesses econômicos ou de controle social.

Tendo como referência o conceito das heterotopias, criado por Michel Foucault nos anos 1960, podemos dizer que as plataformas são espaços heterotópicos que não residem em um lugar, mas estão disponíveis a qualquer tempo. Dentro delas combinam-se culturas e funcionalidades (como, por exemplo, as narrativas imagéticas) para a criação de momentos de realidade compartilhada em rede. Entre a utopia da liberdade em ambiente digital e a opressão do controle social e econômico através dos algoritmos, surgem as plataformas heterotópicas, espaços buscados e valorizados por grupos humanos que se relacionam e se expressam em mensagens distintas ou contraditórias, mas que podem conviver e serem combinadas para a criação de novos sentidos:

Seu primeiro princípio é que provavelmente não existe uma única cultura no mundo que deixe de constituir heterotopias. Essa é uma constante de todo grupo humano. Mas as heterotopias obviamente assumem formas bastante variadas, e talvez nenhuma forma absolutamente universal de heterotopia poderia ser encontrada. [...] Uma sociedade, à medida que sua história se desenrola, pode fazer uma heterotopia existente funcionar de uma maneira muito diferente; pois cada heterotopia tem uma função precisa e determinada dentro de uma sociedade e a mesma heterotopia pode, de acordo com a sincronia da cultura em que ocorre, ter uma função ou outra. (Foucault, 1984, pp. 46-49)

O impacto da informação audiovisual dentro desse cenário heterotópico é muito relevante pelo seu componente emocional e capacidade de engajamento. As imagens e vídeos são elementos fundamentais das narrativas contemporâneas. Basta um dispositivo com internet para qualquer pessoa entrar nessa cadeia de produção e fazer parte dessa construção coletiva. Ao ter a liberdade de agir e interagir é possível obter visibilidade.

As plataformas criaram o seu próprio espaço-tempo para a colonização de dados e a exploração dos recursos desse ambiente é conduzido, em grande parte, por algumas das gigantes empresas globais, como o Google e o Facebook, por exemplo. O que importa nesse processo é controlar os fluxos de informação, um dos ativos mais importante da atualidade. O maior site de buscas do planeta ou o conglomerado de redes sociais tem estratégias semelhantes em sua curadoria digital: receber, controlar e gerenciar o máximo de informação possível do usuário, atraindo sua atenção:

Eles capturam nossa atenção fornecendo-nos gratuitamente informação, serviços e entretenimento, e depois revendem nossa atenção para anunciantes. Mas provavelmente visam a muito mais do que qualquer mercador de atenção anterior. Seu verdadeiro negócio não é vender anúncios. E sim, ao captar a nossa atenção, eles conseguem acumular uma imensa quantidade de dados sobre nós, o que vale mais do que qualquer receita de publicidade. Nós não somos seus clientes – somos seu produto. (Harari, 2018, p.107).

A nossa informação pessoal, captada pelos dispositivos, é um retrato daquilo que vivemos. A entrega disso para empresas explorarem livremente é algo que deveria nos causar receio. Mas ela somente acontece porque há uma relação de simbiose entre essa exploração econômica com o entretenimento, serviços e a exposição social que as plataformas nos entregam. A relevância do indivíduo, uma condição valorizada num mundo onde todos querem ter voz, está ligada às plataformas. Nesse contexto, a Midiatização Profunda é a maior ferramenta na normalização do agenciamento algorítmico para a exploração econômica e a imposição de assuntos e costumes.

4. A busca por relevância e a midiatização

Nas redes sociais somos àquilo que queremos projetar ao mundo. As belas fotos de viagens, relatos divertidos e inteligentes, posicionamentos políticos contundentes e os relacionamentos felizes são tornados públicos pela necessidade de construir uma narrativa pessoal sobre a nossa existência. Na busca pela relevância, por ‘ser alguém’ dentro da rede digital, o usuário precisa entrar no jogo de compartilhar dados e, paradoxalmente, perder autonomia de escolha por estar ainda mais conectado e dependente de um sistema controlado pelos sujeitos algorítmicos. A construção dessa identidade virtual, que expressa ou não a realidade do indivíduo, depende da relação dele com a inteligência artificial e da forma como ele faz uso das ferramentas de engajamento para a formação do seu capital social, cultural e simbólico. Para isso, não basta apenas consumir informação. É preciso ser um agente ativo e produtivo, que não depende de intermediários no processo comunicativo digital: o indivíduo cria, envia e recebe o feedback:

Somos, ao mesmo tempo, consumidores e produtores. Este duplo papel conduz a um incremento enorme da quantidade de informação. O meio digital oferece não só janelas de acesso à visão passiva, mas também portas através das quais transportamos para o exterior as informações que nós próprios produzimos. [...] Os meios, como os blogues, o Twitter ou o Facebook, liquidam a mediação da comunicação: desmetiatizam-na. A atual sociedade da opinião e da informação assenta nessa comunicação desmediatizada. Cada um de nós produz e envia informação. [...] A desmediatização generalizada põe fim à era da representação. Hoje, cada qual quer estar diretamente presente e apresentar, sem intermediários, a sua própria opinião. A representação cede o seu lugar à presença, ou à coapresentação. (Han, 2016, p. 28)

Ao mesmo tempo em que o indivíduo usa as redes para expressar a sua opinião, mostrar-se presente e relevante, aumentando a visibilidade em seu entorno social, ele também faz parte de um acordo implícito e que envolve os mais sofisticados processos de midiatização. As “figurações”, as narrativas construídas em ambientes midiáticos acionam conteúdos, ferramentas e públicos. A Midiatização Profunda, com seu agenciamento algorítmico, é capaz de criar a ilusão de que o usuário recebe mensagens personalizadas. Isso tem o poder de criar uma falsa impressão de relevância dentro de um sistema que, na realidade, é totalmente impessoal e matemático, calcado em Big Data.

Organizar os dados, transformá-los em informação e conhecimento para a criação da inteligência analítica é o ciclo de curadoria digital realizado pelas grandes corporações e por grupos políticos interessados em tomar o poder a qualquer custo. Ao fornecermos informações através dos nossos dados de navegação, preferências e geolocalização, possibilitamos que os algoritmos de Big Data possam ser capazes de decidir por nós. Confiamos que o site de busca ou o aplicativo sempre nos entregam uma verdade absoluta.

Os conglomerados empresariais possuem capacidade operacional para a organização de Big Data, um grande volume de dados estruturados e não estruturados. O conceito de Big Data pode ser classificado em ‘5 Vs’: volume, velocidade, variedade, valor e veracidade. O detalhamento de cada uma dessas características é bastante abrangente e pode ser aplicado nas mais diversas áreas do conhecimento, como ilustra na Tabela a seguir:

Tabela 1
Cinco Vs de Big Data
VDescrição
Volume de DadosA quantidade de dado coletado e disponível para uso. A estimativa é que mais de 2.5 Exabytes de dados foram criados em cada dia de 2012. (Wikipedia 2013).
Velocidade de DadosA taxa na qual os dados são acumulados ou a velocidade em que cada dado chega, e quão rápido ele é depurado, como frequentemente ele muda e quão rápido ele se torna irrelevante ou desatualizado.
Variedade de DadosOs diferentes tipos de dados requeridos para análise, que podem tanto estruturados, como arquivos RDF, banco de dados e tabelas de Excel ou não-estruturados, como texto, arquivos de áudio e vídeo.
Valor do Dado O valor deriva de como o processamento do dado contribui na tomada de decisão e solução de problemas. Um grande volume de dado pode ser sem valor se ele tiver perecido, atrasado ou for impreciso.
Veracidade do DadoA exatidão, precisão e confiabilidade do dado. Um dado pode ser muito exato e com baixa precisão e baixa confiabilidade baseado nos métodos de coleta e ferramentas utilizadas.
Armour et al. (2015)

Ao organizar esse imenso volume de dados as empresas conseguem transformá-los em informação para posterior análise. Esse processo de gestão da informação, capaz de determinar o sucesso das estratégias empresariais, está ligado à grande transformação tecnológica dos últimos anos. “São tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas anteriores”. (Castells, 1999, p.78).

Possivelmente o caso mais conhecido de uso massivo de dados não autorizados seja o da Cambridge Analytica. Essa empresa britânica de assessoria e mineração de dados teve acesso às informações pessoais de 50 milhões de usuários do Facebook através de um aplicativo que realizava testes psicológicos. O esquema começou em 2014 e os dados foram utilizados na estratégia da campanha vitoriosa de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2016. (Cadwalladr y Graham-Harrison, 2018, párr. 1).

O escândalo somente foi revelado dois anos após a eleição norte-americana através de reportagens dos jornais The Guardian e The New York Times e demonstra que os dados pessoais compartilhados em plataformas certamente correm o risco de serem utilizados para propósitos não autorizados pelo usuário. Ainda que a vitória de Trump não possa ser creditada somente a esse fator, seguramente a manipulação de dados teve um papel importante nesse contexto, não somente no caso da Cambridge Analytica, mas em um processo maior de desinformação e propagação de notícias falsas em redes sociais durante períodos eleitorais.

As instituições democráticas se mostraram falhas diante desse novo cenário e outras eleições ao redor do mundo também passaram por fenômeno semelhante, incluindo a prática ilegal de disparos de mensagens em massa por WhatsApp para a disseminação de desinformações durante o processo eleitoral brasileiro em 2018. (Mello, 2018, párr. 2).

As corporações de mídia também investem continuamente para melhorar a qualidade de suas plataformas e, consequentemente, aprimorar a captação e gerenciamento de dados que podem influenciar comportamentos de consumo e diversas outras ações de nosso cotidiano, pois “conforme o software se torna cada vez mais capaz de replicar aspectos do nosso pensamento, o futuro oferece oportunidades fascinantes para os objetos ao nosso redor tomarem decisões complexas em nossas vidas”. (Delman, 2010, párr. 4). Assim, podemos inferir que a massa utiliza as redes, mas não a operacionaliza e desconhece o funcionamento destas através da lógica das corporações.

Tomemos como exemplo a competição entre empresas de mídia no atual cenário da quebra de paradigma do padrão de consumo da Televisão para o Streaming. As estratégias de divulgação dos serviços de videos on demand (VOD) ainda precisam da força difusora de informação que as redes televisivas possuem. Assim, as peças publicitárias veiculadas durante os intervalos comerciais conseguem englobar uma audiência geral e, com isso, atingir o público-alvo por terem um alcance bastante abrangente.

Já as ativações em redes sociais são mais específicas, direcionadas e manipuláveis estrategicamente. Elas levam em conta as preferências do usuário, àquilo que ele gosta ou desperta o seu interesse. A Midiatização Profunda das corporações trabalha com a organização de dados, análise de informação e geração de conhecimento. Isso é aplicado nas estratégias de comunicação com mensagens personalizadas para determinados grupos e indivíduos, de maneira que o consumo seja realizado em diferentes plataformas.

Ativar esses grupos sociais com dados capazes de explorar as suas peculiaridades é a forma mais certeira de ganhar engajamento suficiente para garantir a venda de produtos e o compartilhamento de mensagens. Isso é feito através das informações de navegação, geolocalização e reconhecimento de voz com dados captados pelos dispositivos que nos acompanham em diversas ações do dia a dia. Assim, o nosso cotidiano é vinculado a estes recursos eletrônicos e são eles que influenciam nossos padrões de consumo, como a contratação de serviços de streaming ou a compra de qualquer outro produto.

A audiência é o fator primordial para a sobrevivência financeira dos grupos de mídia. A identificação de potenciais consumidores nas redes e a gestão da informação sobre as preferências pessoais desses grupos através dos algoritmos é o mecanismo que permite a exploração transversal de mídia. Os meios e dispositivos estão interconectados:

As informações que interessam ao veloz capitalismo de dados não são mais apenas os rastros de nossas ações e interações (cliques, curtidas, compartilhamentos, visualizações, postagens), mas também sua “tonalidade” psíquica e emocional. É esta economia psíquica e afetiva que alimenta as atuais estratégias de previsão e indução de comportamentos nas plataformas digitais (e eventualmente fora delas). [...] A atual dinâmica do capitalismo de dados, centrado no modelo de negócios das plataformas e aplicativos digitais, tem como um de seus pilares a extração de valor de dados provenientes de mecanismos automatizados de coleta e análise de nossas ações e comportamentos online. Sob a ordem de grandeza do Big Data e a velocidade da gestão algorítmica, os difusos processos de monitoramento digital estão cada vez mais atrelados a estratégias econômicas que visam prever e modificar o comportamento humano. (Bruno, Bentes y Faltay, 2019, pp. 5-6).

As grandes empresas de mídia utilizam essa estrutura de uso da informação de maneira magistral, impondo pautas e assuntos que induzem o público a consumir a determinado conteúdo. Ao tomar contato com esses produtos culturais o indivíduo está em busca de relevância dentro do seu entorno social. Segundo Marwick e Lewis (2017, pp. 33-36) existem ao menos cinco técnicas principais para a manipulação da mídia.

Através da Cultura Participativa é possível que as pessoas se expressem através da internet sem grandes barreiras. Ao mesmo tempo que garante liberdade, a falta de controle permite que informações falsas ou com maior potencial de manipulação circulem livremente. As Redes também são um fator de manipulação pois potencializam a divulgação das mensagens em escala global através dos compartilhamentos contínuos. Já os Memes, por serem peças associadas ao humor, possuem um alto potencial de engajamento.

Também existem as técnicas de Ampliação Estratégica e Enquadramento. Usando o poder da colaboração em rede e o alcance dos influenciadores digitais, os manipuladores de mídia conseguem pautar, inclusive, os grandes meios de comunicação. Outro importante aspecto na manipulação da mídia são os robôs, os Bots, que ajudam a difundir mensagens e direcionar conteúdo em redes sociais. Além disso, também são usados na interação direta com usuários reais, difundindo os mais diversos tipos de conteúdo e produtos.

Assim, podemos concluir que a Inteligência Artificial direciona boa parte do que vemos em ambiente digital e é capaz de influenciar nossos processos decisórios. A manipulação ocorre em vários níveis e o livre-arbítrio também é influenciado pelos algoritmos, pois já contamos com eles para escolher qual filme assistir, que casa comprar ou qual percurso seguiremos em nossos deslocamentos (Mazanec, 2017, párr. 4).

Vivemos a realidade de nosso tempo e qualquer classificação e análise também passa por esse recorte temporal. Os fenômenos relacionados ao uso massivo de dados pessoais estão associados à Era Digital e à liberdade de ação individual que esse sistema permite aos usuários. Se antes tínhamos uma sociedade disciplinar que procurava organizar a distribuição de seus indivíduos em meios de confinamento (como a família, as fábricas e as igrejas), atualmente vivemos na sociedade do espetáculo, que valoriza a imagem e se relaciona através dela, criando ilusões e representações com base na aparência. Estamos mais autônomos e, ao mesmo tempo, mais sujeitos à vigilância:

Há uma mudança primordial entre o sujeito de uma sociedade disciplinar e de uma sociedade espetacular. Sob um regime disciplinar, há uma preocupação com o olhar do outro, mas esse olhar vigia o cumprimento ou não às regras e o encaixe em padrões de ação. O olhar do espetáculo também é um olhar do outro, mas dessa vez, que observa não como o sujeito se adequa às leis das instituições, mas como se constrói para ser visto. [...] Qualquer um pode se fazer ouvir em tempo real mesmo em grandes distâncias. Assim, o indivíduo começa a ser responsabilizado pela produção de sua própria visibilidade: a internet é uma facilitadora nesse processo, oferecendo ferramentas para que se produza sua própria visibilidade (Karhawi, 2015, pp.8-9).

A visibilidade midiática é o fator de projeção do indivíduo, primordial para a sua existência, pois ele só existe se é visto por alguém através dos meios digitais. Mas para ser visto na Era Digital é preciso se submeter às regras destes meios. O compartilhamento de dados é a moeda de troca dessa relação de interdependência que rompe com a divisão entre o público e o privado, dando margem para mais controle social e manipulação de dados para fins econômicos.

5. Brasil, o campo perfeito para a plataformização

O Brasil possui mais de 126 milhões de pessoas conectadas à internet, com quase 80 milhões de usuários que navegam exclusivamente através de dispositivos móveis. O tempo dedicado ao ambiente online também segue em expansão, apresentando crescimento de 21% na comparação entre 2020 e 2021. Cada brasileiro dedica, em média, 3 horas e 23 minutos do seu dia à navegação na internet (Comscore, 2021).

Num país em que a população entrou na Era Digital ainda carregando sérios problemas sociais, com uma taxa de analfabetismo superior a 6% e analfabetismo funcional de 12,7% (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2021), as práticas de plataformização são bastante efetivas. A ligação do brasileiro com a internet e a influência deste meio em sua rotina é enorme. Os mais jovens relatam, inclusive, serem dependentes do aparelho celular, pois 42% das pessoas entre 15 e 24 anos dizem que se sentem perdidas quando não estão com os seus dispositivos móveis. Para 61% desta população a internet é o principal meio de entretenimento e 63% se informam através de meios online (Comscore, 2020).

Com a população altamente dependente dos meios digitais e sem uma base educacional voltada para a conscientização de todos os aspectos que envolvem a nossa relação com este meio, o controle ou a reflexão individual sobre os dados compartilhados pelo usuário com as grandes corporações ficam prejudicados. Com isso, o Brasil se tornou um local ideal para a implementação de todas as práticas da plataformização. A opinião pública, no contexto da Sociedade Digital, conta com o poder discursivo formatado pela lógica das plataformas e isso altera o jogo de poder.

Em pesquisa publicada pela Reuters Institute e a Universidade de Oxford sobre o comportamento de internautas na Índia, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil foi possível verificar como as populações destes países lidam com as notícias veiculadas em diferentes plataformas digitais. Segundo este estudo, para 45% dos brasileiros as notícias recebidas através do WhatsApp, de alguma maneira, são verdadeiras. O índice de confiabilidade das notícias veiculadas no YouTube é ainda maior, alcançando 58%. Essa mesma questão foi apresentada à população do Reino Unido e apenas 33% dos britânicos disseram confiar nas notícias que recebiam através do aplicativo de mensagens e somente 32% confiavam naquilo que viam na plataforma de compartilhamento de vídeos do Google (Arguedas et al, 2021).

Os sérios problemas sociais e a histórica educação deficitária no Brasil contribuem para um cenário em que a população está mais suscetível à influência dos sujeitos algorítmicos das plataformas. A capacidade da Inteligência Artificial influenciar nos processos decisórios é potencializada numa população que passou para a Era Digital sem a devida alfabetização e a criação do hábito de leitura em meios impressos, como revistas e jornais. Assim, países em desenvolvimento tendem a estar mais sujeitos à manipulação da Inteligência Artificial operada por grandes corporações. No Brasil as redes sociais são amplamente usadas e servem como fonte primordial de informação:

As pessoas geralmente confiam mais nas fontes de notícias que elas mesmas usam. Certas formas de notícias são usadas mais amplamente em alguns países do que em outros. Na Índia, por exemplo, 84% disseram receber notícias às vezes ou com frequência de jornais ou revistas impressas, enquanto no Brasil apenas 22% disseram que o faziam. Embora a mídia social tenha sido amplamente usada em todos os quatro países como fonte de notícias, os aplicativos de mensagens eram muito mais propensos a serem usados como fonte de notícias no Brasil (71%) e na Índia (82%), mas muito menos no Reino Unido (32%) e EUA (30%). (Arguedas et al, 2021, párr. 36).

A emergência do poder midiático alterou a configuração de forças em diversos locais do planeta, trazendo o imediatismo à vida cotidiana e transformando o indivíduo e seu papel diante dos grupos sociais. No Brasil, onde os meios digitais assumiram o protagonismo em diversas áreas, a população criou uma dependência de dispositivos móveis e o seu cotidiano está essencialmente vinculado à informação fornecida pelas plataformas. Neste contexto, é fundamental que os usuários sejam informados sobre os riscos de confiarem cegamente no que pregam as grandes corporações. Para elas, o interesse econômico quase sempre está acima dos direitos individuais.

6. Conclusão

Entre a necessidade de ter relevância, legitimidade, visibilidade ou simplesmente usufruir das inúmeras possibilidades que o mundo digital nos oferece, ficamos divididos entre fazer parte do jogo, assumindo o risco de compartilhar informações pessoais, ou ficarmos de fora do sistema e nos tornarmos invisíveis, irrelevantes digitalmente.

Talvez essa escolha individual também pudesse contar com o efetivo auxílio das leis e estruturas governamentais. Mas os Estados estão se tornando cada vez mais fracos e impotentes diante da força do mercado que utiliza inteligência estratégica e analítica voltada ao uso da informação com o objetivo de rentabilizar através do consumo.

Para José Van Dijck (2020, p. 15) os dados poderiam estar sujeitos às legislações de proteção à informação das nações onde são coletados. Além disso, o indivíduo também poderia escolher qual regime de informação utilizar: manter seus dados em sigilo, doa-los anonimamente ou colocá-los à disposição de determinada plataforma operacional.

Alguns países seguem normas e leis regulatórias dos meios digitais que tem como base o padrão adotado pela União Europeia. O Brasil é um deles e aprovou em 2021 a proposta de emeda constitucional da Lei Geral de Proteção de Dados que, entre ouros aspectos, tem como “objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (LGPD, 2021, párr. 1). Além disso, a proteção de dados se tornará uma cláusula pétrea, ou seja, que não poderá ser retirada da Constituição brasileira.

Entre as legislações internacionais regulatórias sobre o tema, também vale destacar o conjunto de normas que estão sendo avaliadas pela China e que versam sobre os algoritmos e diversas funções associadas à Inteligência Artificial e seus processos automatizados. A intenção da proposta seria restringir a influência das empresas gigantes da internet e exigiria “algoritmos para proteger os direitos dos trabalhadores e consumidores e proibiria o uso de algoritmos para manipular contas de usuários, tráfego online ou resultados de pesquisa”. (Yang, 2021, párr. 6)

A comunicação e a informação têm sido fontes fundamentais de poder e contrapoder, de dominação e mudança social. Isso acontece porque a batalha fundamental que ocorre na sociedade é a batalha sobre a mente das pessoas e “embora a coerção e o medo sejam fontes críticas para impor a vontade dos dominantes sobre os dominados, poucos sistemas institucionais podem durar muito se forem predominantemente calcados na repressão absoluta” (Castells, 2007, p. 1).

Dentro desse contexto a conscientização de como os nossos dados são usados e manipulados para criar tendências de consumo é fundamental. Saber como essa inteligência analítica pode nos influenciar é o primeiro passo para discutirmos sobre novos caminhos e ferramentas que normatizem o uso de informação de maneira mais clara ou determinem que tipo de compartilhamento de dados desejamos ou autorizamos.

Trata-se de uma discussão importante e que precisa ganhar corpo rapidamente, antes da impossibilidade de alterar os padrões de exploração já estabelecidos. É um tema que envolve a sociedade civil e requer pressão popular sobre os governantes. Por mais que estes agentes possam também estar envolvidos em esquemas obscuros, eles ainda são parte de um sistema de representatividade popular consolidado pela democracia liberal.

Rever esse sistema, adaptá-lo à realidade digital e fiscalizar o cumprimento das leis são passos importantes para aperfeiçoar a sociedade que queremos, com ainda mais liberdade, mas que seja capaz de resguardar as nossas informações ou nos dê a opção de escolher o que querermos fazer com elas.

7. Referências

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