Revista de Filología y Lingüística de la Universidad de Costa Rica

Vol. 50, No. 2, julio 2024-diciembre 2024

Aspecto perfect associado ao passado: uma análise das realizações linguísticas no português brasileiro

Lingüística

Aspecto perfect associado ao passado: uma análise das realizações linguísticas no português brasileiro

Perfect Aspect Associated to The Past: An Analysis of The Linguistic Realizations in Brazilian Portuguese

Amanda Alevato de Sant’Anna
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Adriana Leitão Martins
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Jean Carlos da Silva Gomes
Universidade da Força Aérea, Rio de Janeiro, Brasil

Aspecto perfect associado ao passado: uma análise das realizações linguísticas no português brasileiro

Revista de Filología y Lingüística de la Universidad de Costa Rica, vol. 50, núm. 2, e60553, 2024

Universidad de Costa Rica

Recepción: 26 Marzo 2024

Aprobación: 04 Junio 2024

Resumo: Objetiva-se, nesta pesquisa, investigar a representação sintática do aspecto perfect. Mais especificamente, pretende-se verificar as realizações morfossintáticas de perfect universal (PU), resultativo (PRes) e experiencial (PEx) associados ao tempo passado e ao modo indicativo no português brasileiro (PB). Para tanto, foram analisadas cinco horas de fala espontânea e foi aplicado um teste de preenchimento de lacunas a 62 falantes nativos do PB. Os resultados evidenciam que o PU é veiculado por meio de pretérito imperfeito e “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio; o PRes é veiculado por meio de pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliares “ter” e “haver”), pretérito perfeito, pretérito mais-que-perfeito simples e “acabar” no pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” + preposição “de” + infinitivo; e o PEx é veiculado por meio de pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliares “ter” e “haver”), pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito simples. Os resultados corroboram a proposta de Rodrigues e Martins (2019) de que há três sintagmas de perfect na árvore sintática: o Sintagma de Perfect Universal (UPerfP) para o PU, o Sintagma de Perfect Resultativo (ResPerfP) para o PRes e o Sintagma de Perfect Experiencial (ExPerfP) para o PEx.

Palavras-chave: aspecto, perfect, passado, realizações morfossintáticas, português brasileiro.

Abstract: This research aims to investigate the syntactic representation of the perfect aspect. More specifically, we intend to verify the morphosyntactic realizations of universal perfect (UP), resultative perfect (ResP) and experiential perfect (ExP) associated to the past and to the indicative mood in Brazilian Portuguese (BP). For this purpose, five hours of spontaneous speech were analyzed and a gap-filling task was applied to 62 native speakers of BP. The results evidenced that UP is conveyed by the imperfective past and the auxiliary verb “estar” (‘to be’) in the imperfective past + gerund; ResP is conveyed by past perfect (with the auxiliary verbs “ter” (‘to have’) and “haver” (‘there to be’), simple past, past perfect simple and “acabar” (‘to finish’) in the past perfect compound with the auxiliary verb “ter” (‘to have’) + ‘de’ (‘of’) + infinitive; and ExP is conveyed by the past perfect compound with the auxiliary verbs “ter” (‘to have’) and “haver” (‘there to be’), simple past and past perfect simple. We discussed that the results corroborate Rodrigues and Martins’s (2019) proposal that there are three perfect phrases in the syntactic tree: Universal Perfect Phrase (UPerfP) to UP, Resultative Perfect Phrase (ResPerfP) to ResP, and Experiential Perfect Phrase (ExPerfP) to ExP.

Keywords: aspect, perfect, past, morphosyntactic realizations, Brazilian Portuguese.

1. Introdução

De acordo com Pancheva (2003), o aspecto perfect refere-se a um intervalo de tempo, conhecido como Perfect Time Span (PTS), que relaciona o momento do evento ao momento de referência,1 podendo combinar-se aos tempos passado, presente e futuro. A autora propõe a divisão do perfect em três tipos: perfect universal (PU), perfect resultativo (PRes) e perfect experiencial (PEx). Estes dois últimos são considerados por Pancheva (2003) como subtipos do perfect existencial (PE), que trata de uma situação que começou e terminou em um ponto no tempo, mas que possui efeitos relevantes em outro ponto posterior.

O PU diz respeito a uma situação que começou em um ponto no tempo e que continua até outro ponto, como em “Maria canta no bar desde 2000”. O PRes refere-se a uma situação que terminou em um ponto e que possui resultados relevantes em um ponto posterior na linha temporal, como em “Maria já fez o dever de casa”. O PEx, por fim, reflete uma situação finalizada em um ponto, sendo considerada como uma experiência passada em ponto posterior no tempo, como em “Maria já provou um vinho inglês”.

No que tange às realizações morfossintáticas do perfect associado ao passado no português do Brasil (PB), destaca-se o estudo piloto de Sant’Anna (2019). Nesse trabalho, foi investigada essa combinação temporo-aspectual em dados de fala espontânea a partir de sua divisão em dois tipos, PU e PE, e à luz do ordenamento de verbos em relação aos advérbios “ainda”, que veicula PU, e “já”, que veicula PE, conforme descrito por Nespoli (2018). Embora escassos, os resultados mostraram que o PU associado ao passado é veiculado pelo pretérito imperfeito, como em “Ela não sabia se aquele ônibus ainda ia pro Tijuca Off Shopping”, e o PE associado ao passado é veiculado pelo pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”, como em “Eu já tinha marcado com eles”. A identificação de morfologias distintas para a realização desses dois tipos de perfect foi tomada por Sant’Anna (2019) como evidência da dissociação entre dois sintagmas de perfect na representação sintática da sentença, o UPerfP (Sintagma de Perfect Universal), relacionado ao PU, e o EPerfP (Sintagma de Perfect Existencial), relacionado ao PE.

Tomando-se agora, nesta pesquisa, uma proposta de classificação do perfect em três tipos, PU, PRes e PEx, o objetivo geral deste estudo é investigar a representação sintática do aspecto perfect. Especificamente, objetiva-se investigar as realizações morfossintáticas de PU, PRes e PEx associados ao tempo passado e ao modo indicativo no PB. Com base nos resultados obtidos por Sant’Anna (2019), foram formuladas as seguintes hipóteses: (i) o PU associado ao tempo passado no PB é realizado morfologicamente apenas por meio do verbo principal conjugado no pretérito imperfeito; (ii) o PRes associado ao passado no PB é realizado morfologicamente apenas pelo pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”; e (iii) o PEx associado ao passado no PB é realizado morfologicamente apenas pelo pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”.

Este artigo está dividido desta forma: na segunda seção, dissertamos sobre o aspecto perfect, suas classificações e representação sintática; na terceira seção, discorremos sobre as realizações morfossintáticas no PB do perfect associado aos tempos presente e passado que estão a serviço desse aspecto; na quarta seção, descrevemos as etapas metodológicas adotadas neste estudo; na quinta seção, apresentamos os resultados obtidos; na sexta seção, discutimos e analisamos os resultados; e, por fim, na última seção, expomos as considerações finais desta pesquisa.

2. O aspecto perfect

A categoria funcional de aspecto, segundo Comrie (1976), refere-se às diferentes formas de se visualizar a constituição temporal interna de uma situação. O autor elenca dois tipos aspectuais básicos: gramatical e semântico. O aspecto gramatical, relevante para esta pesquisa, diz respeito à noção aspectual veiculada pelos elementos gramaticais que compõem a sentença, como a morfologia verbal e os advérbios / expressões adverbiais (Comrie, 1976; Cinque, 1999).

O aspecto perfect, um tipo de aspecto gramatical, é definido por Pancheva (2003) como um intervalo de tempo, conhecido como Perfect Time Span (PTS), que relaciona o momento do evento ao momento de referência. Dessa forma, esse aspecto evidencia a associação de uma situação a dois pontos no tempo. Comrie (1976) destaca que o perfect pode combinar-se aos tempos presente, passado e futuro, sendo sua associação com o passado o foco deste estudo. A Figura 1 contempla a representação do PTS da sentença “John had eaten the fish”, extraída de Comrie (1976, p. 53), que veicula perfect associado ao passado.

Representação do intervalo PTS da sentença “John had eaten the fish” (Comrie, 1976, p. 53)
Figura 1.
Representação do intervalo PTS da sentença “John had eaten the fish” (Comrie, 1976, p. 53)
Fonte: Elaborado pelos autores.

A Figura 1 mostra o intervalo PTS marcado pela fronteira à esquerda (FE), que indica o momento do evento (E), e pela fronteira à direita (FD), que indica o momento de referência (R). Na sentença em questão, observa-se que o evento de comer o peixe foi finalizado antes da chegada de João e que ambos ocorreram no tempo passado, ou seja, antes do momento da fala (F). Dessa forma, o intervalo de tempo dessa situação configura o perfect associado ao passado.

Levando em consideração que a literatura apresenta diferentes propostas de classificação do perfect, a divisão do perfect em três tipos, PU, PRes e PEx,2 proposta por Pancheva (2003) é a adotada nesta pesquisa. Destaca-se que as definições e os exemplos expostos a seguir concentram-se na associação do perfect com o tempo presente.

Segundo a autora, no PU, a eventualidade subjacente ao evento se mantém durante um intervalo de tempo, delimitado pelo tempo da enunciação e certo tempo no passado. O exemplo exposto em (1), extraído de Pancheva (2003, p. 277), ilustra esse tipo de perfect, uma vez que o evento de viver em LA começou em 2000 e persiste até o momento de referência no presente.

(1) Since 2000, Alexandra has lived in LA.

‘Desde 2000, Alexandra vive em LA.’

No PRes, segundo Pancheva (2003), o resultado da eventualidade subjacente se mantém no momento de enunciação. O exemplo apresentado em (2), extraído de Pancheva (2003, p. 277), veicula esse tipo de perfect, já que a situação de chegar em LA terminou no passado, mas possui um resultado no momento da enunciação.

(2) Alexandra has (just) arrived in LA.

‘Alexandra chegou/acabou de chegar em LA.’

Por fim, Pancheva (2003) explicita que, no PEx, a eventualidade subjacente da situação se mantém em um subconjunto adequado de um intervalo, estendendo-se para trás desde o momento da enunciação. O exemplo incluído em (3), extraído de Pancheva (2003, p. 277), ilustra esse tipo de perfect porque a situação de estar em LA ocorreu em um momento do passado e sua experiência é perceptível no momento da enunciação.

(3) Alexandra has been in LA (before).

‘Alexandra já esteve em LA (antes).

Desde Pollock (1989), tem-se assumido, na teoria gerativa, que distintos traços funcionais projetam sintagmas diferentes na representação sintática da sentença. Nessa direção, autoras como Alexiadou et al. (2003), Iatridou et al. (2003), Pancheva (2003), Nespoli (2018) e Rodrigues e Martins (2019), buscaram discutir a representação sintática do perfect tomando por base o(s) traço(s) funcional(is) desse aspecto.

Ao investigarem o perfect no inglês, língua em que todos os tipos podem ser realizados por uma mesma morfologia, Alexiadou et al. (2003), Iatridou et al. (2003) e Pancheva (2003) propõem que há apenas um sintagma na árvore sintática que abarca tal conhecimento: o PerfP.

Por outro lado, Nespoli (2018), ao estudar as realizações morfossintáticas do perfect em línguas românicas, defende a proposta de dissociação do perfect em dois sintagmas, sendo UPerfP para representar o PU e EPerfP para representar o PE. A partir dos resultados obtidos, a autora propõe que o sintagma de PU domine o sintagma de PE.

Por fim, em Rodrigues e Martins (2019), investigou-se a aquisição de perfect por crianças adquirindo o PB. Em suas discussões, as autoras propuseram a existência de três sintagmas para representar o perfect na árvore sintática, sendo UPerfP para representar o PU, ResPerfP para representar o PRes e ExPerfP para representar o PEx.3 A partir dos resultados obtidos, as autoras propõem que a hierarquia aspectual dos sintagmas de perfect seja ExPerfP > UPerfP > ResPerfP, como mostra a Figura 2 a seguir.

Representação sintática do aspecto perfect, segundo Rodrigues e Martins (2019)4
Figura 2.
Representação sintática do aspecto perfect, segundo Rodrigues e Martins (2019)4
Fonte: Adaptado de Rodrigues e Martins (2019, p. 180).

Tendo em vista que o estudo das realizações linguísticas das categorias funcionais universais aponta para o entendimento de como seus sintagmas estão estruturados sintaticamente (Cinque, 1999), na próxima seção, revisamos trabalhos que descrevem as realizações morfossintáticas do perfect no PB.

3. Realizações morfossintáticas do aspecto perfect no PB

Novaes e Nespoli (2014) e Jesus et al. (2017) mostram que o PU associado ao presente é veiculado por meio do passado composto (“ter” conjugado no presente + particípio passado do verbo principal), do presente simples e da perífrase progressiva constituída por um verbo auxiliar conjugado no presente + gerúndio do verbo principal. O exemplo em (4), adaptado de Jesus et al. (2017, p. 518), ilustra, respectivamente, a veiculação do PU associado ao presente por tais morfologias.

(4) Eu tenho morado / moro / estou morando aqui há 5 anos.

No que tange ao PE associado ao presente, Matos (2017) evidencia que veiculam essa combinação temporo-aspectual as morfologias de pretérito perfeito, quando combinado a uma informação adicional;5 a perífrase formada por “acabar” no pretérito perfeito + de + infinitivo; e o verbo cópula “estar” no presente acompanhado de um predicativo do sujeito. Os exemplos em (5), (6) e (7), extraídos de Matos (2017, pp. 24-25), ilustram as respectivas morfologias veiculadoras de PE associado ao presente.

(5) Eu já perdi bebê.

(6) Mas pensa naquela amiga/amigo que acabou de conseguir seu próprio espacinho, ama hip-hop e adora coisinhas pra decorar.

(7) Você com o cabelo muito bem cortado.

Se reanalisarmos os exemplos de Matos (2017) a partir de uma divisão do perfect em três tipos, podemos classificar a sentença em (5), em que se observa o uso do pretérito perfeito, como veiculadora de PEx e as sentenças em (6) e (7), em que se observa o uso das demais morfologias, como veiculadoras de PRes. Vale ressaltar que, ainda que não haja acima exemplos de PRes expresso por meio do pretérito perfeito, Rodrigues e Martins (2019) e Gomes (2020) argumentam que essa morfologia também pode veicular o PRes associado ao presente, como em “Susana já comeu o pedaço de bolo dela”. Destacamos que, na sentença em (7), ainda que o adjetivo “cortado” faça referência a “cabelo”, a interpretação subjacente à sentença é a de que “o seu cabelo está cortado”. Em outras palavras, a leitura veiculada pela sentença é a de resultado da situação no presente, a saber, o corte do cabelo.

Ao investigar as realizações morfossintáticas de PU e PE associados ao presente, Nespoli (2018) aponta que alguns advérbios/expressões adverbiais, quando combinados a formas verbais específicas, também se mostram a serviço do perfect. O Quadro 1 apresenta tais advérbios/expressões adverbiais que contribuem para essa veiculação.

Quadro 1.
Advérbios/expressões adverbiais que estão a serviço de PU e PE associados ao presente, segundo Nespoli (2018, p. 138)
Advérbio/Expressão adverbialTipo de perfect
Sempre/Nunca/Ainda/Até X tempo (no presente)Universal
Desde X tempo/Há/Faz X tempo/UltimamenteUniversal
Já/Nunca/Ainda nãoExistencial
Fonte: Adaptado de Nespoli (2018, p. 138)

Embora Nespoli (2018) elenque tais advérbios/expressões adverbiais a partir de uma investigação do perfect associado ao presente, o trabalho de Sant’Anna (2019) mostra que alguns advérbios também estão a serviço de PU e PE associados ao passado, como o “ainda” e o “já”.

Nota-se uma escassez de trabalhos sobre as realizações morfossintáticas de perfect associado ao passado no PB. Apesar de não descrever as formas verbais e adverbiais veiculadoras de perfect associado ao passado nessa língua, Nespoli (2018) aponta que o pretérito mais-que-perfeito-composto pode expressar essa combinação temporo-aspectual. A autora apresenta a sentença “João tinha comido o peixe” (Nespoli, 2018, p. 52), analisada nesta pesquisa como veiculadora de PRes associado ao passado com base no critério de definitude do DP complemento do verbo, exposto em Sant’Anna et al. (2022), segundo o qual, em sentenças veiculadoras de perfect existencial, esse DP, quando introduzido por um determinante definido, tende produzir a leitura de PRes e, quando introduzido por um determinante indefinido, tende produzir a leitura de PEx.

Na tentativa de minimizar essa lacuna quanto aos estudos de perfect associado ao passado no PB, Sant’Anna (2019) empreendeu um estudo piloto no qual investigou, a partir de dados exclusivamente de fala espontânea, as formas verbais que veiculam essa combinação temporo-aspectual quando combinadas aos advérbios “ainda” e “já”, que expressam, respectivamente, PU e PE.

Nos poucos resultados obtidos pela autora, foi observado que o PU é veiculado pelo pretérito imperfeito, como mostra o exemplo em (8), e que o PE é veiculado pelo pretérito mais-que-perfeito composto, como apresentado em (9). Os exemplos a seguir foram extraídos de Sant’Anna (2019, s. p.).

(8) Ela não sabia se aquele ônibus ainda ia pro Tijuca Off Shopping.

(9) Eu já tinha marcado com eles.

Os resultados expostos acima contribuíram para um mapeamento preliminar das realizações de perfect associado ao passado. Devido a esse motivo, reforçamos que as hipóteses deste trabalho baseiam-se nos achados de Sant’Anna (2019). Por outro lado, vale ressaltar que as lacunas existentes em tal estudo abrem margem para que se amplie a análise das realizações dessa combinação temporo-aspectual. Nesse sentido, esta pesquisa centra-se em investigar as realizações morfossintáticas de PU, PRes e PEx associados ao passado no PB por meio de uma coleta de dados não apenas de fala espontânea como também de métodos experimentais. Na próxima seção, descrevemos a metodologia adotada.

4. Metodologia

A fim de atingir os objetivos deste estudo, foram elaboradas duas etapas metodológicas. A primeira diz respeito à análise de fala espontânea e a segunda refere-se ao desenvolvimento e à aplicação de um teste de preenchimento de lacunas. Dentre o perfil geral dos participantes de ambas as etapas, foram selecionadas pessoas nascidas no estado do Rio de Janeiro, com idades entre 18 e 63 anos e com ensino superior completo e incompleto.

Na primeira etapa da metodologia, foram analisadas 5 horas e 18 minutos de fala espontânea provenientes do corpus em desenvolvimento do grupo de pesquisa certificado pelo CNPq Biologia da Linguagem (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5381496730312976). Nos dados, buscaram-se formas verbais e advérbios/expressões adverbiais que veiculavam PU, PRes e PEx quando associados ao passado.

Destaca-se que foram consideradas veiculadoras desses tipos de perfect as sentenças em que se podia verificar, pelo trecho de fala analisado, o estabelecimento de um intervalo PTS, conforme explicado na segunda seção deste artigo. Esse intervalo poderia ser depreendido por meio da identificação de um advérbio/expressão adverbial veiculador de perfect realizado foneticamente já descrito na literatura (Nespoli, 2018; Sant’Anna, 2019) ou por meio da análise do contexto linguístico em que aquela sentença foi produzida. Além disso, para a classificação das sentenças como veiculadoras de PRes ou de PEx, além da análise semântica das sentenças considerando-se a diferenciação entre esses dois tipos estabelecida por Pancheva (2003), levou-se em consideração a distinção entre eles em função do critério de definitude do DP complemento do verbo defendido por Sant’Anna et al. (2022).

Na segunda etapa da metodologia, foi desenvolvido e aplicado um teste off-line de preenchimento de lacunas contendo diálogos sobre narrativas no passado. No meio dos diálogos, havia 24 lacunas na posição de verbos com o verbo em sua forma infinitiva entre parênteses. O participante deveria, então, conjugar o verbo da forma que lhe parecesse mais adequada no contexto em questão. Mais especificamente, o teste era composto por quatro diálogos, contendo, cada um, seis lacunas, totalizando 24 lacunas em todo o experimento. Dessas, 8 eram lacunas inseridas em sentenças alvo e 16 em distratoras. Em todas as 24 sentenças com lacunas, havia um sujeito, um advérbio ou expressão adverbial, uma lacuna na posição verbal e um verbo no infinitivo entre parênteses, podendo, ou não, conter complemento verbal. Quanto às sentenças-alvo, quatro eram de PU, duas de PRes e duas de PEx.

Mais especificamente, as sentenças de PU foram constituídas pela presença da expressão adverbial do tipo “de/desde X tempo até X tempo” no início de cada sentença e do advérbio “ainda” antes da lacuna na posição do verbo, como ilustra o exemplo em (10). A escolha desse advérbio baseou-se nos achados de Nespoli (2018), Sant’Anna (2019) e Rodrigues e Martins (2019), que demonstram que “ainda” está a serviço do PU.

(10) Dessa idade até meus 14 anos eu ainda ___________ (ANDAR) com rodinhas.

As sentenças de PRes e PEx foram constituídas pela presença de uma oração subordinada adverbial temporal no início de cada sentença e do advérbio “já” antes da lacuna na posição de verbo, como apresentado respectivamente em (11) e (12). Assim como para a formação das sentenças de PU, escolhemos esse advérbio a partir dos achados de Nespoli (2018), Sant’Anna (2019) e Rodrigues e Martins (2019), que demonstram que “já” está a serviço do PE, valor aspectual que abarca tanto PRes quanto PEx.

(11) Quando eu tentei pedir pra ele não comer a última fatia do meu bolo de aniversário, eu vi que ele já ___________ (COMER).

(12) Quando a Elsa contou que foi pra Alemanha, você disse que já ___________ (VIAJAR) pra lá.

Destacamos que os quatro diálogos continham como primeira lacuna a ser preenchida uma lacuna distratora. As lacunas-alvo eram dispostas nos diálogos de maneira randomizada, separadas ora por uma sentença distratora, ora por uma fala do diálogo sem lacunas.

No que tange aos procedimentos adotados na implementação dessa segunda etapa da metodologia, esclarece-se que o teste de preenchimento de lacunas foi divulgado por meio das redes sociais Facebook, Instagram, Whatsapp e e-mail, e a realização específica do teste ocorreu pelo Google Forms. Além disso, antes da realização da tarefa, os participantes leram uma descrição sobre a pesquisa, os pesquisadores por ela responsáveis e a tarefa a ser realizada e assinalaram uma caixa de texto que correspondia, neste teste, a um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.6 Destaca-se que o teste de preenchimento de lacunas foi realizado por 62 participantes, sendo consideradas as respostas de 61 participantes.7 Na próxima seção, são expostos os resultados encontrados nas duas etapas metodológicas.

5. Resultados

Nesta seção, são apresentados os resultados obtidos, primeiramente, por meio da análise de fala espontânea e, em seguida, pela aplicação do teste de preenchimento de lacunas.

A partir da análise de corpus, foram observadas morfologias e advérbios/expressões adverbiais que se mostraram a serviço do perfect associado ao passado. Foram contabilizadas 2 ocorrências de PU, 17 ocorrências de PRes e 17 ocorrências de PEx. No que tange ao PU, as duas ocorrências encontradas caracterizavam-se pelo uso da morfologia de pretérito imperfeito, como ilustrado no exemplo em (13).

(13) A gente tava... Eu estudava no curso de Inglês ainda, aí aula de sexta feira, aula extra.

Quanto aos advérbios/expressões adverbiais que contribuem na veiculação de PU, foi encontrada uma ocorrência do advérbio “ainda”, como mostra o exemplo em (13), e uma ocorrência da expressão adverbial “há X tempo”, como exemplificado na sentença exposta em (14).

(14) Ele já tava há muitos anos e eles botaram pra... nem sei se o limite aumentou não.

À guisa de ilustração, apresentamos, na Figura 3, o intervalo PTS da sentença em (13), em que é possível observar a relação entre dois pontos no tempo. Neste exemplo, vemos que a FE, que indica o momento do evento (E), é marcada pela ação de estudar e a FD, que indica o momento de referência (R), é marcada pelo advérbio “ainda”. Como os dois pontos estão localizados antes do momento da fala (F) e como é possível perceber uma continuidade da situação, o exemplo em questão refere-se ao PU associado ao passado.

Representação do intervalo PTS do exemplo em (13)
Figura 3.
Representação do intervalo PTS do exemplo em (13)
Fonte: Elaborado pelos autores.

Foram encontradas 17 ocorrências de veiculação do PRes. A morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” foi encontrada em 15 ocorrências, como mostra o exemplo em (15); a perífrase “acabar” no pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” + preposição “de” + infinitivo do verbo principal foi encontrada em uma ocorrência, como ilustra o exemplo em (16); e a morfologia de pretérito perfeito foi encontrada em uma ocorrência, como apresentado em (17).

(15) Aí, quando eu olhei pra trás, o amigo da Amanda tinha soltado ela.

(16) Na verdade a gente já tinha saído do aeroporto, na verdade, tinha acabado de sair, mas aí tá com a cabeça quente, né gente?

(17) Aí a gente tipo assim, antes de eu ir pra lá, a gente fechou que a gente ia conhecer a Itália, acho que eu tinha te falado...

Quanto aos advérbios/expressões adverbiais que contribuem na veiculação de PRes, foram encontradas seis ocorrências do advérbio “já”, como ilustrado em (18), e uma ocorrência da expressão adverbial “ainda não”, em sua variante “ainda nem”, como apresentado em (19). Ambas as ocorrências de advérbio/expressão adverbial estavam combinadas à morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”.

(18) Na verdade a gente já tinha saído do aeroporto, na verdade, tinha acabado de sair, mas, aí tá com a cabeça quente, né gente?

(19) E Adele nem tinha lançado cd dela ainda senão eu tava morta em algum lugar aí...

A fim de compreender a veiculação de PRes nessas sentenças, na Figura 4 a seguir, apresentamos o intervalo PTS a partir do exemplo exposto em (15). Nesse caso, observa-se que a situação ocorre no passado, uma vez que E e R encontram-se posicionados antes de F. O evento de “soltar a Amanda”, que marca a FE, é finalizado antes do evento de “olhar pra trás”, que marca a FD, e observa-se a leitura de resultatividade daquele evento neste. Dessa forma, o PRes associado ao passado está sendo veiculado.

Representação do intervalo PTS do exemplo em (15)
Figura 4.
Representação do intervalo PTS do exemplo em (15)
Fonte: Elaborado pelos autores.

Foram encontradas 17 ocorrências em que se veiculava PEx, as quais foram realizadas por meio da morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”, como no exemplo em (20).

(20) Ela já era amiga do Rodolfo quando ela descobriu que a mãe dela também tinha sido.

Quanto aos advérbios/expressões adverbiais que contribuem na veiculação de PEx, foram encontradas quatro ocorrências do advérbio “já”, como ilustrado em (21), e quatro ocorrências do advérbio “nunca”,8 como apresentado em (22).

(21) E já tinha ganho também uma vez.

(22) A Elke Maravilha quando veio pra cá, ela fala que ela chegou eu acho que em Santos de navio e ela nunca tinha visto uma pessoa negra...

Na Figura 5 a seguir, apresentamos o intervalo PTS a partir do exemplo exposto em (20). Nesse caso, o PTS abarca um evento ocorrido no passado, uma vez que E e R estão posicionados antes de F. O evento de “a mãe dela ser amiga de Rodolfo”, que marca a FE, é finalizado antes do evento de “ela descobrir a amizade da mãe dela com o Rodolfo”, que marca a FD, e observa-se a leitura de experiência daquele evento neste. Dessa forma, o PEx associado ao passado está sendo veiculado.

Representação do intervalo PTS do exemplo em (20)
Figura 5.
Representação do intervalo PTS do exemplo em (20)
Fonte: Elaborado pelos autores.

No que se refere aos resultados do teste de preenchimento de lacunas, foram obtidas 244 respostas para as 4 lacunas de PU, 122 respostas para as 2 lacunas de PRes e 122 respostas para as 2 lacunas de PEx.

Dentre as 244 respostas de PU, a morfologia de pretérito imperfeito foi utilizada em 211 lacunas; a morfologia “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio, em 1 lacuna; a morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”, em 1 lacuna; a morfologia de presente simples, em 11 lacunas, a morfologia de pretérito perfeito, em 16 lacunas; a morfologia de futuro do pretérito, em 3 lacunas; e a morfologia de “ir” no pretérito imperfeito + infinitivo, em 1 lacuna, como demonstram, respectivamente, as formas verbais em negrito em (23).

(23) A melhor parte é que depois disso uma bailarina do Faustão chegava na cozinha pedindo pra gente preparar logo o show dela, porque de 2008 até 2019 ela ainda dançava / estava dançando / tinha dançado / dança / dançou / dançaria / ia dançar sozinha, mas neste ano de 2020 ela decidiu dançar com convidados.

Na análise do PTS da sentença em (23), disposta na Figura 6 a seguir, o evento de “dançar sozinha” tem seu início marcado na FE do intervalo PTS e sua continuidade até a FD desse intervalo, marcada pelo advérbio “ainda” e pela expressão adverbial “até 2019”. Observa-se que tanto E quanto R encontram-se antes de F, o que caracteriza uma situação ocorrida no passado. Dessa forma, destacamos que aí há a veiculação de PU associado ao passado.

Representação do intervalo PTS do exemplo em (23)
Figura 6.
Representação do intervalo PTS do exemplo em (23)
Fonte: Elaborado pelos autores.

De acordo com nossas análises, apenas as morfologias de pretérito imperfeito e “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio empregadas pelos participantes nas lacunas-alvo que eliciavam o PU associado ao passado enquadram-se como veiculadoras dessa combinação temporo-aspectual. Sendo assim, as demais morfologias obtidas na condição de PU, a saber, pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”, presente simples, pretérito perfeito, futuro do pretérito e “ir” no pretérito imperfeito + infinitivo, não são consideradas veiculadoras de PU associado ao passado pelo fato de, através delas, não ser possível derivar a interpretação de relação temporal explicitada no intervalo PTS presente na Figura 6.

Mais especificamente, o pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” e o pretérito perfeito implicam na finalização da situação, sem haver possibilidade de que essa continue até a FD. A morfologia de futuro do pretérito e “ir” no pretérito imperfeito + infinitivo expressam a noção de condicionalidade e não a relação entre dois pontos no passado. Por fim, o presente simples faz com que o intervalo de tempo se mantenha até o tempo presente, logo, essa morfologia não veicula perfect associado ao passado, mas ao presente, fora de nosso escopo de investigação.

Dentre as 122 respostas de PRes, foram consideradas 116.9 A morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” foi utilizada em 88 lacunas; a morfologia de pretérito perfeito, em 14 lacunas; a morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “haver”, em 7 lacunas – como demonstram, respectivamente, as formas verbais em negrito em (24)–; a morfologia de pretérito mais-que-perfeito simples, em 3 lacunas; a morfologia de pretérito imperfeito, em 3 lacunas; e a morfologia de presente simples, em 1 lacuna –como demonstram, respectivamente, as formas verbais em negrito em (25)–.

(24) Quando eu tentei pedir pra ele não comer a última fatia do meu bolo de aniversário, eu vi que ele já tinha comido / comeu / havia comido.

(25) Antes de eu vir pra cá hoje, ela já saíra / saía / sai pro trabalho.

Na análise do PTS da sentença em (24), disposta na Figura 7 a seguir, tanto E (“comer a fatia de bolo”) quanto R (“tentar pedir para ele não comer a fatia do bolo”) estão posicionados antes de F. Além disso, embora o primeiro ponto do intervalo PTS finalize antes do segundo ponto, visualiza-se a relevância daquele ponto neste, o que caracteriza PE. Devido ao fato de o efeito resultante em R ser um produto, a saber, o bolo comido, tal situação possui a leitura aspectual de resultatividade. Assim, nessa sentença, há veiculação de PRes associado ao passado.

Representação do intervalo PTS do exemplo em (24)
Figura 7.
Representação do intervalo PTS do exemplo em (24)
Fonte: Elaborado pelos autores.

Segundo nossas análises, apenas as morfologias de pretérito mais-que-perfeito composto com os auxiliares “ter” e “haver”, pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito simples empregadas pelos participantes nas lacunas-alvo que eliciavam o PRes associado ao passado enquadram-se como veiculadoras dessa combinação temporo-aspectual. Logo, as demais morfologias obtidas nessa condição, a saber, pretérito imperfeito e presente simples, não são consideradas veiculadoras de PRes associado ao passado, uma vez que, através delas, não se pode derivar a interpretação de relação temporal explicitada no intervalo PTS presente na Figura 7.

Mais especificamente, o pretérito imperfeito pressupõe a continuidade da situação entre dois pontos no tempo, e não a relevância, o que descarta tal morfologia como veiculadora de PRes associado ao passado. A forma de presente simples, por sua vez, não relaciona pontos no passado.

Dentre as 122 respostas de PEx, foram consideradas 119.10 A morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” foi utilizada em 81 lacunas; a morfologia de pretérito perfeito, em 23 lacunas; a morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “haver”, em 8 lacunas – como demonstram, respectivamente, as formas verbais em negrito em (26) –; a morfologia de pretérito imperfeito, em 5 lacunas; e a morfologia de pretérito mais-que-perfeito simples, em 2 lacunas –como demonstram, respectivamente, as formas verbais em negrito em (27)–.

(26) Menina, tu não sabia que, quando a Dona Leopoldina chegou no Brasil, o Dom Pedro já tinha engravidado / engravidou / havia engravidado várias mulheres?!

(27) Vejo aqui que, em uma das conversas, quando a Elsa contou que foi pra Alemanha, você disse que já viajava / viajara pra lá.

Como mostra a análise do PTS da sentença em (26), disposto na Figura 8 a seguir, os pontos E (“Dom Pedro engravidar várias mulheres”) e R (“Chegada de Dona Leopoldina no Brasil”) localizam-se à esquerda do ponto F. O primeiro ponto do intervalo PTS é finalizado antes do segundo ponto desse intervalo, mas é gerado um efeito daquele ponto neste, o que indica PE. Mais especificamente, temos a leitura de experiência do evento sendo veiculada. Então, nessa sentença, há veiculação de PEx associado ao passado.

Representação do intervalo PTS do exemplo em (25)
Figura 8.
Representação do intervalo PTS do exemplo em (25)
Fonte: Elaborado pelos autores.

Em nossas análises, apenas as morfologias de pretérito mais-que-perfeito composto com os auxiliares “ter” e “haver”, pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito simples empregadas pelos participantes nas lacunas-alvo que eliciavam o PEx associado ao passado enquadram-se como veiculadoras dessa combinação temporo-aspectual. A morfologia de pretérito imperfeito, também obtida nessa condição, apenas pode indicar a continuidade da situação entre dois pontos no tempo, não sendo considerada veiculadora de PEx associado ao passado, uma vez que, por meio dela, não se pode derivar a interpretação de relação temporal explicitada no intervalo PTS presente na Figura 8.

A partir disso, sintetizamos as morfologias que foram consideradas como veiculadoras de PU, PRes e PEx associados ao passado observadas no teste de preenchimento de lacunas. Tal sistematização encontra-se disposta no Gráfico 1 a seguir.

Realizações morfológicas de PU, PRes e PEx associados ao passado no teste de preenchimento de lacunas
Gráfico 1.
Realizações morfológicas de PU, PRes e PEx associados ao passado no teste de preenchimento de lacunas
Fonte: Elaborado pelos autores.

A próxima seção contempla a discussão dos resultados obtidos em ambas as etapas da metodologia descritos nesta seção.

6. Discussão

A partir dos resultados obtidos na análise de fala espontânea e no teste de preenchimento de lacunas, no Quadro 2, expõe-se o resumo das morfologias veiculadoras de PU, PRes e PEx associados ao passado.

Quadro 2.
Resumo das morfologias veiculadoras de PU, PRes e PEx associados ao passado no PB
Morfologias de PUMorfologias de PResMorfologias de PEx
Pretérito imperfeitoPretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliares “ter” e “haver”)Pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliares “ter” e “haver”)
“Estar” no pretérito imperfeito + gerúndioPretérito perfeitoPretérito perfeito
Pretérito mais-que-perfeito simplesPretérito mais-que-perfeito simples
“Acabar” no pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliar “ter”) + preposição “de” + infinitivo
Fonte: Elaborado pelos autores.

A partir dos resultados obtidos, as hipóteses (i), (ii) e (iii) deste estudo foram refutadas. Em relação à primeira, que previa que o PU associado ao tempo passado no PB seria realizado morfologicamente apenas por meio do verbo principal conjugado no pretérito imperfeito, destaca-se que, além dessa, foi encontrada também a utilização da perífrase progressiva formada por “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio. Em relação à segunda e à terceira, que previam, respectivamente, que o PRes e o PEx associados ao passado no PB seriam realizados morfologicamente apenas pelo pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”, destaca-se que, além dessa, foram encontradas também as formas de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “haver”, de pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito simples como veiculadoras de PRes e PEx. Além disso, ainda foi encontrada a perífrase “acabar” no pretérito-mais-que-perfeito composto (com auxiliar “ter”) + preposição “de” + infinitivo veiculando apenas PRes.

No que tange aos dados obtidos de PU, observamos que a forma verbal mais utilizada tanto na análise de fala espontânea quanto no teste de preenchimento de lacunas foi a de pretérito imperfeito. Tal informação, somada à de que essa morfologia também foi encontrada por Sant’Anna (2019) ao analisar outro corpus do PB, parece evidenciar que o pretérito imperfeito seja a morfologia prototípica para veiculação de PU associado ao passado. Além disso, embora a perífrase formada por “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio tenha sido encontrada exclusivamente nos resultados do teste de preenchimento de lacunas e em apenas uma ocorrência, reitera-se que essa forma verbal parece também estar a serviço dessa combinação temporo-aspectual.

Também vale discutir que o advérbio “ainda” contribui para a veiculação do PU tanto associado ao passado, de acordo com os resultados da análise de corpus e do teste deste trabalho e dos dados de Sant’Anna (2019), quanto associado ao presente, de acordo com os dados de Nespoli (2018), Rodrigues e Martins (2019) e Gomes et al. (2021). Por isso, consideramos que o advérbio “ainda” seja prototípico para a veiculação do PU no PB.

Além disso, Nespoli (2018) propõe que o PU associado ao presente seja veiculado unicamente por morfologias imperfectivas. Analisando os dados deste trabalho, é possível estender a proposta da autora também ao PU associado ao passado, uma vez que encontramos as formas imperfectivas de pretérito imperfeito e “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio veiculando essa combinação. Nesse sentido, consideramos que os resultados deste estudo também estejam em consonância com a defesa de Iatridou et al. (2003) e Nespoli (2018) de que o traço [-delimitado], que diz respeito à noção aspectual de imperfectividade no núcleo do Sintagma de Aspecto Gramatical (AspP), é checado na veiculação de PU.

No que tange aos dados obtidos relacionados ao PRes, como a morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” foi a mais encontrada para a expressão desse tipo de perfect, tanto nos dados do corpus quanto nos dados do teste, discutimos que essa parece ser a forma verbal prototípica para a expressão do PRes associado ao passado no PB na modalidade oral. Ademais, tal morfologia já havia sido descrita por Nespoli (2018) e discutida por Sant’Anna (2019) em dados de fala espontânea em relação ao PE associado ao passado.

Além disso, observa-se que as morfologias de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “haver” e pretérito mais-que-perfeito simples, também utilizadas na veiculação de PRes, foram encontradas apenas em dados do teste e em um número menor, se comparadas à quantidade de ocorrências do pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”.

Callou e Avelar (2021) descrevem que, na modalidade oral, as formas verbais que utilizam o auxiliar “haver” têm sido substituídas por aquelas que utilizam o auxiliar “ter”. Na mesma direção, Gonçalves (1993) já apontava que o pretérito mais-que-perfeito simples não é utilizado na fala dos falantes nativos do PB. Portanto, argumentamos que a presença de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “haver” e de pretérito mais-que-perfeito simples nos resultados do teste de preenchimento de lacunas desta pesquisa reflete um processo de escolarização e um alto monitoramento dos falantes em contexto linguístico de teste escrito.

Ainda sobre a expressão do PRes, também foi verificada a forma de pretérito perfeito em ambas as etapas da metodologia, mesmo que em menos dados, se a compararmos com a morfologia de pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliar “ter”). Tal informação parece estar em consonância com a tendência que se verifica no PB, de acordo com Coan (1997), Jesus et al. (2017), Sant’Anna et al. (2019) e Medeiros et al. (2023), e no inglês, de acordo com Bowie et al. (2013), segundo a qual formas verbais complexas podem ser substituídas por formas verbais simples.

Mesmo com a quantidade reduzida de dados da perífrase formada por “acabar” no pretérito-mais-que-perfeito composto (com auxiliar “ter”) + preposição “de” + infinitivo, observou-se que o PRes associado ao passado também é expresso por tal morfologia. Tais dados podem ainda ser comparados com a perífrase formada por “acabar” no pretérito perfeito + preposição “de” + infinitivo, encontrada por Matos (2017): enquanto aquela perífrase veicula PRes associado ao passado, esta veicula PE associado ao presente.

No que tange aos dados obtidos de PEx, foi encontrada apenas a forma verbal de pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter” nos dados do corpus e essa foi a forma verbal mais empregada nas sentenças que eliciavam esse tipo de perfect no teste linguístico. Desse modo, essa morfologia parece ser a prototípica para a expressão do PEx associado ao passado na modalidade oral, assim como destacado sobre a veiculação de PRes. Nos dados do teste de preenchimento de lacunas, foi evidenciado que o PEx também pode ser veiculado por meio de outras formas verbais: pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “haver”, pretérito mais-que-perfeito simples e pretérito perfeito.

Se compararmos os resultados de PRes e PEx, encontramos morfologias em comum à veiculação dos dois tipos de PE: pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliares “ter” e “haver”), pretérito mais-que-perfeito simples e pretérito perfeito. Ainda assim, a perífrase formada por “acabar” no pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliar “ter”) + preposição “de” + infinitivo foi encontrada realizando apenas PRes. De fato, o uso dessa morfologia parece permitir apenas a leitura de resultatividade, evitando a interpretação de experiência, mesmo em sentenças em que o sentido básico do verbo direcione a uma ideia de experiência, como “João tinha acabado de experienciar a aventura mais marcante de sua vida”, em que se tem sobretudo a leitura de que a aventura experienciada é o resultado da situação descrita.

Assim como foi observado em relação aos dados de PU, os dados referentes ao PRes e ao PEx deste trabalho corroboram a proposta de Iatridou et al. (2003) e Nespoli (2018), segundo a qual o PE é realizado por morfologias perfectivas, como evidenciado neste estudo. Nesse sentido, consideramos que os resultados deste estudo também estão em consonância com a proposta dessas autoras de que o traço [+delimitado], que diz respeito à noção aspectual de perfectividade no núcleo de AspP, é checado na veiculação de PE (seja PRes ou PEx).

Além disso, os resultados desta pesquisa mostram que o uso do auxiliar “haver” no pretérito imperfeito + particípio (aqui chamado de “pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “haver””), em sentenças como “Menina, tu não sabia que, quando a Dona Leopoldina chegou no Brasil, o Dom Pedro já havia engravidado várias mulheres?!”, veicula perfect associado ao passado. De igual modo, os dados de Medeiros et al. (2023) mostram que o uso do auxiliar “haver” no futuro + particípio, em sentenças como “Quando eu chegar, ele já haverá ficado umas 5 horas sozinho” (Medeiros et al., 2023), veicula perfect associado ao futuro. Entretanto, o uso do auxiliar “haver” no presente + particípio, em sentenças como “*João há cantado no bar”, além de não possibilitar a veiculação de perfect no PB, também se mostra agramatical nessa língua. Uma hipótese a ser investigada é se a evolução diacrônica dessa perífrase verbal justifica a agramaticalidade deste exemplo e a impossibilidade de veiculação de perfect neste caso. Em especial, vale destacar que “ter” / “haver” no passado + particípio, bem como “ter” / “haver” no futuro + particípio veiculam o valor de perfect existencial, ou seja, retratam uma situação que ocorre em um período de tempo e tem relevância em um ponto temporal posterior. Por outro lado, “ter” no presente + particípio (passado composto) expressa perfect universal, ou seja, uma situação que começa em um ponto do tempo e continua em outro ponto posterior. Tal panorama evidencia um comportamento diferente do PB frente a outras línguas românicas. Nespoli (2018) indica que, no espanhol, no francês e no italiano, o passado composto veicula perfect existencial, e não perfect universal. O comportamento diferenciado observado no PB parece ser decorrente de um processo de mudança linguística. Segundo Hricsina (2017), o passado composto no PB, entre os séculos XIV e XVII, expressava exclusivamente os processos ocorridos antes do momento da enunciação, ou seja, pretérito, e apenas eventualmente servia para relatar situações que tinham uma relação com o presente. A partir do século XVIII, começam a ser observadas ocorrências de uso dessa forma verbal expressando ações iterativas, que envolviam a recorrência da situação em tempo presente. Sendo assim, no processo de mudança linguística do PB, tal forma verbal passou a expressar apenas este valor, deixando de veicular a informação de passado sem relação com o presente11.

No que se refere aos advérbios/expressões adverbiais que contribuem na veiculação dos dois tipos de PE, foram encontrados os advérbios “já” e “nunca” contribuindo para a expressão do PRes e o advérbio “já” e a expressão adverbial “ainda não” contribuindo para a expressão do PEx. Apesar de não diferenciarem PRes e PEx, estudos sobre o perfect associado aos tempos presente e futuro também apontam uma contribuição do “já” para veiculação de PE (Nespoli, 2018; Medeiros et al., 2023). Neste estudo, como o advérbio “já” mostra-se a serviço dos dois tipos de PE, defendemos que este seja o advérbio prototípico para a expressão tanto de PRes quanto de PEx.

De acordo com Nespoli (2018), um dos critérios para discutir a dissociação dos sintagmas de perfect na árvore sintática diz respeito às distintas realizações morfológicas associadas a cada um de seus tipos. Nesse sentido, como verificamos que o pretérito imperfeito e a perífrase formada por “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio são utilizadas apenas para a expressão de PU, argumentamos que PU deva estar dissociado na representação sintática da sentença, tal como defendido por Nespoli (2018) e Rodrigues e Martins (2019). Na mesma direção, como encontramos a perífrase formada por “acabar” no pretérito-mais-que-perfeito composto (com auxiliar “ter”) + preposição “de” + infinitivo a serviço unicamente da veiculação do PRes, argumentamos que PRes deva estar também dissociado na representação sintática. Assim, os dados deste trabalho corroboram a proposta de Rodrigues e Martins (2019) acerca da representação de perfect na árvore sintática por meio de três sintagmas: UPerfP, ResPerfP e ExPerfP.12

7. Considerações finais

O objetivo desta pesquisa foi investigar as realizações morfossintáticas de PU, PRes e PEx associados ao tempo passado e ao modo indicativo no PB. Para tanto, foram analisadas 5 horas de fala espontânea presente no corpus em desenvolvimento do grupo de pesquisa Biologia da Linguagem e foi elaborado um teste de preenchimento de lacunas, aplicado a 62 falantes nativos dessa língua. As hipóteses do estudo, que previam que, no PB, o PU associado ao passado seria realizado morfologicamente apenas por meio do verbo conjugado no pretérito imperfeito e o PRes e o PEx associados ao passado seriam realizados morfologicamente apenas pelo pretérito mais-que-perfeito composto com auxiliar “ter”, foram refutadas.

Os resultados evidenciaram que o PU associado ao passado é veiculado por meio da morfologia de pretérito imperfeito e da perífrase “estar” no pretérito imperfeito + gerúndio. O PRes associado ao passado é veiculado por meio das morfologias de pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliares “ter” e “haver”), pretérito perfeito, pretérito mais-que-perfeito simples e “acabar” no pretérito-mais-que-perfeito composto (com auxiliar “ter”) + preposição “de” + infinitivo. Por fim, o PEx associado ao passado é veiculado por meio das morfologias de pretérito mais-que-perfeito composto (com auxiliares “ter” e “haver”), pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito simples. Argumentou-se que a forma verbal considerada prototípica para a expressão do PU é o pretérito imperfeito e, para a expressão do PRes e do PEx, o pretérito mais-que-perfeito composto com o auxiliar “ter”.

Também foram encontrados o advérbio “ainda” e a expressão adverbial “há X tempo” a serviço do PU; os advérbios “já” e “nunca” a serviço do PRes; e o advérbio “já” e a expressão adverbial “ainda não” a serviço do PEx. Discutiu-se, então, que o advérbio “ainda” parece ser prototípico para a veiculação do tipo universal e o advérbio “já”, para a veiculação dos tipos resultativo e experiencial.

Os dados deste trabalho seguem na direção da proposta de Iatridou et al. (2003) e Nespoli (2018), segundo a qual o PU é realizado por morfologias imperfectivas e o PE por morfologias perfectivas. Além disso, os resultados deste estudo parecem corroborar a proposta de Rodrigues e Martins (2019) de representação sintática do perfect, segundo a qual há três sintagmas para representar o perfect na árvore sintática: UPerfP, RespP e ExPerfP.

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Notas

1 Segundo Reichenbach (1947), a descrição de uma eventualidade pode ser realizada considerando três pontos no tempo: o momento da fala, o momento do evento e o momento de referência. O momento da fala diz respeito ao momento em que se enuncia o evento, enquanto o momento do evento determina o momento em que o evento começa. O momento de referência, por fim, diz respeito ao momento em que se é possível relacionar o momento da fala com o momento do evento.
2 Segundo Pancheva (2003), a diferença entre eles reside na afirmação de que a leitura de experiência é a única que pode emergir em situações atélicas. Outros autores como Mittwoch (1988) e Sant’Anna et al. (2022) elencam ainda outros critérios para diferenciá-los, de modo que tal temática levanta ainda questionamentos na literatura.
3 Embora Rodrigues e Martins (2019) utilizem a nomenclatura “RePerfP” para representar o sintagma de PRes, neste artigo optamos por utilizar a nomenclatura “ResPerfP” para designar esse sintagma a fim de estabelecer maior correspondência entre o tipo de perfect que se faz referência e seu respectivo sintagma, tal como adotado por Gomes (2020).
4 A partir do exposto na Figura 2, visualiza-se que o sintagma de Perfect Experiencial (ExPerfP) domina o Sintagma de Perfect Universal (UPerfP), que por sua vez domina o Sintagma de Perfect Resultativo (ResPerfP).
5 Advérbios / expressões adverbiais são considerados informações adicionais.
6 O conteúdo de tal caixa de texto era: “Por meio desta, declaro, para os devidos fins, que conheço as condições e regras da tarefa, minha participação voluntária e meus direitos com relação à interrupção da tarefa a qualquer momento”.
7 As respostas de um participante foram excluídas por este não ter atendido ao comando da tarefa.
8 Uma das ocorrências do advérbio “nunca” foi realizada pela dupla negação “nunca nem”.
9 Excluímos seis respostas que formavam sentenças agramaticais, tais como “*Antes de eu vir pra cá hoje, ela já saíste (sair) pro trabalho” e “*Quando eu tentei pedir pra ele não comer a última fatia do meu bolo de aniversário, eu vi que ele já comido (comer)”.
10 Excluímos três respostas que formavam sentenças agramaticais, tais como “*Menina, tu não sabia que, quando a Dona Leopoldina chegou no Brasil, o Dom Pedro já engravidaste (engravidar) várias mulheres?!” e “*Menina, tu não sabia que, quando a Dona Leopoldina chegou no Brasil, o Dom Pedro já engravidando (engravidar) várias mulheres?!”.
11 A presença do auxiliar “haver” no presente paulatinamente veio deixando de fazer parte da construção de passado composto, conforme Hricsina (2017). Apesar de ainda ser encontrado nas ocorrências de combinação com particípio quando em tempo passado e futuro, tais dados parecem indicar um grau alto de escolarização e formalidade nas respostas, já que tal forma não tem sido mais usada frequentemente na oralidade, indicando que a mudança linguística observada para o tempo presente poderá estender-se aos tempos passado e futuro.
12 Os dados deste estudo, apesar de mostrarem evidências para dissociação entre PU, PRes e PEx, não nos possibilitam argumentar acerca da hierarquia entre seus sintagmas. Em função disso, adota-se a proposta já descrita por Rodrigues e Martins (2019), em que se advoga que ExPerfP domine UPerfP e este domine ResPerfP, como apresentado na Figura 2.
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