Daniel Nery da Cruz
Jossel Borges Santos

Os limites da crítica de Arendt: Marx reduziu o homem ao animal laborans?

Resumo: O objeto de pesquisa deste artigo versa sobre a crítica que Arendt realiza em A Condição Humana a Karl Marx afirmando que em sua teoria há a redução do homem à dimensão trabalho, concebendo-o como um animal laborans ou um ente econômico em que a diferença humana em relação aos animais é, basicamente, a sua força de trabalho. Partindo dessa ótica, defenderemos neste estudo que em nenhum momento Max definiu o homem como um animal laborans tal como Arendt apontou. Escaparemos a essa redução, pois acreditamos que na obra de Marx é apresentada a atividade do trabalho como verdadeiramente humana e também produtora da história, isso significa que os homens, conscientes de sua força de trabalho, podem realizar a emancipação e elevar seu destino bem acima apenas das suas necessidades fisiológicas. Posicionaremos ainda na análise arendtiana que afirma não existir em Marx a distinção entre labor e trabalho, para isso pautaremos a reflexão na teoria do valor para melhor esclarecimento sobre a interpretação que a teórica realiza ao defender que a teoria marxiniana considera a emancipação social pela abolição do trabalho, ou seja, só haverá liberdade quando o trabalho deixar de existir.

Palavras-chave: Marx. Arendt. Animal laborans. Trabalho. Emancipação.

Abstract: This article deals with Arendt’s criticism of Karl Marx in The Human Condition, where she affirms that in the latter’s theory there is a reduction of human beings to their dimension of labor, hence conceiving them like an animal laborans or an economic entity in which the human difference in relation to animals is basically their work force. From this perspective, we will argue in this study that at no time did Max define man as an animal laborans as Arendt pointed out. We shall escape this reduction, for we believe that in Marx’s work the activity of labor is presented as truly human and also a producer of history. This means that humans, aware of their labor power, can achieve emancipation and raise their fate well above their bare physiological needs. We will also argue that there is no distinction in Arendt’s analysis between work and labor in Marx, for this we will base the reflection on the theory of value to better clarify the interpretation that the theoretical realizes in defending that the Marxian theory considers the social emancipation by the abolition of the that is, there will only be freedom when work ceases to exist.

Keywords: Marx. Arendt. Animal laborans. Labor. Emancipation.

1. Introdução

Considerando a máxima de Marx de que “todo trabalho é produtivo e improdutivo”, em A Condição Humana, Arendt reforça que a antiga distinção entre realização de tarefas servis, (que não deixam nada para atrás de si, ou seja, não produz) e o produzir coisas que durem e que possam ser acumuladas, perde seu valor. Arendt constata que do ponto de vista social, há uma identificação da sociedade moderna com o processo vital da humanidade. Segundo Arendt, na sociedade completamente socializada há o foco apenas na sustentação do processo vital pelo qual são orientadas as teorias de Marx. A angústia de Arendt se revela profunda ao afirmar que, com essa postura, a distinção entre labor e trabalho seria extinta completamente e todo trabalho se transformaria em labor, pois as coisas seriam balizadas não pela perspectiva do humano enquanto humano, mas pela perspectiva da força do trabalho, ou seja, pelas funções do processo vital.

Neste artigo apresentamos a crítica que Arendt em A Condição Humana realiza a Karl Marx afirmando que em sua teoria há a redução do homem à dimensão trabalho, concebendo-o como um animal laborans ou um ente econômico em que diferença humana em relação aos animais é, basicamente, a sua força de trabalho. Partindo dessa ótica, defenderemos nesta pesquisa que em nenhum momento Max definiu o homem como um animal laborans tal como Arendt apontou. Posicionaremos ainda na análise arendtiana que afirma não existir em Marx a distinção entre labor e trabalho, para isso pautaremos a reflexão na teoria do valor para melhor esclarecimento sobre a interpretação que a teórica realiza ao defender que a teoria marxiniana considera a emancipação social pela abolição do trabalho, ou seja, só haverá liberdade quando o trabalho deixar de existir.

Tendo como motivação inicial a primeira crítica identificada em A Condição Humana, que afirma não existir para Marx a distinção entre labor e trabalho, nossa reflexão permeará a partir das considerações da teoria do valor de Marx.

A partir da premissa que a liberdade era uma conquista, dependente da imposição da necessidade aos escravos, desse modo existia uma explícita desvalorização das atividades físicas para produção das necessidades. Arendt interpreta na obra de Marx a emancipação social pela abolição do trabalho, o que nos termos da sua interpretação coloca Marx na encruzilhada: a sociedade que tem como base a exploração caracteriza-se pela servidão produtiva e, por outro lado, o mundo da liberdade seria um mundo de trabalho improdutivo. Para Arendt, são contradições típicas dos autores que desprezaram as diferenças entre labor e trabalho. Seria preciso, nessa ótica, realizar a tarefa apresentando a diferenciação desses termos para emancipar verdadeiramente o homem para a liberdade.

As premissas apontadas pela autora sobre os juízos de Marx sobre a revolução, volta nossa atenção para a ideia de que a todo tempo, Marx anuncia em sua obra, que a revolução era definida por meio de fatores subjetivos. Os trabalhadores industriais, a partir da percepção consciente dos problemas subjacentes a fábrica e a disputa entre as classes socias são apontados como os legítimos agentes da mudança revolucionária.

A afirmação de Arendt, enxerga nas afirmações de Marx uma contradição, apontando a liberdade como improdutiva, na mesma medida que os homens se libertam do trabalho, parece um contra-senso. A leitura que fazemos leva à uma outra compreensão: a sociedade não pode prescindir da produção das necessidades, mas essa nova organização, mais avançada, pode reduzir o tempo gasto nesta produção, liberando os homens para uma produção mais diversificada, seja de produção material ou imaterial.

Arendt por sua vez, afirma que enquanto o animal laborans ocupar o domínio público, enquanto ele continuar de posse dele, não existirá um domínio verdadeiramente público, não haverá uma revolução, mas meramente um âmbito de atividades privadas.

O caminho percorrido pelo pensamento de Marx parece não ser o mesmo que Arendt aponta. O animal laborans, sob a ótica arendtiana, não foge do mundo, mas dele é expelido, pois está aprisionado na privatividade do seu próprio corpo.

A conclusão de Arendt é que o mundo produzido pelo homo faber, que estabelecia a permanência, estabilidade e durabilidade, foi substituído em benefício da abundância almejada pelo animal laborans. Pela nossa ótica escaparemos a essa redução, pois acreditamos que na obra de Marx é apresentada a atividade do trabalho como verdadeiramente humana e também produtora da história, isso significa que os homens, conscientes de sua força de trabalho, podem realizar a emancipação e elevar seu destino bem acima apenas das suas necessidades fisiológicas.

Nossa investigação percorre a problemática acima descrita entre os dois autores aqui explorados. Estamos cientes que não escaparemos de defrontar com questões cervicais: A emancipação do labor é real? A liberdade está submissa à necessidade? Segundo Arendt Marx percebeu esse problema, por isso ele insistiu quando afirmou que o objetivo da revolução não era a emancipação das classes trabalhadoras, mas a libertação do homem em relação ao trabalho. Isso para Arendt parece utópico e constitui o único elemento utópico no pensamento de Marx. Eis uma introdução do nosso objeto de estudo neste artigo.

2. Trabalho e valor

Em seu clássico, A Condição Humana, Arendt se propõe formular uma crítica severa à Marx, indicando-o como teórico do animal laborans e acusando-o de ter seguido o caminho idêntico de outros teóricos da modernidade, como Locke e Smith. Dessa forma, subtende-se que a subjetividade dos homens estaria restrita ao caráter fisiológico, de sobrevivência. Nesta perspectiva, valorizando o trabalho, condizente com toda inspiração humanista da época moderna, mas restrito as perspectivas de teorias que tomam como base a produtividade, como a ênfase principal do homem em sociedade.

Semelhante aos termos da filosofia antiga que justificava a escravidão, somente que nesta predominava uma atitude que desvalorizava o trabalho. A partir da premissa que a liberdade era uma conquista, dependente da imposição da necessidade aos escravos, desse modo existia uma explícita desvalorização das atividades físicas para produção das necessidades. A primeira crítica central que identificamos da autora, de A Condição Humana, é que não existe para Marx distinção entre labor e trabalho, portanto, deste ponto vamos interpelar a partir de considerações da teoria do valor de Marx. Mas, antes vejam precisamente os termos da crítica de Arendt:

Numa sociedade completamente “socializada”, cuja a única finalidade fosse a sustentação do processo vital- e este é o ideal, infelizmente um tanto utópico, que orienta as teorias de Marx a distinção entre labor e trabalho desapareceria completamente; todo trabalho tornar-se-ia labor, uma vez que todas as coisas seriam concebidas, não em sua qualidade mundana e objetiva, mas como resultado da força viva do labor, como funções do processo vital. (Arendt, 2016, .109-110)

A obra de Marx é marcada pelo método dialético, e ali sem sombra de dúvidas há influência de Hegel, onde dialogou intensamente com as obras do filósofo idealista, principalmente, na sua juventude. Entretanto, a teoria do valor de Marx é considerada plenamente desenvolvida, na década de 60, do século XIX, com a elaboração do livro O Capital. Nessa obra é muito possível que as intenções de uma crítica severa aos economistas clássicos tornaram evidentes certas premissas implícitas em seu pensamento, elas, de forma nenhuma foram apagadas, já que o autor de O Capital procurava mostrar o caráter reeificado das relações capitalistas.

Assim, para responder a Arendt começamos pelo O Capital, mas devemos alertar que não existe nenhum critério de prioridade entre as obras e formulações do autor alemão. Partiremos, é claro, do conjunto da obra, procurando compreender as razões ou injustiças, da autora, de A Condição Humana.

Em seu método, Marx partindo das determinações mais abstratas, investiga a mercadoria, na forma de uma abstração inicial, e componente concreto da sociedade produtora, como ponto de partida para explicitar as contradições mais flagrantes na sociedade capitalista. O caminho traçado por Marx tinha a ajuda da dialética materialista. O valor tinha como base uma unidade contraditória entre os elementos objetivos da produção (valor-de-troca), e os elementos subjetivos (valor-de-uso). Sendo que, sob a égide do capitalismo, a generalização das trocas faz com que a produção subjetiva, (a produção de qualidades) dos homens seja subsumida pela imposição das trocas, que ficam imanentemente definidas, definindo o nível das necessidades sociais.

No sistema de Marx, o impulso do valor, necessariamente, resulta em momentos de crise, que são conhecidos pelo grande potencial destruidor. A predominância do valor e subordinação do valor-de-uso, parece resultar em um sentimento pouco compreensível de destruição de recursos, em detrimento de necessidades sociais não satisfeitas. Para tanto, Marx procura definir que na base da sociedade do valor é preciso caracterizar as relações capital/trabalho, estas, por sua vez, historicamente definida por importantes conflitos da era moderna. Assim, para o autor a sociedade é fundada historicamente, e por outro lado, a sociedade que se reporta tem como base a exploração do trabalho. Portanto, fundado historicamente, o trabalho é definido a partir da era moderna como a destruição das sociedades pré-capitalistas (marcadas por novas relações de assalariamento, condições imprescindíveis para a lógica de expropriação do valor).

Na antiguidade, Aristóteles esboçou uma teoria do valor. Os limites de seu esboço era a sociedade marcada pela escravidão, assim, dessa forma o valor se resumia a troca de bens úteis. Para Marx, trata-se do desenvolvimento do valor ao ponto em que o dinheiro torna-se um fim em si mesmo. É verdade que na definição de valor de Marx, a ênfase no dispêndio de trabalho humano simples levou a inclinação de que o valor seja mero trabalho fisiológico. A abstração onde Marx trabalha a tese da igualdade dos trabalhos humanos, independente do caráter útil dos seus produtos, como já foi mencionada anteriormente, era muito mais uma abstração necessária para indicar a predominância de uma sociedade que tinha as relações sociais mediadas pela troca. Entretanto, valor é uma unidade de valor de troca e valor de uso, mas precisamente o caráter alienado da sociedade capitalista subordina a produção de utilidades para a produção de valores, na linguagem corrente ao lucro capitalista.

Esse movimento contraditório origina-se do duplo caráter do trabalho. Força produtiva é sempre, naturalmente, força produtiva de trabalho útil concreto, e determina, de fato, apenas o grau de eficácia de uma atividade produtiva adequada a um fim, num espaço de tempo dado. O trabalho útil torna-se, portanto, uma fonte mais rica ou mais pobre de produtos, em proporção direta ao aumento ou queda de sua força produtiva. Ao contrário, uma mudança na força produtiva não afeta, em si e para si, de modo algum o trabalho representado no valor. Como a força produtiva pertence a forma concreta útil do trabalho, já não pode esta, naturalmente, afetar o trabalho, tão logo faça-se abstração de sua forma concreta útil. O mesmo trabalho, proporciona, portanto, nos mesmos espaços de tempo, sempre a mesma grandeza de valor, qualquer que seja a mudança de força produtiva ...Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho concreto útil produz valores de uso. (Marx, 1987, 53-54)

Temos aí a exposição de Marx, onde os homens na produção em sociedade produzem produtos para troca, dotados de finalidades específicas. Na produção de valor, podemos observar um duplo caráter no trabalho dos homens: trabalho concreto responsável pela produção dos valores de uso; trabalho abstrato, dispêndio de trabalho humano, através deste podemos medir o valor de troca.

Em se tratando, da análise de valor presente no livro O Capital, a observação de Arendt sobre a quase ausência de uma distinção do trabalho qualificado parece acertada. Marx para significar o trabalho qualificado toma o conceito de trabalho complexo, tomando este como um múltiplo do primeiro, tendo como denominador comum, que trata-se de dispêndio de trabalho humano abstrato (valor) e forma social da produção capitalista.

O valor enquanto forma social é a maneira, predominantemente, empregada pela análise marxiana para explicitar a forma civilizatória do que o autor chamou de modo de produção capitalista. Se essa formação é historicamente determinada, na forma da ênfase acima, o seu estatuto social tem a característica de transformar as diversas conjuntaras do sistema, sem com isso abandonar os elos da relação predominante, ou seja, a relação capital/trabalho.

Para tanto, na obra de Marx, de uma forma geral, a abordagem da alienação se torna muita importante para a compreensão das formas sociais que prevalecem na sociedade capitalista.

Ao debater as formas de reeificação, procurava mostrar como os produtores diretos desaparecem com suas qualidades subjetivas, tornando transparente o caráter social da produção, na forma de troca de coisas. Eles apenas aparecem no intercâmbio dos produtos gerados pelo processo produtivo, enquanto proprietários privados. Desta forma, só enquanto produtores individuais privados os homens se tornam presentes na produção social, sendo a lógica capitalista, par excellence, o império das coisas. A lógica do valor, portanto, coisifica os homens. E esse destaqu das coisas é uma forma social de dominação. Nestes termos, a discussão da alienação presente ali está diretamente associada ao trabalho. Sendo assim, o trabalho humano igual ou trabalho abstrato é, necessariamente, trabalho alienado, e enquanto tal um dos pressupostos aos planos de expansão capitalista, através do lucro em progressão. Nossa lógica aponta que a obra de Marx, longe de louvar o trabalho na forma de animal laborans, reporta-se segundo a dialética marxiana como método de uma forte crítica a exploração do trabalho e a reificação presente nas relações capitalistas. Talvez, inaugurando aquele tipo de crítica onde se imiscuem posição política do autor, com atributos acadêmicos.

A economia política analisou, de fato, embora de maneira incompleta, valor e sua magnitude, e descobriu o conteúdo que ocultam., se perguntou que ocultam esse conteúdo assume aquela forma, por que, portanto, o trabalho é representado pelo valor do produto de trabalho e a duração do tempo de trabalho pela magnitude desse valor. Fórmulas que pertencem, claramente, a uma formação social em que o processo de produção domina os homens, e não os homens o processo de produção,, são consideradas pela consciência burguesa uma necessidade tão natural quanto o próprio trabalho produtivo. (Marx, 1987, .89-90)

Por outro lado, na leitura de Arendt, encontra-se nitidamente a expressão que Marx buscava fundar a humanidade dos homens no trabalho, identificando, desse modo, como o clímax entre os autores teóricos do animal laborans.

A súbita e espetacular ascensão do trabalho, da mais baixa e desprezível na mais alta categoria, como a mais estimada de todas as atividades humanas, começou quando Locke descobriu que o trabalho é a fonte de toda propriedade. Prosseguiu quando Smith afirmou que o trabalho era fonte de toda riqueza e atingiu o clímax no “sistema de trabalho” de Marx, no qual o trabalho passou a ser a fonte de toda produtividade e a expressão da própria humanidade do homem. (Arendt, 2016, .124)

Na citação acima podemos observar como Arendt, sem sombra de dúvidas, enumera, Locke, Smith e Marx, respectivamente, como autores modernos que valorizam o trabalho, mas na classificação proposta, Marx se destacava como único que, de fato, indicava o homem como agente de uma via civilizatória e de humanização.

Arendt, ao criticar Karl Marx, esclarece a distinção entre labor e trabalho. Segundo seu ponto de vista, essa distinção passou despercebida na história pelos pensadores (inclusive Marx) que dialogaram sobre o tema. Aparecem observações esporádicas, entretanto elas “não chegaram a ser desenvolvidas nas teorias de seus autores, quase nada existe para corroborá-la na tradição pré-moderna do pensamento político ou no vasto corpo das modernas teorias do trabalho” (Arendt, 2007, 90).

Mesmo com a pouca constatação de provas históricas, as línguas europeias, tanto as antigas quanto as modernas, recorrem a duas palavras de etimologias distintas para designar uma mesma atividade. Nessa esteira, Arendt direciona-se na distinção que Locke faz entre “as mãos que trabalham e o corpo que labora” (Arendt, 2007, 90). Essa direção leva à distinção grega entre o artífice e os que atendem às necessidades do corpo. O certo é que mesmo na antiguidade não era clara a distinção entre trabalho e labor, não havia uma preocupação e por isso não foi examinada. Mas por que essa distinção permaneceu ignorada? Esse desprezo é resultado da luta do homem contra a atividade que garante a necessidade da vida, o labor. Não há interesse nem paciência ao esforço de um lado e por outro, cada vez mais aumenta o tempo e o interesse do cidadão pela polis e a sua atividade política.1

Os artesãos eram chamados de banansoi, ou seja, homens que só tinham como preocupação a sua ocupação e não a coisa pública. Arendt ressalta que somente a partir do século V. a. C é que na polis há a classificação das ocupações de acordo com a quantidade de esforço. Aristóteles, por sua vez, considerava mesquinhos os que se ocupavam dos ofícios que desgastavam o corpo, porém mesmo recusando-lhes cidadania, incluiu pastores e pintores na esfera pública, excluindo os camponeses e escultores.

Arendt chama atenção para a opinião de que ambos, o labor e o trabalho, eram vistos com desdém pela antiguidade pelo fato de apenas os escravos exercerem essas atividades. Isso é um preconceito dos historiadores modernos. Os antigos pensavam que era necessário ter escravos porque a própria vida exige isso da natureza.

Laborar significava ser escravizado pela necessidade, escravidão está inerente às condições da vida humana. Pelo fato de serem sujeitos às necessidades da vida, os homens só podiam conquistar a liberdade subjugando outros que eles, à força, submetiam à necessidade. A degradação do escravo era um rude golpe do destino, um fado pior que a morte, por implicar a transformação do homem em algo semelhante a um animal doméstico. Assim, qualquer alteração na condição do escravo, como alforria, ou qualquer mudança de circunstâncias políticas gerais que elevasse certas ocupações a um nível de relevância pública, significava uma mudança na natureza do escravo. (Arendt, 2007, 94-95)

A instituição da escravidão antiga não era fundamentada como na modernidade, na mão de obra barata. O objetivo era excluir o labor da esfera do humano. Mas o que mais importa em nossa avaliação, pela ótica arendtiana, é que a distinção entre trabalho e labor foi ignorada na antiguidade. Havia então uma distinção, do lar doméstico e da esfera pública. Arendt reforça ainda que, mesmo com o advento da teoria política, as distinções entre púbico e privado não foram devidamente enfatizadas. Também a ocupação política foi rebaixada à necessidade e esta passou a ser o denominador comum das manifestações da vita activa. Ela descarta o auxílio do pensamento político cristão que permanece na mesma linha de distinção realizada pelos filósofos. Uma das biógrafas de Arendt argumenta que:

H. Arendt se mostrava às vezes tão desesperada com o século XX, onde a obsessão com o trabalho e a produtividade parecem ter amiúde deixado ao homem –como diz ela– a desalentadora opção entre escravidão produtiva e liberdade improdutiva, e onde até mesmo o artesão desapareceu quase inteiramente de cena sob o impacto da produção em massa. (May, 1988, 75)

Com os modernos, há uma inversão de posição, em que ação e contemplação são modificadas em sua valoração. O trabalho (labor) é glorificado e o animal laborans é promovido à posição ocupada anteriormente pelo animal rationale. Apesar dessas inversões, surpreende Arendt o fato de a modernidade não produzir uma teoria que distinga com clareza o animal laborans do homo faber, ou seja, entre o labor e o trabalho. O que encontramos é a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo, qualificado e não - qualificado e trabalho manual e intelectual. Entre estas distinções, Arendt considera que somente a estabelecida entre trabalho produtivo e improdutivo aprofunda a questão. Por esse motivo Adam Smith e Karl Marx vão fundamentar suas pesquisas, como afirma Arendt que “é a noção aparentemente blasfema de Marx de que o trabalho (e não Deus) criou o homem, ou de que o trabalho (e não a razão) distingue o homem dos outros animais, era apenas a formulação mais radical e coerente de algo com que toda a era moderna concordava” (Arendt, 2007, 96-97). Ambos, Marx e Smith, estavam de acordo com o menosprezo pelo trabalho improdutivo, pois era uma perversão denominar como trabalho uma atividade que era indigna desse nome. O trabalho deve ser uma atividade que tem como finalidade enriquecer o mundo.

Arendt observa ser possível que Marx compartilhasse do desprezo que Smith tinha para com os criados, considerados como convivas ociosos que não contribuíam com nada em troca do seu consumo. Porém, é interessante analisar que na antiguidade o trabalho era identificado com a escravidão tendo em consideração os criados servis, ou caseiros (oiketai) que trabalhavam pela mera subsistência. Ou seja, eles não trabalhavam para produção e a contribuição, o que eles deixavam em troca do seu consumo era a liberdade.

Desse modo, a distinção entre trabalho improdutivo e produtivo tem mais proximidade com a distinção entre labor e trabalho. Para Arendt, é típico do labor não deixar nada atrás de si, em que o resultado do trabalho é consumido de forma rápida. Não é sem motivo que na modernidade houvesse um entusiasmo e um fascínio pela produção, nunca antes vistos pela humanidade. A tendência era, então, “encarar todo labor como trabalho e falar do animal laborans em termos muito mais adequados ao homo faber, como a esperar que restasse apenas um passo para eliminar totalmente o labor e a necessidade” (Arendt, 2007, 98).

É perceptível então que o labor foi emancipado, saindo do anonimato e ganhando visibilidade na esfera pública. A percepção que Karl Marx tem sobre a atividade do trabalho (labor) é que ele tem uma independência de circunstâncias históricas e sua atuação na esfera pública contem produtividade própria, mesmo que seus produtos sejam fúteis e efêmeros, ou seja, de pouca duração. Arendt enfoca que essa produtividade não reside nos produtos do labor, mas na força do homem. Essa força não se esvai depois que ela produz os produtos necessários à subsistência, há sempre um excedente, e é esse excedente que Marx procura entender, pois ele constata que o operário produz mais que o necessário para sua sobrevivência, quer dizer, ele tem capacidade de produzir um excedente de força de trabalho humano. A produtividade é explicada não pelo trabalho, mas pelo excedente de força do trabalho. Sendo esse termo introduzido por Marx como epicentro do desenvolvimento de sua análise econômica, Arendt ressalta o que Engels observa sobre o assunto a ponto de dizer que, a partir desse conceito, Marx deu mais originalidade ao seu pensamento e ao seu sistema. De um lado temos, então, a produtividade do trabalho, que sempre introduz novos objetos; de outro, a produtividade do labor, que se limita apenas a produzir objetos, pois sua intenção está direcionada para manutenção da própria reprodução. Importante observar que, como sua força não é escassa, após produzir o que necessita para a sua manutenção, ela é usada para a reprodução de mais de um processo vital, porém, nunca produzirá outra coisa senão vida.

Dada a existência do indivíduo, a produção da força de trabalho consiste em sua manutenção ou reprodução. Para manter-se, precisa o indivíduo de certa soma de meios de subsistência. O tempo de trabalho necessário à produção da força de trabalho reduz-se, portanto, ao tempo de trabalho necessário à produção desses meios de subsistência, ou o valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência necessários à manutenção de seu possuidor. A força de trabalho só se torna realidade com seu exercício, só se põe em ação no trabalho. Através da sua ação, o trabalho, despende-se determinada quantidade de músculos, de nervos, de cérebro etc., que se tem de renovar. Ao aumentar esse dispêndio, torna-se necessário aumentar a remuneração. Depois de ter trabalhado hoje, é mister que o proprietário da força de trabalho possa repetir amanhã a mesma atividade, sob as mesmas condições de força e saúde. A soma dos meios de subsistência deve ser, portanto, suficiente para mantê-lo no nível de vida normal do trabalhador. (Marx, 2008, 197)

Disso podemos inferir que os trabalhadores em seu trabalho não recebem, pelo valor da produção dos produtos, mas apenas aquilo que é suficiente para sua manutenção. Ainda, “mediante violenta opressão numa sociedade de escravos, ou mediante a exploração na sociedade capitalista da época de Marx, pode ser canalizada de tal forma que o labor de alguns é bastante para a vida de todos” (Arendt, 2007, 99).

Será esse realmente o ponto de vista da era moderna? Para Arendt sim, daí o seu interesse nos estudos de Marx, pois a vida é o elemento central dessa constatação, e é precisamente isso que em A Condição Humana é avaliado. O desenvolvimento de sua filosofia política parte também dessa base marxista do trabalho, porém, entenderemos que há pontos de concordância e de discordâncias na obra de Arendt sobre as ideias de Marx. Veremos quais no decorrer desta reflexão. “Marx –sempre, segundo Arendt praticamente reduz o homem à dimensão trabalho, concebe o homem como um animal laborans: como um ente econômico cujo diferencial em relação aos animais é, basicamente, a sua força de trabalho (labor power)” (Dantas, 2013, p. 05).

Considerando a máxima de Marx de que “todo trabalho é produtivo e improdutivo”. Com essa nova consciência, aquela antiga distinção entre realização de tarefas servis, (que não deixam nada para atrás de si, ou seja, não produz) e o produzir coisas que durem e que possam ser acumuladas, perde seu valor. Com essa nova formatação, Arendt pode constatar do ponto de vista social, ou seja, com a ideia de sociedade moderna que há uma identificação desta com o processo vital da humanidade. Segundo Arendt, é nessa sociedade completamente socializada, que tem como foco apenas a sustentação do processo vital, que tem como ideal, infelizmente utópico, para o qual são orientadas as teorias de Marx. Eis aqui já evidente sua postura diante da configuração desta constatação. E isso parece angustiar Arendt ao afirmar que, com essa postura, a distinção entre labor e trabalho seria extinta completamente e todo trabalho se transformaria em labor, pois as coisas seriam balizadas não pela perspectiva do humano enquanto humano (qualidade humana e objetiva), mas pela perspectiva da força do trabalho, ou seja, pelas funções do processo vital.2

3. O homem e o trabalho

Ainda que adepto da teoria do valor do trabalho, Marx, sobretudo, foi um crítico dos economistas clássicos. Assim, distintamente, dos clássicos que em seus apontamentos se referiam ao trabalho como uma categoria específica, seus apontamentos amadureceram para o conceito de força de trabalho. Tal conceito é bem condizente com uma noção presente em toda sua elaboração teórica, ou seja, o conceito de reificação. A importante distinção de seu conceito seria buscar as relações com o trabalho, em particular, na compreensão reeificada das relações capitalistas. A força de trabalho é a necessária coisificação dos homens, que têm sua existência e, humanidade, portanto, tutelada a forma mercadoria. Os homens só aparecem no processo produtivo enquanto coisas, da mesma forma que são apropriados pelos capitalistas para o consumo produtivo, e consequente produção de excedente.

Na unidade contraditória que se reportava Marx na construção de sua teoria do valor, o consumo e todos os demais requisitos para a existência não são alcançavéis, independentemente, do mundo das trocas. Mercadoria e dinheiro se fundem, de forma indistinta, portanto Marx não é o teórico do consumismo. Se formos seguir os desenvolvimentos do autor veremos que é, precisamente, o contrário, o desenvolvimento capitalista empurra uma parcela crescente da humanidade para a miséria social.

Na mesma medida, que Marx define o processo de trabalho como uma ação do homem mediando o metabolismo com a natureza certamente ele caracteriza o trabalho produtivo, onde a força de trabalho, nas mãos do capitalista, é consumida no processo, juntamente com os objetos de trabalho necessários para a produção de mercadorias ou produtos do trabalho humano. Ainda que, os animais fossem capazes de produzir grandes obras, o que diferencia os homens frente a melhor obra dos animais é a capacidade de racionalização.

O jovem Marx, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, advertia distintamente deste enlace entre os homens e a natureza. Ainda, chamava atenção como no processo de produção resultava a produção dos próprios homens. Entretanto, chamava atenção para a desumanização adivinda com a objetivação do trabalho humano em produtos, como esta acarretava uma extoriarização do homem com natureza e consigo mesmo. O que, naquele momento, chamou de estranhamento, mas as semelhanças com a coisificação dos homens presente na categoria do fetichismo não são fortuitas.

O homem não pode se reconhecer no trabalho compulsório, alienado, daí a percepção de este na medida que arrebatado de suas mãos, na forma de produto do trabalho, e, por conseguinte, apropriado pelo capital, dá lugar ao estranhamento.

O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisa, é a objetivação do trabalho. A efetivação do trabalho é a sua objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-econômico como desefetivação do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento, como alienação. (Marx, 2004, .80)

Desfeito o quipropó, quanto uma suposta humanização do homem através do trabalho realizada pelas formulações teóricas de Marx, podemos seguir uma outra dedução importante posta pela autora de A Condição Humana. Arendt interpreta na obra de Marx a emancipação social pela abolição do trabalho, o que nos termos da sua interpretação coloca Marx na seguinte encruzilhada: a sociedade que tem como base a exploração caracteriza-se pelo servidão produtiva e, por outro lado, o mundo da liberdade seria um mundo de trabalho improdutivo. Para Arendt, são contradições típicas dos autores que desprezaram as diferenças entre labor e trabalho.

A atitude de Marx em relação ao trabalho, em relação ao próprio foco de seu pensamento, nunca deixou de ser equívoca. Embora o trabalho fosse “uma eterna necessidade imposta pela natureza” e a mais humana e produtiva das atividades do homem, a revolução segundo Marx, não tinha a tarefa de emancipar as classes trabalhadoras, mas emancipar o homem do trabalho (...). (Arendt, 2016, 128)

As premissas apontadas pela autora sobre os juízos de Marx sobre a revolução, volta nossa atenção para a seguinte ideia. A todo tempo, Marx anuncia em sua obra, que a revolução era definida por meio de fatores subjetivos. Os trabalhadores industriais, a partir da percepção consciente dos problemas subjacentes a fábrica e a disputa entre as classes socias são apontados como os legítimos agentes da mudança revolucionária.

Já no que tange uma discussão sobre liberdade em Marx, precisaríamos buscar as referências em vários textos, que se encontram dispersos em sua obra. A partir de uma análise sobre propriedade privada e comunismo, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, podemos encontrar um debate sobre liberdade. Naquele momento, pode-se traduzir que a emancipação dos homens tem a ver com a supressão da propriedade. A forma da propriedade privada, nos termos marxianos, é responsável por estranhamento dos homens com a natureza e consigo mesmo. Da mesma forma, Marx faz seu juízo de fé que o comunismo seria a solução de conflitos importantes: existência e essência; liberdade e necessidade; indivíduo e gênero.

O comunismo na condição de supra-sunção positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem para si enquanto homem social, isto é, humano. Este comunismo, é enquanto naturalismo. Ele é a verdadeira dissolução do antagonismo do homem com a natureza e com o homem; a verdadeira resolução do conflito entre existência e essência, entre objetivação e auto-confirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e gênero. (Marx, 2004, .105)

Outra passagem rápida sobre uma percepção de liberdade podemos encontrar na Crítica ao Programa de Gotha, naquele momento percebemos a análise detalhada de Marx ao Programa do Partido Operário Alemão. As diretrizes programáticas do partido indicavam uma forte influência de Lassalle.

Em resposta as hipotéticas desigualdades entre os trabalhadores, Marx pressupõe que em um primeiro estágio de transformação socialista os direitos não poderiam ser iguais, seguindo a herança do direito burguês que concebe a igualdade por meio da posse. Então, resume o pre-requisito da sociedade comunista, atribuindo para este estágio o pleno desenvolvimento dos indivíduos. “De cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas necessidades.”

Dessa forma, mesmo no comunismo não percebemos uma homogeneização da sociedade, ou dos homens, as distintas habilidades dos indivíduos devem ser contempladas. Por outro lado, tratava-se de romper com as amarras da sociedade do valor e assegurar as necessidades para o conjunto da sociedade.

Nos Grundrisse, podemos seguir os debates sobre dominação social dos homens, não em decorrência ao trabalho, mas em virtude das formas de alienação. Um longo capítulo sobre dinheiro indica como, a assim chamada riqueza universal remete todas as relações sociais em coisas, tornando intangível que as pessoas exerçam controle, pleno, sobre a produção social.

A troca universal de atividades e produtos, que deveio condição vital para todo indivíduo singular, sua conexão recíproca, aparece para eles mesmos como algo estranho, autônomo, como uma coisa. No valor de troca, a conexão social entre as pessoas é transformada em um comportamento social das coisas; o poder [Vermögen] pessoal, em poder coisificado. (Marx, 2011, 105)

Assim, a lógica do trabalho abstrato que nos referimos acima, sem sombra de dúvida, é a lógica do dinheiro, por natureza opressora para homens. Portanto, aqui pode-se indicar que nos indícios de romper com a ditadura do tempo excedente, percebe-se explicita ou implicitamente uma premissa favorável a emancipação dos trabalhadores. Na passagem abaixo, vejamos como a ideia de maior tempo livre coaduna com uma maior diversificação na vida dos homens:

Pressuposta a produção coletiva, a determinação do tempo permanece naturalmente essencial. Quanto menos tempo a sociedade precisa para produzir trigo, gado, etc. Tanto mais tempo ganha para outras produções, materiais ou espirituais. Da mesma maneira que para um indivíduo singular, a universalidade de seu desenvolvimento, de seu prazer e de sua atividade, depende da economia de tempo (Marx, 2011, 119)

A sociedade capitalista, portanto, fundada no trabalho assalariado, não pode ser equiparada com as sociedades pré-capitalistas caracterizadas, quase em sua maioria por alguma forma de coação. Desse modo, é passível de interrogação falar de servidão no capitalismo. O que sugere o sistema marxiano é o fato do trabalho livre funcionar como uma fonte de produção de riqueza, nas mãos dos donos dos meios de produção, de maior grandeza que as demais épocas históricas.

Então, seria correto afirmar, que no conjunto de sua obra, Marx persistiu com a ideia de eleger os trabalhadores como sujeitos históricos da revolução. Sendo assim, tomou como tarefa crítica aos mecanismos de dominação da sociedade capitalista. E um dos pontos fortes da crítica, a reeificação das relações sociais, trata-se deste embrutecimento causado por uma sociedade que não pode por um instante escapar das determinações do mercado e do dinheiro.

Como já frisamos, a libertação passa necessariamente por um estágio onde sob a égide de uma produção mais coletivizada, os homens exerçam controle sobre o processo produtivo. A afirmação de Arendt, que busca nas afirmações de Marx uma contradição, apontando a liberdade como improdutiva, na mesma medida que os homens se libertam do trabalho, parece um contra-senso. Nossa leitura, remete à uma outra compreensão. A sociedade não pode prescindir da produção das necessidades, mas essa nova organização, mais avançada, pode reduzir o tempo gasto nesta produção, liberando os homens para uma produção mais diversificada, seja de produção material ou imaterial.

4. Marx reduz o homem ao animal laborans?

Sobre a distinção entre trabalho qualificado e não –qualificado, Arendt denota que as distinções para Marx são de caráter secundário. Qualquer atividade, exige certo grau de qualificação, por mais simples que seja. Na modernidade, a qualificação adquiriu importância para a moderna divisão do trabalho, atividades conferidas às pessoas especializadas tornaram-se vitalícias. A atividade é dividida em quantas partes possíveis para que essas tantas partes minúsculas sejam divididas entre os operários qualificados. Para Arendt, Marx acertou ao afirmar que essa divisão tende a abolir completamente o trabalho qualificado. O que vai ser comercializado no mercado não é a qualificação individual, mas a força de trabalho, o labor. Ela ainda explica que a ideia de trabalho não-qualificado já é uma contradição, pois todo trabalho exige algum grau de qualificação. A distinção em si é válida somente para o labor, “e a tentativa de utilizá-la como principal sistema de referências já indica que a distinção entre trabalho e labor foi abandonada em favor do labor” (Arendt, 2007, 101).

Arendt ainda mostra a categoria entre trabalho intelectual e manual3. A conexão entre essas duas atividades, segundo ela, é também o processo do labor. O processo de pensar torna-se ainda mais complicado, pois não deixa atrás de si nenhuma coisa tangível, ou seja, o processo de pensar é ainda menos produtivo que o labor. O processo de pensar por si mesmo não é materializado em objetos. “Sempre que o trabalhador intelectual deseja materializar seus pensamentos tem que usar as mãos como qualquer outro trabalhador” (Arendt, 2007, 101-102). Talvez fique mais claro entender com essa analogia: supondo que estou apenas pensando em escrever este artigo, sem ainda utilizar nada além da mente para tanto. Nesse nível, ainda não materializei meus pensamentos. No momento em que começo a digitar estas páginas, inicio o processo de trabalhar, ou seja, estou materializando meus pensamentos utilizando minhas mãos para escrever este artigo, ou um livro, uma revista. Bem, é isso que Arendt em consonância com o pensamento de Marx quer aludir: que o processo de pensar e o processo de trabalhar são duas atividades distintas e que nunca vão coincidir. O estudo feito pelo artesão antes de iniciar a obra é o estágio mais imaterial.

Na antiguidade temos um desprezo pelo labor, uma desconfiança do doloroso esforço. Na modernidade há a glorificação do labor, louvado por causa da produtividade. Ambas as teorias, segundo Arendt, baseiam-se na atitude subjetiva ou na atividade do trabalhador. Certa dessa condição, com a preocupação em distinguir labor e trabalho, distinção desprezada pelos teóricos do assunto, Arendt traz a discussão sobre a durabilidade, a permanência da coisa no mundo, como afirma:

Parece que a distinção entre labor e trabalho, que nossos teoristas tão obstinadamente desprezaram e nossas línguas tão aferradamente conservaram, torna-se realmente apenas uma diferença de grau quando não se leva em conta o caráter de coisa produzida – sua localização, sua função e a duração de sua permanência no mundo. A distinção entre um pão, cuja longevidade no mundo dificilmente ultrapassa um dia, e uma mesa, que pode facilmente sobreviver a gerações de convivas, é sem dúvida muito mais óbvia e decisiva que a diferença entre um padeiro e um carpinteiro. (Arendt, 2007, 105)

Como observamos, Arendt aponta que há uma discrepância entre a linguagem falada (objetiva), direcionada no sentido de mundo, e as teorias que usamos para compreender o mundo subjetivamente. A linguagem e as experiências humanas existentes na linguagem, e não na teoria, fazem-nos compreender o mundo, dentre elas a vita activa. Assim, os produtos do trabalho, e não os do labor, garantem a permanência e durabilidade das coisas do mundo. Aliás, sem isso o próprio mundo não seria possível. Entre essas coisas duráveis, encontram-se os bens de consumo. Que são coisas, produzidas pelo labor e exigidas pelo corpo, mas que não têm estabilidade, pois são direcionadas para o consumo imediato. Segundo Arendt, elas desaparecem num ambiente de coisas, que não são consumidas, mas usadas, e à medida que as usamos, nos habituamos e nos acostumamos. Coisas, bens e homens habitam, então, um mesmo mundo e criam uma familiaridade “O que os bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo do homem” (Arendt, 2007, 6). Resumindo, de um lado temos bens de consumo e objetos de uso, estes com certa durabilidade, àqueles consumidos quase que imediatamente.

Diferentemente dos bens de consumo e dos objetos de uso, os produtos da ação e do discurso são por si mesmos destituídos de tangibilidade, menos duráveis e mais fúteis do que os que são produzidos para o consumo. Segundo Arendt, a realidade dos produtos da ação e do discurso depende da pluralidade humana, ou seja, da constante presença dos outros que possam atestar, ouvir e ver. “A ação, o discurso e o pensamento têm muito mais em comum entre si que qualquer um deles tem com o trabalho ou o labor. Em si, não produzem nem geram coisa alguma: São tão fúteis quanto a própria vida” (Arendt, 2007, 106). Para que a ação, o discurso e o pensamento se tornem coisas mundanas (feitos, fatos, eventos, organizações de pensamentos ou ideias), é preciso que sejam vistos, ouvidos e lembrados para depois serem transformados em coisas, coisificados, como por exemplo, neste artigo que escrevo, um livro, uma arte poética, uma escultura, um monumento ou registro documental. Isto se apoia, então, em duas bases: 1) Todo o mundo fatual dos negócios humanos depende da presença dos outros e 2) A transformação desses elementos em coisas, ou seja, a mudança do intangível ao tangível. As atividades da ação do discurso e do pensamento dependem da lembrança e a reificação da lembrança para que possam existir.

As coisas de consumo estão sempre condenadas ao desaparecimento, elas vêm e vão, são produzidas e consumidas de acordo com o ritmo cíclico da vida. Nascimento e morte são características do processo vital. Na visão de Arendt, a vida segue uma trajetória linear e a vida humana tem como característica principal o fato de, em si mesma, ser plena de eventos que são narrados como histórias e estabelecem uma biografia. “Era a esta vida, bios, em contraposição à mera zoé, que Aristóteles se referia quando dizia que ela é, de certa forma, uma espécie de práxis” (Arendt, 2007, 109). Nesse ponto, ação e discurso estão ligados de forma íntima na ideia grega de política.

Na visão de Arendt, Marx ao definir o trabalho como o metabolismo do homem com a natureza deixa claro que está se referindo de forma fisiológica. O ciclo eterno da vida biológica gera dois estágios (trabalho e consumo). A base desse ciclo é o consumo e, consequentemente, a atividade que garante ou provê o consumo é o labor. O resultado da produção do labor é destinado à alimentação do processo da vida e a regeneração do consumo faz regenerar o processo da vida, assim reproduzindo “nova força de trabalho” que possa sustentar o corpo para retornar à atividade laboral. A própria necessidade de subsistir direciona o labor e o consumo.

Segundo Correia, ao falar sobre esse processo da natureza, do trabalho e consumo “Marx fala de metabolismo, enfatiza Arendt, pensa de fato fisiologicamente: está em questão o processo vital circular no qual o trabalho sacia as necessidades vitais, ao produzir bens de consumo que regeneram o processo vital, e, finalmente, reproduz força de trabalho.” (Correia, 2003, 215). Concordamos ainda com a interpretação de Correia (2003) ao se referir ao pensamento arendtiano e ao afirmar que na solidão do próprio metabolismo, cada indivíduo humano converte-se em animal laborans, ou seja, em apenas mais uma das espécies que habitam a terra.

Para Arendt, a partir de Locke, descobriu-se que o labor é a fonte de toda a propriedade que a promoção do próprio labor o colocou em uma posição privilegiada. Essa elevação foi prosseguida por Smith que afirmou ser o labor fonte de toda riqueza. Porém, foi com o sistema do labor de Marx que o labor foi tratado como tal. Locke preocupava-se em instituir a propriedade privada, Smith a explicação do livre acúmulo da riqueza. Mas, para Arendt, somente Marx estava preocupado com a ideia de o labor em si ser a fonte da capacidade humana de construir um mundo e, mesmo assim, ao se referir às contradições sobre trabalho e labor “ou, antes, o motivo mais óbvio pelo qual esses grandes autores não se deram conta delas –é o fato de que equacionam o trabalho com o labor, de certa forma que atribuem ao labor certas qualidades que somente o trabalho possui” (Arendt, 2007, 113). Esse equacionamento leva Arendt a fazer críticas também à Veblen, que segundo ela, está na lista de grandes absurdos provocados pela má interpretação dos conceitos ao dizer que a prova duradoura do trabalho produtivo é o seu produto material– quase sempre um artigo de consumo. Arendt analisa que essa prova duradoura é destruída quando consumida e isto, em termos de labor, acontece de forma imediata, pois o produto está para ser consumido para a subsistência, para a manutenção da vida.

Arendt ainda formula outra crítica a Marx, dessa vez em desacordo com ele, pois segundo ela, ao insistir que o trabalho termina com o produto final, ele acaba esquecendo a própria formulação ou definição deste processo como metabolismo entre o homem e a natureza. Nesse processo, o produto é incorporado de forma imediata, consumido e destruído. Quer dizer, se é destruído, a própria força de trabalho, que o próprio Marx apontou, não deixa esgotar o processo cíclico e vital do organismo.

Para Arendt a atitude de Marx em relação ao trabalho e ao seu pensamento sempre foi equivocada. “Embora o trabalho fosse uma eterna necessidade imposta pela natureza e a mais humana e produtiva das atividades do homem, a revolução, segundo Marx, não se destinava a emancipar as classes trabalhadoras, mas emancipar o homem do trabalho” (Arendt, 2007, 116). Para ele, apenas quando o trabalho é suprimido, é possível o acesso à liberdade, ou seja, é possível vencer a necessidade. A liberdade inicia quando o trabalho termina, pois este é imposto pela necessidade. De acordo com Arendt essas são contradições do pensamento de Marx, que costumam aparecer nos grandes escritores. É interessante notar que, mesmo encontrando essas contradições no pensamento de Marx, Arendt reforça que a definição de animal laborans está em todos os estágios da sua obra. Definição que levará o homem a uma sociedade em que não será mais necessário este poder desenvolvido pela manutenção do animal laborans. E nesta configuração surge um dilema: O que é mais interessante escolher, a escravidão produtiva ou a liberdade improdutiva?

A modernidade produziu algumas superstições como “dinheiro gera dinheiro” e “poder gera poder.” Arendt aponta que isso ocorre porque está fundamentada na metáfora da fertilidade da vida. Assim, é possível observar que de todas as atividades do homem apenas o labor é interminável, pois está acompanhando a própria vida, que não se define por decisões voluntárias. Assim, Marx fundamenta toda sua teoria na concepção de trabalho (labor) e procriação, apresentando-as como modalidades do mesmo processo da fértil vida. Para ele, o trabalho era a própria reprodução da vida do indivíduo e a procriação a produção de outras vidas para garantir a vida da espécie. “Portanto, o trabalho em Marx –pensa Arendt– é algo parcial, corresponde a apenas um tipo de trabalho, àquele mais ligado à reprodução animal da espécie” (Dantas, 2013, 6).

Marx desenvolveu em torno disso o que ele chama de trabalho abstrato, a força de trabalho ou labor power. O excedente de trabalho é a quantidade de labor power produzido depois que os meios para a manutenção da vida foram produzidos.

Marx então reduz a humanidade a algo como força de trabalho:

A diferença entre a vida humana e a animal seja a ratio, ou o pensamento; que, o homem, nas palavras de Hegel, seja ´essencialmente espírito´. Para o jovem Marx, o homem é essencialmente um ser natural dotado da faculdade da ação, [...] e sua ação permanece “natural” porque ela consiste no trabalho – o metabolismo entre o homem e a natureza; Em seguida, a mesma Arendt acrescenta que Marx confirma que a humanidade do homem consiste em sua força ativa e produtiva, que em seus aspectos mais elementares chama de força de trabalho. (Wagner, 2000, 91)

Há então em Marx uma inversão de ordem hierárquica. “E é esta nova hierarquia das aptidões humanas, estabelecida por Marx que estará no coração da crítica de Arendt a ele, inclusive porque naquela hierarquia está presente a percepção de Marx sobre a sociedade moderna” (Dantas, 2013, 6). Arendt mostra, então, que Marx reduz o homem ao animal laborans, ou seja, ao labor. Por labor, entende-se o trabalho não – qualificado, direcionado para a produção do que é necessário para a manutenção da vida, da espécie. Segundo o pensamento de Arendt sobre Marx, o trabalho corresponde a apenas um tipo de trabalho, ligado à reprodução animal e manutenção da espécie.

Contrapondo a essa interpretação de Marx por Arendt, da redução do homem a apenas a reprodução animal, encontramos na obra A Ideologia Alemã que essa atividade (o trabalho) verdadeiramente humana é também produção da história, logo é impossível ler a passagem a seguir e identificar uma definição de animal laborans:

O primeiro pressuposto de toda a história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. (...) Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião, pelo que se queira. Eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam a produzir os seus meios de vida, um passo condicionado pela sua organização corporal. Ao produzirem os seus meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua vida material mesma. O modo pelo qual os homens produzem os seus meios de vida depende inicialmente da constituição mesma dos meios de vida encontrados aí e a ser produzidos. Este modo da produção não deve ser considerado só segundo o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele já é antes uma maneira determinada de atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar em a sua vida, um modo de vida determinado. Os indivíduos são assim como manifestam a sua vida. O que eles são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. Portanto, o que os indivíduos são depende das condições materiais da sua produção. (Marx & Engels, 2001, 11)

Também nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 reafirma:

Claro que o animal também produz. Constrói um ninho, moradas para si, tal como a abelha, castor, formiga, etc. Só que produz apenas o de que precisa imediatamente para si ou seu filhote; produz unilateralmente, ao passo que o homem produz universalmente; produz apenas sob o domínio da necessidade física imediata, ao passo que o homem produz mesmo livre da necessidade física imediata e só produz verdadeiramente sendo livre da mesma; só produz a si mesmo, ao passo que o homem reproduz a natureza inteira; o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo físico, ao passo que o homem se defronta livre com o seu produto. (...) Por ela [a produção do homem] a natureza aparece como a sua obra e a sua realidade efetiva. O objeto do trabalho é, portanto, a objetivação da vida genérica do homem: ao se duplicar não só intelectualmente tal como na consciência, mas operativa, efetivamente e, portanto, ao se intuir a si mesmo num mundo criado por ele. (Marx, 1983, 156-157)

Segundo Arendt Marx abandona essa concepção de homem, pois não deixa muito claro a distinção com o animal. Chega a citar um parágrafo de O Capital, que na sua visão, Marx já não se refere mais ao trabalho, mas a obra. Marx aqui já não se referia ao trabalho, mas a obra na qual não estava interessado. Arendt recorre ao capítulo V da seção III no primeiro livro de O Capital para chegar a essa conclusão, pois Ali encontraremos uma análise mais completa do entendimento de Marx sobre o trabalho útil, ou o trabalho humano. Vejamos o que ela exprime sobre a distinção entre o homem e o animal:

Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existia na imaginação do trabalhador e, portanto, idealmente. (Arendt, 2007, 149- 150)

Sobre essa mesma questão, Magalhães (1985), em um texto crítico sobre Arendt e Marx, traz os seguintes questionamentos: Por que motivo Arendt afirma não se tratar aqui da própria concepção de Marx do trabalho, quando ele a explicita justamente em todo este capítulo? O processo de trabalho [Arbeits-Prozess] tal como foi concebido por Marx, caracteriza-se pela unidade do trabalho intelectual e corporal, do trabalho consciente e de sua realização material, unidade esta que o trabalho assalariado vai justamente separar. A que teoria ou a que concepção do trabalho, em Marx, refere-se então Arendt? Ao fato de que o trabalho tornou-se, na produção capitalista, trabalho assalariado, trabalho alienado? … o que Marx critica sem cessar. Tal é a problemática que a reflexão de Arendt nos induz, em que parece haver uma má interpretação sobre o conceito de trabalho em Marx. Na mesma direção é possível concordar com Sheldon Wolin ao argumentar que Arendt:

nunca conseguiu compreender a lição básica ensinada não apenas por Marx, mas também pelos economistas clássicos, de que uma economia não é meramente trabalho, propriedade, produtividade e consumo: é uma estrutura de poder, um sistema de relações contínuas em que o poder e a dependência tendem a tornarem-se cumulativos e as desigualdades são reproduzidas em formas cada vez mais sofisticadas.. (Wolin, 1983, 9-10)

“A era moderna travou suas batalhas em nome da vida, da vida da sociedade” (Arendt, 2007, 122). Com essa máxima apresentada por Arendt, é evidente que a política na modernidade está para a vida, a administração doméstica dos seus indivíduos. E sendo o corpo o mais privado no processo vital, incluindo a fertilidade e como tal a sociedade legitima essas atividades que o próprio processo vital impõe. Arendt ressalta que destas atividades, o labor, por se caracterizar como atividade e não mera função, é a menos privada, a única que passa a sensação de que não deve ser escondida (ressaltando que isso é possível na sociedade moderna). Assim afirma Arendt:

Se, no começo do século (com Nietzsche e Bergson), a vida e não o trabalho foi proclamada criadora de todos os valores, esta glorificação da mera dinâmica do processo vital aboliu aquele mínimo de iniciativa presente até mesmo em atividades que, como o labor e a procriação, são impostas ao homem pela necessidade. (Arendt, 2007, 129)

O problema apontado por Arendt reside na dificuldade de se construir um espaço comum, pois esse domínio do processo vital traz como consequência a socialização desse processo, quero dizer, nem mesmo a substituição do indivíduo pela sociedade coletiva é capaz de eliminar a privacidade da experiência dos processos do corpo, onde se manifesta a vida e a atividade do labor. Arendt ainda alerta que nem a abundância dos bens nem a redução do tempo gasto no labor trarão como resultado a fundação de um mundo comum. A ausência de um lugar físico privativo (para se esconder da esfera comum) não torna o animal laborans menos privado. Marx, na visão de Arendt, acertou quando predisse que a decadência da esfera pública é a consequência do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Os homens socializados, tendo sido libertados do trabalho usufruiriam a liberdade em suas atividades privadas, cada vez mais isoladas. A atividade do labor, que mantém a vida, é indiferente ao mundo, é como se ele não existisse. Então, para Marx a humanidade socializada é composta de pessoas isoladas do mundo, não importando se são escravos domésticos (submissos pela violência imposta por terceiros) ou pessoas livres que exercem deliberadamente suas funções.

Enquanto o animal laborans ocupar o domínio público, enquanto ele continuar de posse dele, não existirá pra Arendt um domínio verdadeiramente público, mas meramente um âmbito de atividades privadas. Porém, segundo Raymond Aron no seu Essai sur les libertés (1976, 42-44), não é assim que Marx pensa:

No ponto de partida, Marx não quer voltar atrás no que diz respeito as conquistas da Revolução Francesa, ele quer consumí-las. Democracia, liberdade e igualdade, estes valores se impunham, com evidência, a ele. O que causa indignação a Marx, é que a democracia seja exclusivamente política, que a igualdade não fosse além do boletim de voto, que a liberdade, proclamada pela Constituição não impedirá a sujeição do proletário ou as doze horas de trabalho das mulheres e das crianças. (...) Se as liberdades políticas e pessoais foram nomeadas por ele de informações, não era porque ele as recusava, mas sim porque elas lhe pareciam desprezíveis enquanto as condições reais de existência impedissem a maioria dos homens de usufruir autenticamente esses direitos subjetivos. Criar uma sociedade na qual todos os homens pudessem, durante toda a sua existência, realizar efetivamente o ideal democrático, era essa, sem dúvida, a utopia em direção pelo qual o pensamento do jovem Marx caminhava. (...) Não o esqueçamos: Marx sempre reconheceu o risco de sujeição que a recusa de estabelecer uma discriminação entre a sociedade civil e a sociedade política continha. (Aron, 1976, 42-44)

O caminho percorrido pelo pensamento do Marx parece não ser o mesmo que Arendt aponta. O animal laborans, completa Arendt, não foge do mundo, mas dele é expelido, pois ele está aprisionado na privatividade do seu próprio corpo. Desta constatação fica claro que, a satisfação das necessidades não pode ser compartilhada com ninguém de forma completa. Interessante notar que na antiguidade os escravos trabalhavam para arcar com o ônus do consumo de uma casa e não produzir para uma sociedade. Os instrumentos utilizados para suavizar o esforço não são produtos do próprio labor, mas do trabalho, eles pertencem ao universo dos objetos, não do uso. Através do uso desses objetos, a força humana é multiplicada e até mesmo quase que substituída. Esses instrumentos também multiplicam a fertilidade do animal laborans e de certa forma produzem abundância de bens de consumo.4

Arendt ainda explora a divisão do trabalho, que segundo seu pensamento, resulta diretamente do processo do labor e não deve ser confundido com a especialização do trabalho. O que tem em comum entre a especialização do trabalho e a divisão do labor é apenas o princípio geral de organização. Esse princípio, em si mesmo, não tem nada a ver com o trabalho e o labor, mas tem sua origem na esfera da vida política. Os homens organizados politicamente vivem e agem conjuntamente e podem ocorrer tanto a especialização do trabalho como a divisão do labor. Na especialização do trabalho, exige-se diferentes habilidades que são reunidas em conjunto. Sua natureza se baseia no produto já acabado. Já a divisão do labor verifica de forma qualitativa todas as atividades isoladas e não exige nenhuma qualificação. Arendt (2007, 135), ressalta que estas atividades “não têm uma finalidade em si mesmas, mas representam, de fato, somente certas quantidades de labor power somadas umas às outras de modo puramente quantitativo.” Por exemplo, três ou mais homens reúnem sua força de labor power uns com os outros como se fosse um só que executasse.

Na divisão e organização do trabalho na sociedade moderna é constatado o acúmulo ilimitado de riqueza. O problema é como acomodar esse consumo individual. Arendt ainda indica que a humanidade como um todo está longe de alcançar o limite da abundância e, nesse caso, a solução é tratar objetos de uso como se eles fossem bens de consumo. Assim, por exemplo, uma cadeira teria sua durabilidade reduzida tanto quanto o rápido consumo de uma camisa. “Esta forma de tratar as coisas do mundo é perfeitamente adequada ao modo como elas são produzidas. A revolução industrial substituiu todo artesanato pelo labor” (Arendt, 2007, 137). O resultado desse acontecimento foi que os produtos do mundo moderno foram transformados em produtos do labor. O destino desses produtos é o consumo, ao contrário dos produtos do trabalho destinados a serem usados. A aceleração da taxa de uso dos objetos é um movimento devorador que nos leva a consumir “nossas casas, nossos móveis, nossos carros, como se estes fossem as boas coisas da natureza que se deteriorariam se não fossem logo trazidas para o ciclo infindável do metabolismo do homem com a natureza” (Arendt, 2007, 138).

A conclusão de Arendt é que o mundo produzido pelo homo faber, que estabelecia a permanência, estabilidade e durabilidade, foi substituído em benefício da abundância almejada pelo animal laborans. Assim, a sociedade contemporânea é composta de operários porque apenas o labor produz abundância. Ela afirma também que transformamos o trabalho em labor, dividindo-o em minúsculas partículas até forjar a divisão do trabalho que tem como intenção eliminar a “estabilidade inatural”, para abrir as comportas ao labor power.

Labor e consumo são, então, dois estágios de um mesmo processo imposto pelas necessidades da vida em que a vivência humana é formada pela sociedade de operários (laborers, ou homens que laboram). Essa sociedade, segundo Arendt, não surgiu da emancipação das classes trabalhadoras, mas da elevação da atividade do labor bem antes da emancipação política dos trabalhadores. O mais importante não é o feito de que, pela primeira vez, operários são admitidos como cidadãos com direitos iguais na esfera pública, mas, “que quase conseguimos nivelar todas as atividades humanas, reduzindo-as ao denominador comum de assegurar as coisas necessárias à vida e de produzi-las em abundância.” (Arendt, 2007, 139). O próprio sustento é o que todos devem almejar independentemente do que se faça. Em consequência, sustenta Arendt, todas as profissões sérias são chamadas de trabalho. Enquanto que aquelas atividades que não são necessárias para a vida do indivíduo e que não contribuem para o processo vital da sociedade, são classificadas como lazer. O labor não se igualou à atividade da vita activa, mas não tem como negar o seu predomínio.

Arendt afirma que as artes da violência, das guerras, da pirataria e do poder absoluto foram convertidas a serviço dos vencedores ocasionando o retorno da necessidade em seu nível mais elementar. Na era moderna, a glorificação do labor reduziu o uso de instrumentos de violência nas relações humanas e os substituiu estendendo a todos as obrigações das classes servis.

É como se a crescente eliminação da violência no decorrer de toda era moderna tenha quase automaticamente dado acesso ao retorno da necessidade em seu nível mais elementar. O que já sucedeu uma vez em nossa história, nos séculos do declínio do Império Romano, pode estar acontecendo novamente. Também naquela época o labor tornou-se ocupação das classes livres, somente para levar a estas as obrigações das classes servis. (Arendt, 2007, 142)

Nessa investigação Arendt problematiza a questão da liberdade, pois indaga: como fica esse âmbito uma vez que o domínio da necessidade, a emancipação do labor é real? A liberdade está submissa à necessidade? Segundo Arendt Marx percebeu esse problema, por isso ele insistiu quando afirmou que o objetivo da revolução não era a emancipação das classes trabalhadoras, mas a libertação do homem em relação ao trabalho. Isso para Arendt parece utópico e constitui o único elemento utópico no pensamento de Marx. “O consumo isento de dor e de esforço não mudaria, apenas aumentaria o caráter devorador da vida biológica, até que uma humanidade, inteiramente libertada dos grilhões da dor e do esforço pudesse livremente consumir o mundo inteiro e reproduzir diariamente tudo o que desejasse consumir” (Arendt, 2007, 144). Arendt desconfia desse consumo sem dor e sem esforço e, nisso, discorda profundamente de Marx. Segundo sua visão, se o homem alcançasse realmente esse nível de consumo livre da dor e do esforço provocados pela necessidade haveria uma quantidade muito elevada de mercadorias, de coisas que apareceriam e desapareceriam a cada instante no processo vital da sociedade. E isso não é relevante para a sociedade, pois seria um temerário dinamismo de um processo vital inteiramente motorizado:

O perigo da futura automação não é tanto a tão deplorada mecanização e artificialização da vida natural, quanto o fato de que, a despeito de sua artificialidade, toda a produtividade humana seria sugada por um processo vital enormemente intensificado e seguiria, sem dor e sem esforço, o seu ciclo natural eternamente repetido. (Arendt, 2007, 144-145)

Com isso, as máquinas, em ritmo acelerado de produção, aumentariam de forma intensificada o ritmo natural da vida, porém não teriam o poder de alterar, apenas potencializar a ação destruidora contra a durabilidade, principal característica da vida em relação ao mundo.

Outra crítica de Arendt a Marx é em relação à esperança que ele tinha de que as horas vagas algum dia emanciparão os homens da necessidade tornando produtivo o animal laborans, alimentado por uma filosofia mecanicista. Da força de trabalho do homem nunca se perde e se não for usada nas tarefas pesadas, será utilizada em tarefas mais nobres. Aliás, emancipar os homens dessas horas de trabalho, esse é o cerne que conduz à essa crítica. Segundo Magalhães (1985) A grande contradição que atravessa toda a obra de Marx, segundo Arendt, seria a seguinte: embora o trabalho tenha sido definido por Marx, por um lado, como uma eterna necessidade imposta pela natureza, a revolução se destinava, por outro lado, diz ele, a emancipar o homem do trabalho. O que parece claro é o fato de que em nenhum momento Max definiu o homem como um animal laboransele parte da produção dos homens, que é determinada socialmente e, nisso, ele não tem como proposta posteriormente para esses homens uma sociedade livre do trabalho, que não seria mais necessário. “ele propõe, isto sim, nesse trecho do Livro Terceiro de O Capital, uma sociedade na qual os homens estariam libertos do trabalho alienado” (Magalhães, 1985, 42-43). Desse modo, concordando com a ótica de Magalhães, recorrendo à Ideologia Alemã podemos identificar como Marx realmente não define o homem como animal laborans, mas como ser social, e desde o início, não agem apenas sobre a natureza:

A produção da vida, tanto da própria pelo trabalho quanto da alheia pela procriação, aparece agora já de imediato como uma relação dupla de um lado como relação natural, de outro como relação social, social no sentido de que com isto se entende a cooperação de vários indivíduos, não importando sob que condições, de que modo e para que finalidade. Depreende-se disto que um determinado modo de produção ou estágio industrial está sempre unido a um determinado modo de cooperação ou estágio social, este modo de cooperação sendo ele mesmo uma força produtiva, [depreende-se disto] que a quantidade das forças produtivas acessíveis aos homens condiciona o estado social e que portanto a história da humanidade precisa ser trabalhada e estudada sempre em conexão com a história da indústria e da troca. (...). Os homens têm história porque tem que produzir a sua vida, e a tem que produzir de modo determinado: isto está dado por sua organização física; da mesma maneira que a sua consciência. (Marx, 1982, 1060-1061)

Arendt considera falaz e ilusória essa posição de Marx (A revolução do trabalho interpretada por ela como emancipação, livre de trabalho), uma vez que, quase cem anos depois dele, tornou-se perceptível que o animal laborans jamais gasta suas horas vagas em outra coisa senão consumir. Arendt pondera que o fato de o animal laborans refinar e direcionar seu consumo não apenas para as necessidades, visando as “superfluidades” da vida, isso não mudará o efeito de uma sociedade organizada nesse modelo, pois é eminente o grande perigo em que tudo nesse mundo vai se tornar objeto de consumo, ou seja, a aniquilação de tudo através do consumo.

Outra constatação feita por Arendt é a de que o domínio do animal laborans, isto é, a sua emancipação da esfera pública traz como consequência o esvaziamento do espaço público, pois enquanto o animal laborans estiver de posse dessa esfera não haverá um espaço verdadeiramente público, mas atividades privadas exibidas em público. Labor e consumo trazem como resultado um grande problema: a infelicidade universal e a exigência de que o animal laborans alcance essa felicidade quando os processos vitais de “exaustão e regeneração” estiverem em equilíbrio. A Deficiência de labor, ou seja, a falta de labor suficiente para manter uma sociedade de operários gera um sintoma, a infelicidade em massa. “Pois segundo o animal laborans –e não o artífice nem o homem de ação– jamais exigiu ser feliz ou pensou que homens mortais pudessem ser felizes” (Arendt, 2007, 147).

Arendt ainda chama a atenção para o perigo da realização do animal laborans: a economia se tornou uma economia de desperdício, ou seja, todas as coisas devem ser devoradas e descartadas de forma mais rápido possível, senão o processo chega ao fim repentinamente. Outro perigo que uma sociedade assim pode trazer é o deslumbre do animal laborans diante da grande abundância e fertilidade, pois preso num interminável processo, é incapaz de reconhecer sua própria futilidade, “a futilidade de uma vida que não se fixa nem se realiza em coisa alguma que seja permanente, que continue a existir após terminado o labor” (Arendt, 2007, 148).

5. Considerações finais

O objetivo deste artigo foi tratar do problema levantado por Arendt sobre o trabalho, apontando que Karl Marx, seguindo a mesma direção dos teóricos clássicos da economia, não realizou a distinção entre trabalho e labor. Dessa constatação, mostramos que Arendt considera que por causa da não diferenciação entre os dois termos, argumenta que Marx reduz o homem ao animal laborans, trazendo consequências negativas para a própria ideia de humanidade. Percebemos que Arendt enxerga que na sociedade completamente socializada há o foco apenas na sustentação do processo vital pelo qual são orientadas as teorias de Marx. Nessa linha de indistinção, todo trabalho se transformaria em labor, pois as coisas seriam balizadas não pela perspectiva do humano enquanto humano, mas pela perspectiva da força do trabalho, ou seja, pelas funções do processo vital.

Concluímos a partir de uma avaliação da obra de Marx que Arendt não acertou ao afirmar que houve a redução do homem ao animal laborans. Como vimos, a afirmação dela foi imediatista e faltou mais aprofundamento nos textos marxinianos, pois ali encontramos que os trabalhadores industriais, a partir da percepção consciente dos problemas subjacentes a fábrica e a disputa entre as classes socias são apontados como os legítimos agentes da mudança revolucionária. Persiste, então, a ideia de eleger os trabalhadores como sujeitos históricos da revolução. A liberdade vinda pela revolução é alcançada de forma consciente pela mudança do próprio operário.

Uma das consequências dos autores que desprezam a distinção entre labor e trabalho para Arendt é a premissa de que a liberdade era uma conquista, dependente da imposição da necessidade aos escravos, desse modo existia uma explícita desvalorização das atividades físicas para produção das necessidades. Com isso, a interpretação arendtiana sustenta que Marx vê a emancipação social pela abolição do trabalho, sendo assim, a sociedade que tem como base a exploração, caracteriza-se pela servidão produtiva e, por outro lado, o mundo da liberdade seria um mundo de trabalho improdutivo. Para Arendt, seria preciso, nessa ótica, realizar a tarefa de apresentação da diferenciação do labor e trabalho para emancipar verdadeiramente o homem para a liberdade. Nossa leitura conclusiva nos conduziu à um outro entendimento diferente de Arendt: a sociedade não pode prescindir da produção das necessidades, mas essa nova organização, mais avançada, pode reduzir o tempo gasto no processo produtivo, liberando os homens para uma produção mais diversificada, seja material ou imaterial.

6. Notas

1. Havia na Grécia antiga a distinção entre escravos, inimigos de guerra vencidos que eram levados para trabalharem nas casas dos vencedores (dmoes). Ali desenvolviam atividades para manutenção da casa, provendo o sustento de seus senhores (oiketai). Havia também os demiourgoi, que eram os outros operários do povo e tinham a liberdade de transitar nas duas esferas pública e privada.

2. Nesse processo há o encobrimento das relações entre os homens em favor da relação entre as coisas. O comportamento do trabalhador para com a coisa produzida é alheio, ou seja, o objeto torna-se independente de quem o produziu, da vida humana.

3. O trabalho manual exige esforço físico e habilidade com as mãos, já o trabalho intelectual é caracterizado como a capacidade de desempenho mental. A origem entre trabalho intelectual e manual é encontrada na idade média, porém sua distinção é desenvolvida na idade moderna. Historicamente, na modernidade toda ocupação deveria mostrar-se útil para a sociedade, como a ocupação mental levantava dúvidas, naturalmente os intelectuais queriam demonstrar sua utilidade e serem considerados membros da população trabalhadora.

4. Arendt recorre à explicação grega, baseando-se em Aristóteles para entender que o processo vital é uma atividade interminável e que o instrumento que se assemelha a ele é um perpetuum mobile, ou seja, o instrumentum vocale (escravo) que contém vida e é ativo quanto o organismo a que serve. Por isso os escravos não podem ser substituídos por instrumentos ou ferramentas feitas pelo artífice. Esses Instrumentos são de ordem secundária para a atividade do labor.

7. Referências

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Daniel Nery da Cruz (danielncruz@hotmail.com): Doutor em filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos –UNISINOS. Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana– UEFS. Mestre em filosofia –UNISINOS. Membro do GT Filosofia Política Contemporânea da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof). Pesquisador do Núcleo Avançado de Estudos da Contemporaneidade– UESB. Integrante do grupo de pesquisa ética, biopolítica e alteridade CNPQ.

Jossel Borges Santos (josselborgessantos@gmail.com): Mestre em Economia pela Universidade Federal da Paraíba –UFPB, Campus II. Professor de Economia Política da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Pesquisador do Núcleo de Estudos Economia Regional.

Recibido: 4 de julio de 2019

Aprobado: 29 de setiembre de 2019

Rev. Filosofía Univ. Costa Rica, LIX (154) Mayo-Agosto 2020 / ISSN: 0034-8252 / EISSN: 2215-5589