DOI 10.15517/revenf.v0i40.44056
Perspectivas de
mulheres encarceradas sobre fatores de risco à infecção sexualmente
transmissível: estudo exploratório e qualitativo[1]
Perspectives of incarcerated women on risk factors for sexually transmitted
infection: exploratory and qualitative study
Perspectivas de
mujeres encarceladas sobre los factores de riesgo de infecciones de transmisión
sexual: estudio exploratorio y cualitativo
Iêda Araújo de Carvalho[2],
Poliana Roma Greve Nodari[3],
Jaminuam Aucê do Nascimento[4],
Thalise Yuri Hattori[5],
Ana Cláudia Pereira Terças-Trettel[6],
Vagner Ferreira do Nascimento[7]
RESUMO
Objetivo: conhecer a perspectiva de
mulheres encarceradas sobre os fatores de risco para infecções sexualmente
transmissíveis. Método: trata-se de um estudo exploratório e
qualitativo, realizado em uma emissora pública feminina do centro-norte de Mato
Grosso, Brasil, em novembro de 2019. A coleta de dados foi realizada por meio
de entrevista com 53 mulheres. Para a análise dos dados, foi utilizado o
software IRAMUTEQ versão 0.7, que apresenta gráficos de similaridade. Resultado:
os resultados mostram que existem fatores que extrapolam o âmbito dos recursos
individuais para o autocuidado, que dificultam ações preventivas, como as
condições arquitetônicas e as normas disciplinares na prisão. Essas
peculiaridades ambientais impõem outros fatores que aumentam o risco de
infecções sexualmente transmissíveis, como dificuldade para limpar roupas e uso
compartilhado do banheiro. Conclusão: Portanto, estratégias que unem as
necessidades dessas mulheres aos riscos inerentes e somadas à realidade prisional
se apresentam como uma forma favorável para que a prisão deixe de ser apenas um
espaço de recrudescimento e para que a guarda seja cumprida. a geração de novas
pessoas, com o resgate da dignidade. e consciência / condições para autocuidado
contra infecções e outros problemas de saúde.
Descritores: Doenças-Sexualmente-Transmissíveis;
Fatores-de-Risco; Prisões.
ABSTRACT
Objective:
to know the perspectives of incarcerated women on the risk factors for sexually
transmitted infections. Method: This is an exploratory and qualitative
study, carried out in a female public channel in the mid-north region of Mato
Grosso, Brazil, in November 2019. The data collection was carried out through
an interview with 53 women. For data analysis, IRAMUTEQ version 0.7 software
was used, which presents similarity graphs. Result: The results show
that there are factors that go beyond the scope of individual resources for
self-care, which hinder preventive actions, such as architectural conditions
and disciplinary rules in prison. These environmental peculiarities impose
other factors that increase the risk of sexually transmitted infections, such
as difficulty in cleaning clothes and shared use of the bathroom. Conclusion:
Therefore, strategies that unite the needs of these women with the inherent
risks and added to the prison reality are presented as a favorable way for the
prison to stop being only a space of recrudescence, and for custody to be
fulfilled. the generation of new people, with the recovery of dignity. and
awareness / conditions for self-care against infections and other health
problems.
Descriptors: Prisons; Risk-Factors; Sexually-Transmitted-Diseases.
RESUMEN
Objetivo: conocer las
perspectivas de las mujeres encarceladas sobre los factores de riesgo a las
infecciones de transmisión sexual. Metodo: Se trata de un estudio
exploratorio y cualitativo, realizado en una cadena pública femenina en la
región media norte de Mato Grosso, Brasil, en noviembre de 2019. La recolección
de datos se realizó a través de una entrevista a 53 mujeres. Para el análisis de
los datos se utilizó el software IRAMUTEQ versión 0.7, que presenta gráficos de
similitud. Resultado: Los resultados demuestran que existen factores que
van más allá del ámbito de los recursos individuales para el autocuidado, que
dificultan las acciones preventivas, como las condiciones arquitectónicas y las
normas disciplinarias en la prisión. Estas particularidades ambientales imponen
otros factores que aumentan el riesgo de infecciones de transmisión sexual,
como la dificultad para limpiar la ropa y el uso compartido del baño. Conclusión:
Por tanto, estrategias que unen las necesidades de estas mujeres con los
riesgos inherentes y sumadas a la realidad carcelaria se presentan como una vía
favorable para que la prisión deje de ser solo un espacio de recrudecimiento, y
para que la custodia se cumpla con la generación de nuevas personas, con la
recuperación de la dignidad. y conciencia / condiciones para el autocuidado
frente a infecciones y otros problemas de salud.
Descriptores: Enfermedades-de-Transmisión-Sexual; Factores-de-Riesgo; Prisiones.
INTRODUÇÃO
O cárcere foi pensado como um adestramento social
destinado a sujeitos que apresentaram condutas desviantes. Este apresenta como
a finalidade de tornar os sujeitos aptos para viver e retornar ao convívio
social, porém, muitas vezes, sem garantir condições dignas que promovam esta
recuperação. No tocante ao cárcere feminino, esta realidade se torna ainda mais
complexa devido aos reflexos do papel das mulheres na sociedade, com
julgamentos e cobrança de comportamentos¹.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil
é o quinto país com maior população prisional do mundo, com 773.151 pessoas
privadas de liberdade em todos os regimes. De 2017 para 2018, o crescimento
chegou a 2,97%. E do último semestre de 2018 para o primeiro de 2019 foi de
3,89%. Destes, cerca de 42 mil são mulheres².
No Brasil, a Política Nacional de Atenção às Mulheres
em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE)
foi criada em 2014, com o objetivo de garantir a humanização no cumprimento da
pena, o direito à saúde, segurança, alimentação, educação, trabalho, lazer,
assistência jurídica e demais direitos humanos. Esses direitos visam sobretudo
garantir a reinserção social e a qualidade de vida dessa população³.
Apesar disso, as condições de infraestrutura e
organização das instituições prisionais brasileiras não conseguem atender tal
política. Um exemplo dessa falta de infraestrutura, foi evidenciado em estudo
recente em Mato Grosso, ao verificar que 87,8% dessa população dividem cela com
até 15 mulheres, sem condições sanitárias, inclusive sem banho de sol, pela
restrição do espaço3. Essas características estruturais além de
violar aspectos da dignidade humana, expõe à inúmeros fatores de adoecimento.
Nesse ambiente, além da aglomeração, políticas não
inclusivas e falta de suporte institucional para assistir efetivamente essas
mulheres quanto às suas necessidades em saúde, há o risco ampliado de Infecções
Sexualmente Transmissíveis (IST), por exemplo, hepatites, sífilis e HIV/AIDS4,5.
Esse cenário, embora seja reconhecido há muitos anos no Brasil, há falta de
iniciativas para atenuar tais problemáticas, seja em relação às intervenções
quanto aos comportamentos sexuais dessas mulheres como no suprimento de
recursos para o autocuidado, acesso, acompanhamento e cuidado terapêutico
necessário1.
Ainda que a literatura atual retrate essa vulnerabilidade às mulheres
privadas de liberdade, tanto em âmbito nacional1-5 como
internacional6,7, a abordagem macro e predominantemente
epidemiológica dos estudos não indicam com clareza o lócus dentro da
instituição prisional que potencializa o risco de infecção, a partir da ótica
dessas mulheres8. À vista disso, teve como questão norteadora do
estudo: “Quais os fatores de risco à IST segundo as mulheres privadas de
liberdade?”. Para isso,
o objetivo do estudo foi identificar as perspectivas de mulheres encarceradas
sobre fatores de risco à IST.
Estudo exploratório e qualitativo, guiado pelo protocolo internacional Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).
Foi realizado em uma cadeia pública
feminina localizada na região médio Norte de Mato Grosso, Brasil, em novembro de
2019. A escolha dessa cadeia se deve a particularidade de ser referência para
inúmeros municípios deste Estado e não possuir equipe de saúde dentro da
instituição para atendimento à saúde das reeducandas.
As participantes respeitaram critérios de inclusão e
exclusão. Como critérios de inclusão, serem maiores de 18 anos, e como
exclusão, àquelas com tempo menor de três meses na instituição. A amostragem do
estudo foi do tipo censitária, incluindo todo o universo populacional de
mulheres encarceradas. Não houve nenhuma recusa na participação do estudo,
assim o mesmo quantitativo de internas da instituição, correspondeu a amostra
final do estudo (n=53).
A coleta de dados ocorreu durante um mutirão de
atividades de extensão e pesquisa, mas as entrevistas foram individuais em sala
multifuncional no ambiente prisional, por uma equipe do sexo feminino pré
treinada, utilizando instrumento principal (roteiro), e de forma complementar
dois instrumentos validados. Durante a entrevista, na sala ficou somente uma
pesquisadora e a participante, sem a presença de agente penitenciário. A
condução de toda entrevista foi dialogada, sem recursos de gravação ou
filmagens. O primeiro instrumento foi um roteiro com questões abertas
(perguntas sobre as circunstâncias que levavam ao risco de uma IST no cárcere,
seus impactos e como prevenir), elaborado pelos próprios pesquisadores e pré
testado antecipadamente com população semelhante, que não integraram este
estudo.
O segundo instrumento foi a escala para avaliar as
capacidades de autocuidado, Appraisal
of Self
Care Agency Scale (ASA-A) adotada
nesse estudo para identificar o nível de cuidados das participantes. Essa
escala foi criada por membros das faculdades de Enfermagem da
Universidade do Estado de Wayne (Estados Unidos da América) e da Universidade
de Limburger (Holanda) traduzida e validada no Brasil9, passando a
ser denominada Escala para Avaliar a Capacidade de Autocuidado (EACAC) possuindo 24
questões, classificando 24 a 40 = péssima; 41 a 56 = ruim; 57 a 72 = regular;
73 a 88 = boa; 89 a 104 = muito boa; e 105 a 120 = ótima.
O terceiro instrumento foi a Escala de Impulsividade
de Barratt, Barratt Impulsiveness Scale
(BIS 11), utilizada nesse estudo para identificar a ação/reação impulsiva
dessas mulheres na vivência do cárcere. Essa escala foi desenvolvida por Emest
S. Barratt em 1959 e traduzido para o português e validado no Brasil10.
A BIS 11 é composta por 30 perguntas auto preenchíveis, as quais em uma
pontuação total de 72 ou mais, classifica o indivíduo como altamente impulsivo,
pontuações entre 52 e 71 como limites normais de impulsividade, e pontuações
inferiores a 52 geralmente representam indivíduo extremamente controlado ou que
não cumpriu honestamente o questionário11. As entrevistas tiveram em
média, 20 minutos de duração.
Os dados gerados a partir das escalas (instrumento 2 e
3) foram organizados em planilhas do Microsoft Excel 2007, com análise e
apresentação descritiva. Para organização e análise dos dados textuais
(instrumento 1), utilizou-se o software IRAMUTEQ versão 0.7 Alpha 2 e R versão
3.2.3, com apresentação exclusivamente de gráficos de similitude. Optou-se por
essa análise, pois identifica as coocorrências entre as palavras do corpus textual e as indicações de
conexidade entre elas, que auxiliam na identificação do conteúdo.
Para garantir maior rigor e
confiabilidade desse estudo, empregou-se algumas técnicas. A credibilidade foi
garantida pelo debriefing entre os
pesquisadores do estudo, com experiência nesse contexto assistencial (ambiente
prisional), através de uma roda de conversa de 60 minutos, com manifestação e
discussão de todo o progresso do estudo, bem como avaliação crítica sobre
possíveis limitações. Para a confirmação dos resultados interpretados, os
pesquisadores retornaram para o ambiente prisional (contexto da pesquisa),
apresentando às participantes, por meio de roda de conversa de 45 minutos
(tempo fornecido pela direção da instituição), uma síntese dos achados, a fim
de verificar a congruência entre a interpretação dos pesquisadores e as
perspectivas reais das participantes. As participantes tiveram oportunidade em
verbalizar e/ou apresentar de forma escrita suas percepções sobre os resultados,
que foram lidas nesse mesmo momento, e confirmou a análise prévia dos
pesquisadores. Em seguida, os pesquisadores criaram uma descrição dessa
interação e apontamentos, em caderno de campo, a fim de facilitar a maior
compreensão e discussão dos achados do estudo.
Esse processo reforçou a
clareza dos principais temas que compreenderam o corpus do texto, e que originaram as duas categorias analíticas do
estudo, “Impactos
da infecção sexualmente transmissível e medidas de prevenção” e “Risco para saúde e exposição às infecções”.
Considerações éticas
Foram respeitados todos os aspectos éticos em pesquisa
de acordo com a Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS). A pesquisa teve início somente após a
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), sob número de CAAE:
50417815.8.0000.5166 e parecer 1.457.621. Todas as participantes, após estarem
cientes e concordarem em integrar a pesquisa, assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Participaram do estudo 53 mulheres, entre 19 e 54
anos. Em relação à saúde, a maioria classificou como boa (41,17%). Sabem o que
é uma IST (90,19%), ressaltando principalmente HIV/Aids, Sífilis e Gonorreia.
Ao serem questionadas sobre a ocorrência de IST em algum momento da vida,
referiram esse diagnóstico anterior ao ingresso no cárcere.
Na escala EACAC, verificou-se como boa (41,17%) a
capacidade de autocuidado dessas mulheres. E na escala BIS 11, apesar de ter
prevalecido limites normais de impulsividade, 43,13% foram classificadas como
altamente impulsivas.
Impactos da Infecção Sexualmente Transmissível e
Medidas de Prevenção
A totalidade de participantes afirmaram que uma IST pode trazer impactos na vida da pessoa, desde vergonha até a morte (Gráfico 1).
Gráfico 1. Gráfico de similitude das
narrativas, em resposta ao questionamento “Quais impactos uma IST pode trazer
na vida da pessoa infectada?”. 2019. Tangará da Serra - MT, Brasil.
Fonte:
Preparado pelos autores
Nas três grandes comunidades lexicais, o processo de
finitude esteve presente, com forte ligação entre “vontade” e “viver”, “não” e
“morrer”, “vida” e “acabar”. Tais impactos também foram mencionados no corpus
do texto, como insegurança, baixa autoestima e depressão.
O medo e os próprios impactos gerados frente às IST
reforçam estratégias de autocuidado (Gráfico 2).
Gráfico 2. Gráfico de
similitude das narrativas, em resposta ao questionamento “Como você faz para se
cuidar/prevenir uma IST aqui na prisão?”. 2019. Tangará da Serra - MT, Brasil.
Fonte:
Preparado pelos autores
Risco para Saúde e Exposição às Infecções
Em relação à interferência do ambiente prisional na saúde sexual, a maioria afirma relação
direta, tendo a dificuldade de higienização de suas roupas íntimas como
entrave e meio de exposição a infecções (Gráfico 3).
Gráfico 3. Gráfico de
similitude das narrativas, em resposta ao questionamento “Esse ambiente
prisional interfere na saúde sexual da mulher?”. 2019. Tangará da Serra - MT,
Brasil.
Fonte:
Preparado pelos autores
Houve forte ligação entre “não” e “roupa”, “não” e
“sol”, e outros elementos textuais com menor intensidade, mas que realçam as
primeiras correspondências. Esse cenário revela problemas de insalubridade,
principalmente quanto à umidade, ventilação e luminosidade natural.
Este contexto ambiental foi novamente narrado pelas
participantes no que se refere aos motivos que podem levar a contraírem o HIV
durante o aprisionamento (Gráfico 4).
Gráfico 4. Gráfico de similitude das
narrativas, em resposta ao questionamento “Nesse ambiente prisional pode
contrair o vírus HIV, por quais motivos?”. 2019. Tangará da Serra - MT, Brasil.
Fonte:
Preparado pelos autores
A correspondência lexical observada, na forte ligação de
“porque” e “banheiro”, além de indicar a causa e explicação dessa ocorrência,
reaponta para problemas que ultrapassam a esfera do autocuidado, e dificulta
ações de prevenção.
DISCUSSÃO
As mulheres que se encontram no cárcere estão
evidentemente em condição de maior vulnerabilidade, pela somatória de fatores
inerentes à adolescência12, fase adulta13 e
especificamente às condições de aprisionamento, o que torna um obstáculo em
relação ao autocuidado, principalmente aqueles ligados à saúde sexual14.
Assim como observado nos achados do presente estudo,
pesquisa em Tangará da Serra (MT) ressaltou que o diagnóstico de uma IST junto a este perfil de
mulheres gera reações diversas, quase sempre negativas. A nível individual,
inicialmente manifesta sensação de tristeza, insegurança a pensamentos de
desgoverno e desamparo, e no contexto coletivo, preconceito por amigos,
companheiros e familiares15. Esses sentimentos fragilizam o cuidado
íntimo e a disposição para a busca de assistência16.
Em Recife (PE), os maiores problemas percebidos por
essas mulheres na ocorrência de IST referiu-se a discriminação e rejeição
social, o que exacerba o medo em serem infectadas e em possível óbito, pelo
agravamento do estado de saúde17. No entanto, diferentemente do
presente estudo, no Piauí (BR) muitas delas ainda desconhecem os danos de uma
IST, em consequência possuem menos preocupação com as medidas de proteção e
prevenção, e seguem no obscurantismo18. Em outras realidades
prisionais, as mulheres relatam que já compartilharam espaços com pessoas com
IST, mas ainda possuem dúvidas sobre essas infecções19.
Nos centros de detenção brasileiros, apesar dos
dispositivos legais vigentes, nem sempre há oferta de atendimentos à saúde20.
Nessa circunstância, fatores de risco e condições agudas que poderiam ser
manejadas in loco, evoluem para
tratamentos em outros níveis de atenção à saúde7 que reforçam a
vulnerabilidade dessas mulheres21, entre outros aspectos, pela forma
de condução e acolhimento nos serviços extra muro, e na exposição à julgamentos
pela comunidade22.
Em relação à utilização de preservativos
no ambiente de cárcere, o baixo índice observado se relaciona ao perfil dessas
mulheres, que na maioria das vezes não possuem histórico de familiaridade com
essa prática anterior ao ingresso no sistema prisional, logo o exercício do
cuidado atual com a saúde sexual fica comprometido23. Outro possível
motivo se refere ao constrangimento na solicitação e descarte do preservativo,
pois em ambos momentos precisam dos agentes penitenciários. Assim, muitas delas
optam por não utilizarem. Apesar de constituir minorias nesses locais, há
estudos que revelam que algumas mulheres privadas de liberdade não utilizam
preservativos por possuírem relações sexuais homoafetivas18 e não
verificarem necessidade de proteção nestas relações1,23.
Além disso, a
precariedade no cárcere marcado pela superlotação, péssimas condições e a
desassistência dos profissionais acaba tornando o empenho para a promoção da
saúde sexual praticamente nulo24 pois não veem recursos suficientes
para reduzirem os riscos de infecção que estão expostas. Pesquisadores apontam ainda, que a realidade prisional, com
maior quantitativo de homens, reflete na inadequação de cuidados específicos
voltados para essas mulheres, mesmo em centro de detenção e presídios femininos25.
Todavia, a limpeza do ambiente, controle do espaço e a higienização corporal
são referidas como necessidades humanas básicas por essas mulheres, consequentemente
aspectos fundamentais para a vida no cárcere26.
Algumas
pesquisas indicam que a luminosidade, ventilação e umidade é um problema
persistente no interior das celas27,28,
assim como apontado pelas participantes deste estudo. Esses aspectos impedem a
secagem e higienização das roupas, e aumentam as chances de proliferação de
micro-organismos. Somado a isso, a disponibilidade de poucas peças para uso e a
exigência de uniforme obriga a lavagem contínua ou vários reuso, porém sem condições
para essa higiene, cumprir essa disciplina e exercer o cuidado com o corpo se
torna limitado, principalmente em tempos de pandemia, que a aglomeração e falta
de circulação de ar amplia as possibilidades de comprometimento da saúde29.
O
cuidado com as roupas, embora seja uma condição individual de cada reeducanda,
o compromisso e o envolvimento são coletivos, pois a arquitetura prisional
existente ao não considerar esses aspectos como determinantes para a garantia
do direito à saúde, expõe todas as mulheres ao risco de infecções30,31. Ainda
assim, os profissionais desse setor reforçam que mesmo o ambiente não estando
em condições adequadas, trabalham com investimentos para torná-lo com estrutura
básica ao cumprimento das penas e menores riscos de adoecimento32.
Na prisão, muitas
mulheres são vedadas de expressar toda sua feminilidade, e nesse sentido, no
corpo e através dele o controle institucional se estabelece(33), controle que nesse
estudo representa riscos e perda da dignidade, ao privar do mínimo existencial,
como a garantia de condições sanitárias.
Essa negação de direitos reapontam as instalações do
cárcere à maior vulnerabilidade para IST, particularmente HIV. Pesquisa
realizada em Mato Grosso do Sul (BR), identificou que embora haja percepção de
risco sobre este vírus dentro da prisão, há baixa adesão aos cuidados para
prevenção pelas reeducandas34. Isso, talvez seja reflexo do pouco conhecimento e
tabus em relação às formas de transmissão e tratamento de pessoas
soropositivas, já que muitas ainda não entendem que estão expostas nesse
ambiente35 e quando estão, normalmente faltam-lhes apoio, recursos e
assistência de qualidade.
Esse cenário, que parece ter função somente punitiva
por boa parcela da sociedade brasileira, fortalece a sensação de que adquirir
HIV e outras infecções fazem parte dessa trajetória de aprisionamento, o que
explica muitas vezes, o baixo investimento ou interesse em fornecer desde
materiais básicos de higiene às condições de acesso à saúde, implicando em um
autocuidado não eficaz36. Diante disso, uma estratégia para
minimizar e colaborar positivamente nesse ambiente é a parceria com unidades de
saúde da família para assistir essa clientela, pois essas equipes além de
apresentarem habilidade para trabalhar com populações mais vulneráveis,
conhecem a diversidade de perfis de saúde de mulheres que integram a comunidade37.
E nesse processo de trabalho, incluir práticas integrativas de cuidados mais
próximas da perspectiva cultural e comunitária dessas mulheres pode facilitar
as intervenções e reduzir o ônus para o serviço público38.
Como limitações deste estudo, destaca-se a estratégia
de coleta de dados, pois ocorreu durante um mutirão de ações, o que pode ter
restringido maior explanação das participantes. Para tanto, foi oportunizado
espaço para que as mulheres pudessem manifestar livremente suas inquietações e
dessem visibilidade aos seus enfrentamentos diários que causam risco à saúde,
especificamente exposição à IST.
CONCLUSÕES
As perspectivas das participantes do estudo apontaram
que os fatores de risco à IST no contexto prisional estão diretamente
relacionados às dimensões ambientais, especialmente as condições das celas, que
não cumprem com condições sanitárias e arquitetônicas satisfatórias.
Aparentemente, o comportamento sexual e o sexo desprotegido não são
compreendidos pelas participantes como as principais formas de exposição e
aquisição de uma IST nesse ambiente. Além disso, indicam que compartilhar com
diversas mulheres a cela, principalmente o banheiro, pode ampliar esses riscos.
Frente aos achados do estudo, estratégias que unam as
necessidades dessas mulheres com os riscos inerentes e acrescidos da realidade
prisional se apresentam como caminho favorável para que o cárcere deixe de ser
somente um espaço de recrudescimento, e que a custódia seja cumprida com
geração de novas pessoas, com resgate da dignidade e consciência/condições para
o autocuidado frente às IST e outros agravos em saúde. Para isso, ações em
saúde com rastreamento contínuo, avaliações clínicas e ginecológicas, exames
laboratoriais e testagens devem ser implementados, mas que não se restrinjam
somente a esfera biomédica, contemplando também medidas preventivas.
Nesse ínterim, a inclusão de equipes de saúde in loco é fundamental, podendo intervir
diretamente nos fatores de risco à IST, tanto para buscarem melhorias para
assistirem essas mulheres como no direcionamento de práticas de cuidado que não
demandem muitos recursos.
Declaração de conflito de interesse
Os autores declaram não haver conflito de interesses
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[1] Data de recepção: 1 de outubro de 2020 Data
de aceitação: 2 de dezembro de 2020
[2] Enfermeira. Bolsista de Iniciação Científica (PROBIC).
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Tangará da Serra-MT, Brasil.
Email: iedacarvalhoenf@outlook.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8981-4200
[3] Enfermeira. Mestre em Ambiente e Sistemas de Produção Agrícola.
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Cáceres-MT, Brasil. Email: polianaroma@unemat.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6526-4758
[4] Enfermeira. Mestre em Terapia Intensiva. Docente Assistente do
Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA). Goiânia-GO, Brasi. Email: jaminuam.nascimento@ceulp.edu.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5451-8046
[5] Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde. Docente Assistente da
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Departamento de Enfermagem.
Tangará da Serra-MT, Brasil. Email: thalisehattori@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4491-0375
[6] Enfermeira. Doutora em Medicina Tropical. Docente Adjunta da
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Campus Universitário de Tangará
da Serra. Cuiabá-MT, Brasil. Email: enfanacnp@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8761-3325
[7] Enfermeiro. Doutor em Bioética. Docente Adjunto da Universidade
do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Campus Universitário de Tangará da Serra.
Cuiabá-MT, Brasil. Email: vagnerschon@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3355-163X