DOI
10.15517/revenf.v0i40.42960
Cartão da gestante
como instrumento para continuidade da assistência à saúde: revisão integrativa
da literatura[1]
The card of the pregnant woman as an instrument for continuity of health
care: integrative review of the literature
La tarjeta de la
gestante como instrumento para continuidad de asistencia a la salud: revisión
integrativa de la literatura
Thaíse
Almeida Rodrigues[2],
Lena Maria Barros Fonseca[3],
Adriana Gomes Nogueira Ferreira[4],
Lívia Maia Pascoal[5],
Isaura Letícia Tavares Palmeira Rolim[6],
Mariana Morgana Sousa e Silva[7]
RESUMO
Objetivo: Analisar as
evidências científicas acerca da utilização do cartão da gestante na prática
clínica. Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, cuja
busca das produções ocorreu em abril de 2019, por meio da Biblioteca Virtual em
Saúde. Os critérios de inclusão foram: artigos originais, disponíveis na
íntegra e nos idiomas português, inglês ou espanhol. A busca resultou em um
total de 416 artigos, dos quais 8 foram selecionados para análise. Resultados:
Os artigos selecionados foram publicados entre 2004 e 2017. Todos apresentaram
abordagem quantitativa, foram publicados no idioma português, em revistas
eletrônicas nas áreas de Saúde Pública, Ginecologia e Obstetrícia, Enfermagem e
Ciências da Saúde. Da análise dos artigos emergiram três seções: qualidade dos
registros no cartão da gestante; concordância entre registros no cartão da
gestante, prontuário e recordatório materno; e uso do cartão pelas gestantes. Conclusão:
Constatou-se que o cartão da gestante vem sendo utilizado de maneira
insatisfatória, tendo em vista a incompletude e/ou ilegibilidade dos registros.
Descritores:
Assistência Pré-natal; Comunicação em Saúde; Continuidade da Assistência ao
Paciente; Gravidez.
ABSTRACT
Objective: Analyze the scientific evidence about the use of the pregnant woman's
card in clinical practice. Method: This is an integrative review, whose
literature search took place in April 2019, through the Virtual Health Library.
The inclusion criteria were: original articles, available in full and in
Portuguese, English or Spanish. The search resulted in a total of 416 articles,
of which 8 were selected for analysis. Results: The selected articles
were published between 2004 and 2017. All presented a quantitative approach,
were published in Portuguese, in electronic journals in the areas of Public
Health, Gynecology and Obstetrics, Nursing and Health Sciences. From the
analysis of the articles, three thematic axes emerged: quality of the records
on the pregnant woman's card; agreement between records on the pregnant woman's
card, medical record and maternal recall; and use of the card by pregnant
women. Conclusion: It was found that the pregnant woman's card has been
used in an unsatisfactory way, in view of the incompleteness and/or
illegibility of the records.
Descriptors: Continuity of Patient Care; Health Communication;
Pregnancy; Prenatal Care.
RESUMEN
Objetivo:
Analizar la evidencia científica sobre el uso de la tarjeta de gestante en la
práctica clínica. Método: Esta es una revisión integradora, cuya
búsqueda en la literatura tuvo lugar en abril de 2019, a través de la
Biblioteca Virtual en Salud. Los criterios de inclusión fueron: artículos
originales, disponibles íntegramente y en portugués, inglés o español. La
búsqueda resultó en un total de 416 artículos, de los cuales 8 fueron
seleccionados para análisis. Resultados: Los artículos seleccionados se
publicaron entre 2004 y 2017. Todos presentaron un enfoque cuantitativo, se
publicaron en portugués, en revistas electrónicas en las áreas de Salud
Pública, Ginecología y Obstetricia, Enfermería y Ciencias de la Salud. Del
análisis de los artículos surgieron tres ejes temáticos: calidad de los
registros en la tarjeta de la mujer embarazada; acuerdo entre los registros en
la tarjeta de la mujer embarazada, el registro médico y la memoria materna; y
uso de la tarjeta por mujeres embarazadas. Conclusión: Se constató que
la tarjeta de la mujer embarazada se ha utilizado de manera insatisfactoria, en
vista de la incompletitud y/o ilegibilidad de los registros.
Descriptores:
Atención Prenatal; Comunicación en Salud; Continuidad de la Atención al Paciente;
Embarazo.
INTRODUÇÃO
A
assistência pré-natal tem como objetivo garantir adequado desenvolvimento da
gestação, preservando a saúde materna e possibilitando o nascimento de um bebê
saudável. Para tanto, o Ministério da Saúde apresenta uma série de
recomendações a serem adotadas, abrangendo desde a avaliação pré-concepcional
até os cuidados pós-parto, além de orientar o planejamento, a organização dos
serviços e a programação das ações de cuidado às gestantes e puérperas1.
No
intuito de garantir um acompanhamento sistematizado, facilitar o fluxo de
informações entre as unidades de atenção à mulher durante o ciclo
gravídico-puerperal e permitir a seleção de dados para avaliação das ações dos
serviços, foram estabelecidos instrumentos de registro e estatística, os quais
incluem ficha perinatal, mapa de registro diário e cartão da gestante1.
O
cartão da gestante, instituído desde a década de 1980, consiste em um
instrumento que deve permanecer sempre com a gestante e conter os principais
dados de acompanhamento da gestação. Esse instrumento foi criado com a
finalidade principal de proporcionar vínculo entre os serviços ambulatoriais de
assistência ao pré-natal e os demais serviços de assistência à mulher na
gravidez, parto e puerpério2.
Em
sua concepção, o cartão da gestante apresentava na face interna uma síntese da
ficha perinatal e na face externa os dados de identificação, gráficos de altura
uterina e curva de peso por idade gestacional, mensagens educativas e espaço
para agendamento de consultas e exames3. Ao longo do tempo, algumas
reformulações foram realizadas, culminando com a publicação da caderneta da
gestante em 20144,5.
Essa
versão apresentou funcionalidade ampliada, na medida em que incluiu, além dos
elementos constituintes do cartão da gestante, um conjunto de informações,
orientações e procedimentos que até então não eram contemplados, tais como
desenvolvimento do bebê, dicas para uma gravidez saudável e espaços para
registros referentes à consulta odontológica, atividades educativas e visita à
maternidade4,5.
Em
2016, uma nova edição da caderneta da gestante foi publicada. Dentre as
atualizações dessa edição, foram inseridos espaços para registro de tratamento
de sífilis, vacina acelular contra difteria, tétano e coqueluche (dTpa), elaboração
de plano de parto e realização do pré-natal do parceiro, além de incluir
informações acerca da proteção contra o Aedes Aegypti, mosquito transmissor da
dengue, chikungunya e vírus zika6. Em edição mais recente, publicada
em 2018, os direitos da mulher referentes ao planejamento reprodutivo foram
reforçados, incluindo espaços para registros referentes à inserção do
dispositivo intrauterino (DIU) pós-parto7.
A
ausência de dados em algum momento do processo assistencial pode comprometer a
qualidade da assistência nas etapas subsequentes. Tal situação pode ocorrer,
por exemplo, quando o parto é realizado em serviço de saúde diferente daquele
onde foi realizado o pré-natal, fato comumente observado no Brasil, ou, quando
a assistência puerperal e neonatal é realizada em serviço distinto de onde
ocorreu o parto3.
Sendo
assim, o cartão da gestante foi instituído como um instrumento de registro
capaz de proporcionar conexão entre os serviços de saúde, facilitando o fluxo
de informações e a continuidade da assistência em qualquer unidade em que a
mulher seja atendida. Por meio desse instrumento, dados registrados
sistematicamente em cada consulta pré-natal poderão chegar ao conhecimento dos
profissionais que realizarem atendimento em outro serviço de saúde, em qualquer
nível de complexidade do sistema3.
Além
de sua função no sistema de referência e contrarreferência, o cartão da
gestante tem sido atualmente utilizado como ferramenta de avaliação dos
serviços de saúde, tendo em vista que a qualidade dos registros realizados pode
refletir a qualidade da assistência prestada8,9. Diante da
relevância desse instrumento para o acompanhamento ao longo do ciclo
gravídico-puerperal, o objetivo deste estudo foi analisar as evidências
científicas acerca da utilização do cartão da gestante na prática clínica.
MÉTODO
Trata-se
de uma revisão integrativa, método que consiste em uma síntese do conhecimento
existente sobre determinado assunto, por meio de busca criteriosa na
literatura. As etapas seguidas para o desenvolvimento desta revisão foram: 1)
formulação do problema; 2) busca na literatura; 3) avaliação; 4) análise dos
dados; e 5) apresentação10.
Uma
vez definido o tema, a seguinte pergunta foi elaborada para nortear a
realização do estudo: quais as evidências científicas acerca da utilização do
cartão da gestante na prática clínica? Os critérios de inclusão estabelecidos
para a seleção das publicações foram: artigos originais, disponíveis na
íntegra, nos idiomas português, inglês ou espanhol e que respondessem à
pergunta da pesquisa.
A
busca na literatura ocorreu em abril de 2019, por meio da Biblioteca Virtual em
Saúde (BVS), nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System
Online (MEDLINE) e Banco de Dados em Enfermagem (BDENF), utilizando o descritor
“pré-natal” combinado separadamente com as palavras-chave “registro de
informações”, “auditoria em saúde”, “caderneta da gestante” e “cartão da
gestante”, por meio do operador booleano AND.
A
busca resultou em um total de 416 artigos. Quando a leitura do título e resumo
não foi suficiente para averiguar a inclusão no estudo, realizou-se a leitura
na íntegra. Dos artigos encontrados, 22 responderam à pergunta da
pesquisa e foram selecionados para o estudo
(Quadro 1). Desses, foram excluídos artigos localizados em mais de uma base de
dados, sendo considerados somente uma vez, resultando em uma amostra de oito
artigos.
Quadro
1. Descrição do processo de seleção dos
artigos por Base de Dados, Brasil, 2019.
Descritor e
palavras-chave |
Artigos |
Base de
Dados |
Total |
||
LILACS |
MEDLINE |
BDENF |
|||
Pré-natal AND registro de informações |
Encontrados |
41 |
10 |
8 |
59 |
Selecionados |
5 |
2 |
1 |
8 |
|
Pré-natal AND auditoria em saúde |
Encontrados |
65 |
206 |
24 |
295 |
Selecionados |
3 |
1 |
0 |
4 |
|
Pré-natal AND caderneta da gestante |
Encontrados |
2 |
0 |
1 |
3 |
Selecionados |
0 |
0 |
0 |
0 |
|
Pré-natal AND cartão da gestante |
Encontrados |
45 |
3 |
11 |
59 |
Selecionados |
5 |
3 |
2 |
10 |
Fonte:
self made
A
extração dos dados ocorreu por meio de um instrumento pré-elaborado contendo
título, autoria, ano de publicação, objetivos, abordagem metodológica,
resultados e conclusões, os principais achados foram apresentados em um quadro
sinóptico e discutidos com base na literatura correlata. Da leitura dos artigos
emergiram três seções: qualidade dos registros no cartão da gestante;
concordância entre registros no cartão da gestante, prontuário e recordatório
materno; e uso do cartão pelas gestantes.
RESULTADOS
Os
oito artigos selecionados foram publicados entre os anos de 2004 e 2017,
destacando-se o ano de 2012, com três publicações. A totalidade dos artigos
apresentou abordagem quantitativa, foi publicada no idioma português, em
revistas eletrônicas nas áreas de Saúde Pública (3), Ginecologia e Obstetrícia
(2), Enfermagem (2) e Ciências da Saúde (1).
Nenhum
artigo abordou a caderneta da gestante, todos os estudos abrangeram aspectos
relacionados ao preenchimento do cartão da gestante e metade comparou os registros
efetuados no cartão com outras fontes de informação. No Quadro 2, os artigos
foram sintetizados e apresentados segundo título, objetivo, resultados e
conclusões.
Quadro
2
- Síntese dos artigos selecionados segundo título, objetivo, resultados e
conclusões, Brasil, 2019.
Título |
Resumo |
Análise dos registros nos
cartões de pré-natal como fonte de informação para a continuidade da
assistência à mulher no período gravídico-puerperal11 |
Objetivo:
Analisar
a qualidade das informações registradas nos cartões de pré-natal. Resultados:
43,0%
das puérperas portavam o cartão no momento da coleta de dados. Da análise dos
registros em cada consulta, o mais presente foi relacionado aos valores da
pressão arterial (89,0%) e o mais ausente foi relativo a edema de membros
inferiores (100,0%). Dos cartões analisados, 79,0% não continham dados sobre
doenças atuais ou preexistentes e 37,0% foram considerados com registros
ilegíveis. Conclusões:
Os
registros nos cartões da gestante não foram satisfatórios, não podendo
constituir fonte de informação para a assistência no clico
gravídico-puerperal. |
Concordância entre
informações do Cartão da Gestante e da memória materna sobre assistência
pré-natal12 |
Objetivo: Verificar a concordância
entre as informações prestadas por puérperas e as registradas no cartão da
gestante. Resultados: 97,2% das puérperas portavam
o cartão no momento da coleta de dados. Os níveis de concordância foram
predominantemente ruins (kappa <
0,20). Em variáveis relacionadas a exames diagnósticos, procedimentos
terapêuticos ou quadros patológicos, verificaram-se afirmações maternas que
não se confirmaram pelo cartão da gestante. Conclusões: Explicações de natureza
diversas podem estar relacionadas com níveis de concordância tão ruins, como
falhas na interlocução entre profissionais e usuárias, e negligências no
registro de doenças e exames clínico-laboratoriais no cartão da gestante. |
Discrepância entre o
informe verbal e os registros no cartão da gestante, um instrumento
negligenciado13 |
Objetivo:
Comparar
o preenchimento do cartão da gestante, como instrumento de intercomunicação
profissional, em serviço-escola e em outros serviços, e verificar a
concordância entre as informações verbais das puérperas e as registradas no
cartão da gestante. Resultados:
Houve
subutilização do cartão da gestante, tanto no serviço-escola quanto em outros
serviços. Foram menos valorizadas informações como nomograma de Rosso e curva
de crescimento fetal, com percentual inferior a 15,0%. Foram encontradas
discrepâncias significantes entre o informe verbal e os registros no cartão
da gestante. Conclusões:
Em todos
os serviços, houve predominância de registro de informações diretamente relacionadas
ao parto em detrimento das ações de natureza preventiva da assistência
pré-natal. |
O que os cartões de
pré-natal revelam sobre a assistência nos serviços do SUS da região
Metropolitana da Grande Vitória, Espírito Santo, Brasil?14 |
Objetivo: Avaliar a completude das
informações nos cartões de gestantes, segundo o tipo de serviços de saúde
pública. Resultados: De forma geral, o
preenchimento das informações nos cartões da gestante foi ruim (incompletude
> 20,0%). Os cartões da Estratégia Saúde da Família (ESF) apresentaram
nível de completude significativamente maior que os do Programa Agentes
Comunitários de Saúde (PACS) e das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Conclusões: Os serviços de assistência
pré-natal, avaliados por meio dos cartões da gestante, foram ruins ou muito
ruins. Contudo, a ESF apresentou níveis de qualidade um pouco melhor,
enquanto o PACS demonstrou os piores resultados. |
Concordância entre
informações do Cartão da Gestante e do recordatório materno entre puérperas
de uma cidade brasileira de médio porte15 |
Objetivo:
Avaliar
a concordância entre os dados do pré-natal da memória materna e do cartão da
gestante, e verificar a adequação do pré-natal. Resultados:
53,7%
das puérperas portavam o cartão no momento da coleta de dados. Informações
como o número de consultas e vacinação antitetânica apresentaram diferença
estatística entre os dados referidos pela mulher e os anotados no cartão. A
adequação do pré-natal a partir dos dados referidos foi de 23,9% e dos
anotados foi de 4,4%. Conclusões:
Além de
sub-registros nos cartões da gestante, pode ter ocorrido superestima das
puérperas em relação à realização de procedimentos, o que pode justificar as
discrepâncias encontradas. Além disso, o sub-registro no cartão da gestante
influenciou negativamente na avaliação da qualidade do pré-natal. |
Informações dos cartões de
gestantes e dos prontuários da atenção básica sobre assistência pré-natal2 |
Objetivo: Verificar a concordância
entre os registros no cartão da gestante e nos prontuários da Atenção Básica. Resultados: Os níveis de concordância
foram predominantemente moderados (kappa
= 0,4-0,6). Houve tendência de maior registro do número de consultas nos
cartões (McNemar = 22,3; valor p
< 0,01) e da suplementação com ácido fólico e sulfato ferroso nos
prontuários (McNemar = 70,8 e 69,8;
valor p < 0,01). Conclusões: Houve precariedade dos
registros nos prontuários da atenção básica, o que pode ser explicado por uma
resistência dos profissionais em registrar a mesma informação em dois
instrumentos distintos. |
Avaliação do grau de
completude do cartão da gestante de puérperas atendidas em um Hospital
Universitário16 |
Objetivo:
Avaliar
a completude do preenchimento do cartão da gestante de mulheres atendidas em
um Hospital Universitário. Resultados:
Foi
observado baixo índice de completude. 80,2% dos cartões tiveram completude
ruim, e nenhum excelente ou bom. A completude das dimensões Identificação,
Antecedentes e Ultrassonografia foi regular, e das dimensões Gravidez Atual e
Exames foi ruim. Conclusões:
Foi
verificado baixo índice de completude, indicando que procedimentos inerentes
à atenção pré-natal estão deixando de ser realizados e/ou registrados. |
Avaliação dos registros no
cartão de pré-natal da gestante17 |
Objetivo: Avaliar os registros realizados
pelos profissionais de saúde nos cartões das gestantes durante o pré-natal. Resultados: O preenchimento foi
considerado incompleto. Embora algumas variáveis tenham apresentado
preenchimento satisfatório, verificou-se inadequação do preenchimento de variáveis
como batimentos cardiofetais, edema, altura uterina e movimentos fetais,
entre outros. Conclusões: Os registros foram
realizados de forma insatisfatória e incompleta, prejudicando a continuidade
da assistência. |
DISCUSSÃO
Qualidade dos registros no cartão da gestante
Apesar
da reconhecida importância do cartão da gestante como ferramenta de
intercomunicação entre os serviços de atenção à mulher durante o período
gravídico-puerperal, estudos demonstraram a desvalorização quanto ao adequado
registro de informações pelos profissionais de saúde, o que pode comprometer a
continuidade da assistência, fazendo com que procedimentos benéficos à mãe e ao
bebê sejam negligenciados ou ocasionando repetições desnecessárias de
questionamentos e intervenções16,17.
Foi
evidenciado pela revisão que, embora alguns dados dos cartões da gestante
tenham apresentado preenchimento satisfatório, muitos dados importantes
apresentaram baixos níveis de completude, além da ilegibilidade de alguns
registros12,15,17,18. A ausência de informações registradas no
cartão da gestante pode indicar que determinados procedimentos não estão sendo
realizados ou, se realizados, não estão sendo registrados. Ademais, a
ilegibilidade dos registros pode ocasionar dificuldades de interpretação e
baixa confiabilidade11,14.
Estudo
realizado com o objetivo de avaliar a qualidade das informações registradas no
cartão da gestante verificou que os registros mais ausentes foram referentes ao
edema de membros inferiores e exame parasitológico de fezes. O estudo
identificou, ainda, que 79,0% dos cartões da gestante não apresentavam
registros de doenças preexistentes ou doenças da gravidez atual, 58,0% não
havia dados sobre imunização e 37,0% foram considerados com registros
ilegíveis. Por meio dos resultados encontrados, os autores concluíram que os
registros não foram satisfatórios, não podendo constituir fonte de informação
para um adequado acompanhamento do ciclo gravídico-puerperal11.
Quanto
a completude de informações sobre assistência pré-natal nos cartões da
gestante, um dos estudos selecionados demonstrou preenchimento de informações
considerado ruim, sendo as informações provenientes da anamnese as menos
preenchidas, especialmente dados maternos e antecedentes obstétricos14.
De maneira semelhante, outra pesquisa evidenciou deficiência no preenchimento
de informações acerca dos antecedentes obstétricos e, ainda, inadequação do
preenchimento de variáveis como edema, batimentos cardiofetais, altura uterina
e movimentos fetais. Dessa forma, concluíram que os registros não foram
preenchidos satisfatoriamente, tendo em vista a incompletude dos mesmos,
prejudicando a continuidade da assistência prestada e demonstrando a
necessidade de valorização desse instrumento pelos profissionais de saúde17.
Resultados
semelhantes foram observados em hospital público de referência materno infantil
no interior de São Paulo. Entre a amostra de 327 cartões analisados, foi
identificado inadequação de registros em 139 (42,5%). A ausência de registros
relacionava-se principalmente à escolaridade (31,2%), intercorrências durante a
gestação, como hospitalizações (92,6%) e transfusões sanguíneas (81,9%), e
realização de exames, entre eles o exame das mamas (82,3%), pélvis (88,1%),
cérvix (89,3%), odontológico (89,6%), Papanicolau (65,4%), urocultura (75,8%),
protoparasitológico (68,8%) e sorologia para hepatite (56,0%), o que reforça a
necessidade de melhoria e sensibilização dos profissionais quanto à importância
do registro18.
Concordância entre registros no cartão da gestante,
prontuário e recordatório materno
Pesquisas
que avaliam a assistência pré-natal têm sido realizadas no país, entretanto, as
fontes para a obtenção de informações são variadas, incluindo o cartão da
gestante, o prontuário de acompanhamento pré-natal e entrevistas com puérperas,
ou ainda, a combinação de fontes13,14. Conjeturando que as
informações podem diferir de acordo com a fonte utilizada, estudos encontrados
nesta revisão apresentaram objetivo de verificar a concordância entre informações
provenientes do cartão da gestante com informações oriundas do prontuário ou do
recordatório materno2,12,13,15.
A
concordância entre informações no cartão da gestante e no prontuário da atenção
básica foi predominantemente moderada2. Estudos que verificaram a
concordância entre as informações no cartão da gestante e do recordatório
materno evidenciaram discrepâncias significativas, com níveis de concordância
predominantemente ruins. Contudo, os autores não evidenciaram onde estão as
inconsistências, se nos registros ou nos relatos, mas destacaram a ocorrência
de sub-registros e subutilização do cartão da gestante12,13,15.
Diante
dos resultados dos artigos selecionados, destaca-se que para a eficácia do uso
do cartão da gestante é indispensável o registro sistemático de informações em
cada consulta, proporcionando subsídios para avaliação da evolução da gravidez
e funcionando como um elo de comunicação entre os serviços de atenção à
gestação, parto e puerpério1. Sendo assim, os profissionais de saúde
que realizam a assistência pré-natal apresentam grande responsabilidade quanto
ao preenchimento de informações nessa ferramenta, sendo necessário registro
completo e legível, capaz de permitir adequada interpretação dos dados1,18,19.
Pesquisa realizada em Jundiaí-SP evidenciou
discordâncias semelhantes ao encontrado na revisão, quando observados os
registros da situação vacinal de mulheres grávidas presentes no cartão da
gestante e prontuário da unidade de saúde em que estas realizaram pré-natal.
Com amostra de 306 mulheres selecionadas, foram observados ausência de
registros em ambos os instrumentos. Contudo, o registro de imunização das
mulheres foi maior em prontuário da unidade de saúde, estando presente em 152
(49,6%) destes, em discrepância com o registro de apenas 41 (13,4%) cartões da
gestante. Além disso, o número de tipos de vacinas registados no prontuário da
unidade de saúde foi superior aos registrados no cartão da gestante,
evidenciando que, enquanto na unidade de saúde as vacinas de Tétano (45,7%),
Hepatite B (44,4%), Influenza (22,2%) e Tríplice Viral (31,7%) foram presentes,
no cartão da gestante apenas dois tipos de vacinas apareceram, a Tríplice Viral
(11,7%) e a Influenza (1,9%), confirmando a não conformidade de registros entre
os instrumentos20.
Uso do cartão pelas gestantes
Dentre
os artigos selecionados, observou-se que algumas gestantes não portavam o
cartão no momento da coleta de dados realizada após o parto, ainda na
maternidade11,12,15. A ausência do cartão na admissão para o parto
pode estar relacionada à desvalorização desse instrumento, perda, extravio,
esquecimento ou ao desconhecimento da importância de levá-lo para a maternidade12.
Por
outro lado, outro estudo refere que foram identificadas poucas mulheres sem o
cartão e esse achado foi atribuído ao fato de as mulheres perceberem o cartão
como forma de garantir atenção ao parto sem maiores intercorrências, entendendo
que as informações registradas são importantes, o que sugere valorização desse
instrumento. Apesar disso, por vezes o cartão é fornecido pelos profissionais
de saúde sem que a finalidade e as informações nele registradas sejam compartilhadas
com as gestantes12. Dessa forma, ao não compreender o propósito e a
importância dessa ferramenta, a guarda, o manuseio e o transporte podem ser
negligenciados.
Estudo
anterior, realizado com base de dados hospitalares de âmbito nacional,
demonstrou que cerca de 28,6% das gestantes da pesquisa não apresentaram cartão
na admissão para o parto e estas possuíam mais frequentemente idade acima de 35
anos, classe econômica mais elevada e realizaram pré-natal no serviço de saúde
privado21, podendo esta situação estar relacionada com o fato de o
mesmo profissional realizar a consulta pré-natal e a assistência ao parto22.
Contudo, é importante a utilização do cartão pela gestante, visto que o cartão
apresenta a função de proporcionar informações relacionadas à evolução da
gravidez em qualquer unidade onde a mesma seja atendida1.
CONCLUSÃO
Os
resultados desta revisão apontam que o cartão da gestante vem sendo utilizado
de maneira insatisfatória, tendo em vista a incompletude e/ou ilegibilidade dos
registros, o que dificulta a intercomunicação que deve proporcionar entre os
serviços de saúde. Além disso, conduz a questionamentos acerca da autenticidade
da utilização desse instrumento como fonte de dados para avaliação da qualidade
da assistência pré-natal.
Em
virtude da incompletude dos registros, torna-se basilar a realização de
pesquisas que investiguem os fatores que influenciam em sua subutilização, a
fim de propiciar intervenções oportunas. Sugere-se, ainda, a realização de
treinamento profissional, no intuito de contribuir para melhoria na qualidade
dos registros, favorecendo a intercomunicação e proporcionando subsídios para
avaliação da qualidade da assistência prestada. Somado a isso, cabe ressaltar a
necessidade de sensibilização das gestantes quanto à importância de conservação
do cartão e de sempre levarem consigo esse instrumento ao longo da gestação,
parto e puerpério.
Declaração de conflito de interesse
Os
autores declaram não haver conflito de interesse.
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[1] Data de recebimento: 16 de julho de 2020 Data de aceitação: 30 de outubro de 2020
[2] Enfermeira. FACIMP WYDEN. Brasil. E-mail: thaisealmeidaguimaraes@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2138-5934
[3] Enfermeira. Universidade Federal do Maranhão. Brasil. E-mail: lenabarrosf@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6499-1005
[4] Enfermeira. Universidade Federal do Maranhão. Brasil. E-mail: adrianagn2@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7107-1151
[5] Enfermeira. Universidade Federal do Maranhão. Brasil. E-mail: livia_mp@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0876-3996
[6] Enfermeira. Universidade
Federal do Maranhão. Brasil. E-mail: leticiaprolim@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8453-2543
[7] Enfermeira. Universidade
Federal do Maranhão. Brasil. E-mail: marianamorgana_s2@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8587-2788