Desde los estudios étnicos, culturales, de género y ambientales

Preconceito na campanha antimodernista do jornal A Gazeta de São Paulo (1921-1922)

Prejuicio en la campaña antimodernista del periódico A Gazeta de São Paulo (1921-1922)

Prejudice in the Anti-modernist Campaign of the Newspaper A Gazeta de São Paulo (1921-1922)

Jorge Israel Ortiz Vergara 1
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Preconceito na campanha antimodernista do jornal A Gazeta de São Paulo (1921-1922)

Revista Humanidades, vol. 14, núm. 1, e54657, 2024

Universidad de Costa Rica

Recepción: 29 Marzo 2023

Aprobación: 14 Agosto 2023

Resumo: O objetivo do presente artigo é a verificação da existência e a análise do preconceito na campanha do jornal A Gazeta de São Paulo contra o movimento modernista entre 1921 e 1922. Os textos foram encontrados por meio de pesquisa com palavras-chave na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Brasil. A Gazeta produziu distintos tipos de textos jornalísticos e veiculou capacitismo, homofobia, misoginia e racismo. O jornal empregou pejorativamente termos musicais vinculados à cultura negra, indígena e popular. Durante a campanha vários artistas foram mencionados, mas entre os autores que os jornalistas criticaram e injuriaram destaca-se o modernista Mário de Andrade. O autor deste informe fez análise de textos com preconceito explícito e registrou considerações sobre o caráter e alguns efeitos do preconceito. A análise da “reação antifuturista” revela a incipiente recepção de Andrade e do movimento modernista, o uso do preconceito no debate artístico, e a construção social do preconceito.

Palavras-chave: preconceito, jornalismo, crítica de arte, Brasil.

Resumen: El objetivo del presente artículo es la verificación de la existencia y el análisis del prejuicio en la campaña del periódico A Gazeta de São Paulo contra el movimiento modernista entre 1921 y 1922. Los textos fueron encontrados gracias a una investigación con palabras clave en la Hemeroteca Digital de la Biblioteca Nacional de Brasil. Peyorativamente, se determinó que A Gazeta produjo distintos tipos de textos periodísticos y divulgó contenido capacitista, homofóbico, misógino y racista. Además, los términos musicales se relacionaron despectivamente con la cultura negra, indígena y popular. Durante la campaña, varios artistas fueron mencionados, incluyendo el modernista Mário de Andrade, quien fue ampliamente criticado y perjuriado. Por lo tanto, se concluyó que el autor de este informe realizó análisis de textos con prejuicio explícito y registró consideraciones sobre el carácter y algunos efectos del prejuicio. El análisis de la “reacción antifuturista” revela la temprana recepción de Andrade y del movimiento modernista, el uso del prejuicio en el debate artístico y la construcción social del prejuicio.

Palabras clave: prejuicio, periodismo, crítica de arte, Brasil.

Abstract: The purpose of this article is to verify the existence and analyze the prejudiced content of the newspaper A Gazeta de São Paulo’s campaign against the modernist movement between 1921 and 1922. The texts were found by searching with keywords in the Digital Newspaper Library of the National Library of Brazil. It was determined that A Gazeta produced different types of journalistic texts that conveyed ableism, homophobia, misogyny, and racism. In addition, musical terms were derogatorily linked to black, indigenous, and popular culture. During the campaign, several artists were mentioned, including modernist Mário de Andrade, who was criticized and reviled. Therefore, it was established that the author analyzed texts with explicit prejudice and recorded considerations about the character and effects of prejudice. The analysis of the “anti-futurist reaction” reveals the incipient reception of Andrade and the modernist movement, the use of prejudice in the artistic debate, and the social construction of prejudice.

Keywords: prejudice, journalism, art criticism, Brazil.

1. Introdução

O objeto do presente informe é a campanha antimodernista do jornal A Gazeta de São Paulo entre 1921 e 1922. Interessa demonstrar a existência e analisar o conteúdo preconceituoso da mesma. Sátira, humor, artigo de opinião, crítica musical e literária: A Gazeta divulgou múltiplos textos com conteúdo preconceituoso para questionar e insultar a produção dos modernistas paulistas e a Semana de Arte Moderna.

O jornalista Adolfo Araújo fundou o vespertino A Gazeta em 1906, e João Gonçalves Dente comprou-o em 1916. O jornal conquistou popularidade e credibilidade a partir de 1918 com a contratação do jornalista Cásper Libero como diretor. Couto de Magalhães esteve a cargo da redação (de Abreu, 2015; Sato, 2016). A campanha antimodernista gestou-se sob a orientação de Libero e Couto de Magalhães.

Se utilizaram recursos da análise do discurso e foi necessário o registro de expressões preconceituosas. Assim, o termo “raça” é comum em textos jornalísticos do período, mas as vozes “racismo” e “racista”, não. Em jornais paulistas, “racismo” aparece somente na década de 1930, e o Diário Nacional usa “racista” desde 1927 para referir eventos da política partidária alemã.

As palavras “capacitismo” e “homofobia” não existiam na época. E “misoginia” e “misógino” aparecem associadas a aversão ao casamento e a monogamia, por tanto, com implicação distinta da atual. Racismo é categoria de análise da mesma forma que capacitismo, homofobia, misoginia e preconceito. E por isto neste informe, as quatro categorias de análise citadas são formas específicas e historicamente situadas da categoria preconceito.

Então, o uso de aspas para termos da época ajuda a distingui-los das categorias de análise. Esta distinção é significativa, porque o debate de ideias ocorreu em outro contexto histórico. Por exemplo, preconceito (categoria de análise) e “preconceito de cor”: Não cabe interpretar os termos e priorizar a equivalência, porque implicaria aproximar a contingência social de cem anos atrás à atualidade. A criminalização das distintas formas de difamação e preconceito é recente na história do Brasil. Foram analisadas frases de dois modernistas para contextualizar o uso de termos racistas em textos de Plínio Salgado. Entre os modernistas e sob a direção de Oswald de Andrade, a literatura reconhece a produção misógina, homofóbica e racista da Revista de Antropofagia em 1929 (Vergara, 2015) Pela proximidade histórica, foram comentadas algumas referências entre a campanha d'A Gazeta e a campanha da Folha da Noite. Existe registro de conteúdo preconceituoso em outras publicações, mas, neste artigo, o autor detalhou apenas a campanha antimodernista d'A Gazeta. Porém, no corpo do texto os termos foram registrados conforme o novo acordo ortográfico, e nas referências conservou-se a grafia original para facilitar a pesquisa.

A pesquisa com palavras-chave no sistema da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro permitiu localizar termos, obras artísticas, e autores e autoras. Este modo de pesquisa é condição de possibilidade deste informe. Não há referências sobre a campanha antimodernista d’A Gazeta na bibliografia de especialistas do modernismo e de Mário de Andrade. Especificamente, pesquisadoras que investigaram a recepção do modernismo e do futurismo (Boaventura, 2008; Fabris, 2011) e aqueles que analisaram a homofobia contra Andrade (Green, 2000; Trevisan, 2002; Vergara, 2018) desconhecem a campanha antimodernista d’A Gazeta.

A respeito de Mário de Andrade, existiram três situações em que existiu preconceito na recepção de sua obra: na campanha da Folha de Noite em 1923, nas publicações da Revista de Antropofagia em 1929, e no processo do jornal Dom Casmurro em 1939 (Vergara, 2018). Na campanha antimodernista d’A Gazeta, Couto de Magalhães fez de Mário de Andrade o objeto preferencial de críticas e autorizou a publicação de uma sátira particularmente ofensiva. Os textos aqui arrolados demonstram a existência de preconceito na recepção do modernismo paulista desde 1921, e permitem deduzir alguns efeitos das publicações preconceituosas.

Mário de Andrade participou do debate sobre o modernismo que A Gazeta organizou durante o mês da Semana de Arte Moderna. Para isso, o jornal publicou a coluna “Notas de arte: a semana futurista” em fevereiro de 1922. Apenas Andrade publicou na seção interna chamada “Pró arte moderna”. E Candido ficou encarregado da seção “Contra”, mas existem publicações com outros pseudônimos nesta última. Na primeira publicação da série, Andrade agradeceu a nova oportunidade para escrever n’A Gazeta, pois havia interrompido sua colaboração em 1920 fruto de certo “mal-entendido de crítica” (Andrade, 1922, p. 1). Segundo Sato (2016), houve disputa a respeito da recepção da ópera Rigoletto de Giuseppe Verdi, pois apesar de ser uma das óperas mais representadas em São Paulo, Andrade alegou que seria obra de pouco interesse (p. 31). Entretanto, A Gazeta atacou a ação de Andrade pela sua crítica literária e poesia modernista.

Também, dois conjuntos de textos de Mário de Andrade geraram indignação antes da Semana de Arte Moderna. Em maio de 1921 Oswald de Andrade divulgou em periódico dois poemas de Paulicea desvairada inédita, “Tu” e “Nocturno”. E em agosto e setembro do mesmo ano, Mário de Andrade publicou a série “Mestres do passado” no Jornal do Comércio de São Paulo: são sete artigos de crítica dedicada a cinco poetas parnasianos (Brito, 1964, pp. 229-254). A Gazeta publicou menções e críticas ao poema “Tu” e a série.

No início da década de 1920 os termos “futurismo” e “futurista” eram referências habituais para os autores e autoras modernistas de São Paulo. O movimento futurista surgiu em 1909 ligado ao escritor italiano Filippo Marinetti. Exaltaram a modernidade e pregaram a “destruição do passado” e dos meios tradicionais de expressão literária (Teles, 2012, p. 111).

O futurismo teve conexão com o fascismo italiano, intelectuais futuristas colaboraram com as formações fascistas no seu início. Após a fundação do movimento fascista em 1919, Marinetti participou da ação violenta contra o jornal Avanti em que quatro pessoas morreram (Paxton, 2004). Annateresa Fabris (2011) explica que a recepção do futurismo no Brasil foi quase sempre negativa, o movimento foi associado a manifestações patológicas e a agitação política. Ao combaterem o “futurismo” como forma excessiva, seus críticos defenderam um modelo de sociedade, e a arte era uma expressão sublimada desse modelo (pp. 3-4). Se vários modernistas e seus críticos utilizaram os termos “futurismo” e “futurista” ao redor de 1922, o grupo paulista não era futurista em sentido estrito.

Entende-se que há campanha pelo caráter continuado e com certo conjunto determinado de críticas dirigidas a um objeto comum, neste caso, o material jornalístico que o jornal A Gazeta publicou para criticar o grupo modernista em São Paulo. Ao considerar o número de textos, a intensidade da crítica e as injúrias, verifica-se que as publicações da “reação antifuturista” aconteceram principalmente entre maio e agosto de 1921, e em fevereiro de 1922. Esse período coincide com a divulgação das obras de Andrade, das ideias de Agenor Barbosa, e a realização da Semana de Arte Moderna. Como será detalhado depois, Plínio Salgado foi o primeiro a veicular conteúdo preconceituoso para debater arte, Nuto Sant’Anna escreveu os textos que tornaram a campanha manifesta, e Salgado e Sant’Anna colaboraram com maior número de artigos.

Existiu a produção de preconceito por meio do uso pejorativo de termos musicais próprios da música popular e vinculados a população negra e indígena. Graças à forma explícita do preconceito, o autor deste artigo selecionou alguns textos para analisar em detalhe, e outros foram considerados em conjunto. As análises marcam as divisões internas do informe.

2. Arte séria, máscula e equilibrada, arte da raça

Durante 1921 Plínio Salgado publicou vários artigos de crítica literária no jornal A Gazeta para defender o parnasianismo e criticar o modernismo. Para analisar o preconceito foram selecionados três artigos: “S. Paulo e o regionalismo”, “Parnasianismo e decadência” e “Nossos poetas: Martins Fontes”, publicados em fevereiro, março e maio respectivamente. Os dois primeiros antecedem o texto em que Nuto Sant’Anna pediu a criação da reação antifuturista em abril de 1921. Também serão comentados dois artigos com conteúdo semelhante. O contraste oferece variações na linguagem de Salgado n’A Gazeta, pela vertente do antimodernismo e pelo conteúdo racista.

Plínio Salgado publicou “S. Paulo e o regionalismo” no dia 21 de fevereiro de 1921. O autor argumenta que no Estado de São Paulo existem mais publicações literárias que em outras partes do Brasil, e que os “novos” produzem obras “sem qualidade”. Como outros na época, Salgado propõe que a literatura em prosa incorpore temas de pesquisa sobre o Brasil. Cita Oscar Wilde e outros autores estrangeiros que estragariam a juventude brasileira com sua influência. Em razão disso, Salgado escreve que ele deseja “coisa mais forte” para a literatura brasileira, pois “a feminilidade sensitiva de certos cultores das nossas letras” podem levar o país ao “refinamento inaudito”, tornando a nação “um povo de Eloés, delicados como lírios, passivos como Ganímedes”. Para Salgado (1921a) essa “literatura doentia” agora é confrontada pela honra de “guerreiros viris”, escritores “de pulso” que fixam em “páginas másculas” os valores do tipo brasileiro (p. 1).

Salgado não é o único a afirmar que a literatura pode afetar a juventude. O tema do proselitismo homossexual em arte e literatura é assunto dos textos médicos sobre a homossexualidade que circularam no Brasil na primeira metade do século vinte. Nesses textos quase sempre se menciona Wilde (Vergara, 2019). As citações de Salgado indicam como expressões misóginas e homofóbicas são tautologias que facilitam a crítica sem detalhes e fundamentação.

No dia 12 de março, Salgado publicou “Parnasianismo e decadência” para propor o binarismo parnasianismo versus modernismo. O parnasianismo era uma escola literária criada na Europa. No Brasil estabeleceu-se entre 1870 e 1880 entre autores de formação romântica, sendo o poeta Alberto de Oliveira seu grande influenciador (Sodré, 1982). Na estrutura de Salgado, a razão só é vinculável ao parnasianismo, e a falta de razão ou a falta de equilíbrio mental ao modernismo. Salgado registra que o modernismo é “decadência” e usa os termos médicos “cretinice verbal” e “paranoia”. Argumenta que a liberdade de pensamento não permite as “ideias delirantes”, “frases sem sentido”, símbolos indefiníveis e incompreensíveis “que só atestam atrofia e degenerescência”.

Destaca-se a expressão “Juquery das novas estéticas” (Salgado, 1921b, p. 1), pois a ligação capacitista do modernismo ao Hospital Manicômio de Juquery foi tema durante na campanha de higiene estética e moral da Folha da Noite (Vergara, 2018), e A Gazeta recuperou essa ligação em fevereiro de 1922. Salgado oferece expressões como “harmonia da ideia”, “equilíbrio do estilo”, “equilíbrio mental”, “nobreza de gestos” e “elegância das atitudes” para definir o parnasianismo. Ainda, declara que o parnasianismo deveria ser uma obrigação para os escritores e escritoras comprometidos com o Brasil, pois isso evitaria a “alucinação auditiva e visual da sua raça” (Salgado, 1921b). Salgado registrou referentes raciais que implicam o racismo, estes serão comentados de forma específica e comparados com referentes similares em textos de dois autores modernistas.

Jornalistas na campanha da Folha da Noite e Salgado referiram pejorativamente o manicômio de Juquery, situação aqui descrita pela categoria capacitismo. “Capacitismo” é tradução do inglês ableism. A pesquisadora Fiona Campbell (2009) assevera que em sociedade as pessoas fabricam concepções do corpo capacitado e do corpo sem capacidades, e que tais concepções exigem questionamento. O capacitismo é uma rede de crenças, processos e práticas que produzem tipos específicos de mente e corpo, e esses tipos são projetados como perfeitos, formas típicas e completamente humanos. Os corpos tidos como não capazes são concebidos como estados diminuídos do ser humano (Campbell, 2009).

No terceiro caso analisado, na publicação “Nossos poetas: Martins Fontes”, Salgado fez crítica positiva da poesia de Martins Fontes e do parnasianismo, e glosou comentários críticos e injuriosos sobre o modernismo. Natural de Santos, José Martins Fontes foi médico e poeta, e sua notoriedade literária diminuiu com o passar do tempo (Sodré, 1982). Para Salgado (1921e), a beleza ressurge em meio as perturbações sociais de cada época. A beleza seria sempre a mesma caso se considerem apenas os “períodos de ouro” de cada nacionalidade, assim, em distintas situações existiriam pontos culminantes nos quais a beleza se realizaria (p. 1).

Com frases capacitistas semelhantes às do artigo anterior, Salgado (1921e) afirma que a crítica à poesia parnasiana “é insurgir contra o equilíbrio mental, o gênio da língua, a clareza do estilo”. Ele ainda escreve: “e que hoje, padreadas pelo despautério do futurismo, produze os rebentos tarados de uma arte cretina e alvar” (p. 1).

O escritor Aristêo Seixas questionou Salgado pela sua colaboração na revista modernista Klaxon e na Semana de Arte Moderna. Em artigo publicado na campanha da Folha da Noite, Seixas registrou de maneira exata as frases de Salgado: a do texto sobre Martins Fontes, “rebentos tarados de uma arte cretina e alvar”, e a do texto sobre o parnasianismo, “Juquery das novas estéticas” (Seixas, 1923, pp. 4-5). O intertexto importa, porque a linguagem capacitista da campanha da Folha da Noite é consistente com as expressões de Salgado. Mas, diferentemente do que é possível verificar na Folha da Noite, Plínio Salgado não registrou a definição médica da homossexualidade, nela, homossexualidade era considerada doença mental.

No artigo “Nossos poetas: Martins Fontes” Plínio Salgado anotou mais referentes racistas do que em “Parnasianismo e decadência”. Primeiro, ele elogiou a capacidade artística de Fontes como exemplo de artista da “raça”, e escreveu que as “transformações raciais” perturbam a “sensibilidade artística”. Para Salgado (1921e), o parnasianismo é a única obrigação artística possível e este corresponde a “poesia forte das raças vigorosas” (p. 1). O autor não registrou detalhes para esclarecer o sentido das frases com termos raciais.

Salgado publicou “O regionalismo” no dia 18 de abril de 1921 para elaborar sobre a literatura com as caraterísticas do lugar no qual foi criada. A região poderia abarcar o município, a comarca, o distrito ou o estado, o termo serve para referir-se aos costumes, ambientes, cinematografia da paisagem e a descrição da terra. Nesse contexto, Salgado (1921c) afirma que o “cosmopolitismo” em arte e política tem ação “dissolvente” (p. 1).

O termo “cosmopolitismo” implica a coexistência de pessoas de diversas culturas em São Paulo nesse momento. A cidade experimentou grandes transformações no início do século vinte, principalmente o crescimento populacional fruto da chegada massiva de estrangeiros e estrangeiras, e a grande expansão econômica ligada à indústria do café; o Estado de São Paulo chegou a ser central na política brasileira (Sevcenko, 2000; Carone, 2001). Pelo anterior, entende-se que Salgado propõe que o “cosmopolitismo” ameaça a unidade e força do estado e da nação.

O modernista Mário de Andrade expressou argumento semelhante ao último de Salgado. No seu discurso de paraninfo no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo em 1923, Andrade registrou preocupação pela existência de diversas manifestações culturais e humanas no Brasil, formas que ameaçariam a unidade do país. Citou o bandeirante, o seringueiro e o gaúcho do sul, identidades vinculadas ao que o próprio Andrade e Salgado nomeiam de regionalismo. Depois, Andrade asseverou que essa “disparidade” pode constituir a maior riqueza e “salvação” para o país; por isso, promove o estudo de músicas socialmente estigmatizadas (de Andrade, 1923, p. 3).

Para Salgado (1921c) “regionalismo” não é a essência da arte, mas sua fisionomia. Isto é, o “regionalismo” em relação ao “cosmopolitismo” e em relação à essência do belo artístico. Só as obras artísticas com marcas de identidade regional poderiam exprimir as “velhas aspirações da raça” (p. 1). A valorização do regional também implica a valorização do popular. Para Csermak (2022) houve ausência de música popular nos textos e na produção nos primeiros anos do movimento modernista e na programação da Semana de Arte Moderna.

Segundo Brito (1964), os modernistas atacaram o caipira e o regionalismo. Por isso, pode-se entender que no artigo sobre regionalismo Salgado explora conteúdos pouco valorizados pelo grupo modernista paulista nesse momento. Em “O regionalismo” Salgado usa referentes racistas e não escreve as frases capacitistas, argumenta de modo a insuflar a desconfiança da mistura de pessoas e culturas. Ele fez isso por meio do elogio à cultura e as práticas de cada região. Com esse discurso Plínio Salgado questiona o elitismo dos modernistas da Semana de 1922.

Além do discurso sobre regionalismo, Salgado elogiou práticas populares específicas. Ele publicou “Poetas do mato” no dia 18 de junho de 1921. Elabora sobre o “caboclo” brasileiro, que faz poesia a sua maneira. Para Salgado a “poesia caipira” corresponde a “obra de adaptação e imitação”. Registra os nomes dos violeiros que contribuíram com poemas para seu acervo, e cita parte do material para elogiar a criação livre de preceitos de escola, inclusive da parnasiana.

No fim do texto, Salgado argumenta que o com material colhido não intenta concorrer com Oswald de Andrade e sua divulgação de “poetas interessantíssimos”, e não busca comparação com maneira de escrever de Mestre Cook, pseudônimo do redator d’A Gazeta (Salgado, 1921f, p. 2). No artigo “Poetas do mato” Salgado não registrou as frases com referentes racistas nem capacitismo. Como no artigo sobre regionalismo, Salgado destaca a simplicidade e pureza dessas formas populares para confrontar o conteúdo dos modernistas paulistas.

Após considerar os textos de Plínio Salgado em 1921, falta avaliar o sentido do termo “raça” nos artigos referidos. Como muitos autores e autoras da época que publicaram frases com termos raciais, Salgado não é explícito, mas os termos raciais eram referências à raça branca. Na época, o público leitor de jornal entendia que as elites brasileiras acreditavam na superioridade da raça branca e promoviam a imigração de pessoas brancas para “melhorar” o Brasil ao eliminar “o elemento negro”1. Ou seja, as frases sobre “raça” implicam ideias racistas.

A compreensão do racismo exige outra consideração. Na época, alusões à raça em outros contextos podem utilizar a expressão “raça brasileira”, e essa supõe pelo menos três fontes: a portuguesa, a ameríndia e a africana2. As referências a “raça brasileira” poderiam implicar o reconhecimento dos grupos que a formam. Mas, a ideia anterior não era consenso, pois é possível encontrar discursos em defesa da “raça brasileira” em contextos de afirmativas contra o “elemento negro” e contra a imigração de pessoas não brancas.

Entre os varões modernistas há frases semelhantes às de Salgado. O escritor Menotti del Picchia com seu pseudônimo Hélios utilizou uma frase parecida para exaltar José Graça Aranha: “um dos espíritos mais fulgidos da nossa raça” (Hélios, 1921, p. 4). Del Picchia publicou esse texto no Correio paulistano às vésperas da Semana de Arte Moderna para elogiar o escritor que foi líder do modernismo. Como outros escritores profissionais, Del Picchia não torna explícito o sentido de “raça”.

Mário de Andrade (1917) também usou frases com referentes raciais no seu discurso em nome dos alunos do Conservatório de São Paulo. Publicado pelo Correio Paulistano, Andrade endossou a entrada do Brasil na Primeira Guerra, e afirmou que o Brasil “é a conjugação das três raças tristes de onde saiu esta nacionalidade” (p. 6). A tristeza associada ao elemento racial é construção recorrente, e no pensamento modernista se articulou com o nacionalismo da época3. O uso da frase por Andrade se deu no contexto de elogiar a pátria brasileira e promover a ideia do sacrifício a favor do Brasil. É possível encontrar outras referências, mas as anteriores apontam o amplo uso de frases com referentes racistas de dois reconhecidos modernistas paulistas.

Existe outra forma de implicar leituras preconceituosas. Salgado (1921d) publicou expressões que permitem deduzir a defesa de ideias autoritárias de forma tácita. No artigo “Arte nova” do dia 16 de maio de 1921 Salgado definiu o parnasianismo como “arte séria, máscula, equilibrada”, a alternativa à arte moderna (p. 1). Sem nunca negar explicitamente o direito das mulheres a participar em política, estudar e ter profissão, Salgado não necessita declarar que nesse momento as mulheres não têm direito a votar e não podem tomar certas decisões sem a anuência dos pais ou do marido (del Priore, 2006). Igualmente, Salgado não assinalou críticas as minorias sexuais e capacitismo explícito. O uso dos adjetivos “séria”, “máscula” e “equilibrada” indica que o debate sobre arte implica uma visão sobre a sociedade, e neste caso, Salgado promove ideias sem ter que expô-las em sua completude.

Entre 1921 e 1922 Plínio Salgado foi editor do Correio de S. Bento e contribuiu nas revistas Ilustração Pelotense e Ilustração Brasileira, e no jornal Correio paulistano. Em 1921, Salgado publicou no Correio paulistano um artigo sobre criação artística e nele condenou a política futurista de Marinetti e Benito Mussolini (Salgado, 1921g, p. 4). Apesar dos seus comentários sobre o futurismo e o modernismo, Salgado colaborou com poemas na Semana de Arte Moderna e em Klaxon, esta última, a revista que Mário de Andrade dirigiu entre 1922 e 1923. Salgado defendeu sua participação no modernismo em artigo que publicou no dia 20 de fevereiro n’A Gazeta, logo após o fim da Semana de Arte Moderna. Declara que é a palavra de Menotti del Picchia que lhe permitiu apoiar a Semana, pois nesses dias as publicações de Oswald de Andrade o colocaram “numa desagradável situação moral revoltadora de todos os sentimentos de independência humana” (Salgado, 1922, p. 3).

Pela sua colaboração com os modernistas, Salgado (1923a) recebeu críticas durante a campanha da Folha da Noite e publicou resposta na campanha (p. 2). Salgado (1928) também escreveu sobre a língua dos tupis na Revista de Antropofagia (p. 6), dirigida por Oswald de Andrade. E já no movimento modernista paulista, Salgado participou na criação do grupo modernista que enfrentará o discurso de autores como Oswald e Mário de Andrade: em 1929 Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Alfredo Ellis e Cândido Motta Filho expuseram o manifesto e a criação do “grupo verde-amarelo”4. Eles anunciaram o manifesto no momento em que os cinco ingressaram à Academia Paulista de Letras. O grupo propôs a negação de qualquer “preconceito” de “raça” como tema estruturante do manifesto (Salgado, 1929, p. 4). Isto não quer dizer que o grupo lutasse contra o “preconceito”, pelo contrário, o grupo negava a existência do “preconceito” contra pessoas negras no Brasil.

Apesar do que Plínio Salgado publicou em 1921 contra o modernismo, ele ingressou no modernismo paulistano, publicou textos modernistas, criou e participou de um grupo modernista, e depois criou a Ação Integrista Brasileira, este último, seu projeto político autoritário. As publicações jornalísticas de Salgado n’A Gazeta documentam o preconceito no debate artístico. O preconceito explícito circulou vinculado a discursos que permitiam promover essas ideias sem ter que expressá-las inteiramente. A análise dos artigos publicados no jornal A Gazeta em 1921 aporta saber à trajetória de Salgado, e mostra a complexidade da construção social do preconceito.

É necessário destacar que o termo e a categoria capacitismo são criações posteriores aos discursos analisados aqui. A pesquisadora Maria Clementina Pereira Cunha investigou a doença mental na primeira república. No Rio de Janeiro, no século dezenove, pessoas consideradas “loucas” circularam livremente pela cidade, foram aceitas pela sociedade e receberam proteção espontânea da população. A situação em que essas pessoas passaram a ser percebidas como ameaçadoras é fruto de transformações sociais. As transformações incluem a ação do discurso médico brasileiro desde a década de 1830, e depois, o uso das teorias da degenerescência no período republicano. Ambos esforços buscavam o controle social e a estigmatização de pessoas com diagnóstico e pobres (Cunha, 1990).

Deste modo, há, pelo menos, dois polos no discurso da época. A prática e o discurso estigmatizante, e a prática tolerante. No que diz respeito a Plínio Salgado, além dos textos capacitistas aqui citados, ele publicou no Correio Paulistano um artigo no qual elogiou a loucura. Para o autor, o “convívio dos Loucos” e o “convívio dos Poetas” aproximam a Deus e levam o descanso (Salgado, 1923b, p. 3). Este elogio da loucura é idealização, pois ao longo do texto o autor não sugere pessoas e práticas reais, apenas insiste na apologia da sua visão do mundo. Esta análise permite observar que os discursos preconceituosos de Salgado e da campanha d'A Gazeta participaram de lutas situadas historicamente.

3. Reação antifuturista

O crítico literário Nuto Sant’Anna publicou vários artigos antimodernistas n’A Gazeta em 1921. Em abril Sant’Anna registrou seu desagrado a respeito do crescente reconhecimento de Victor Brecheret como modernista. Ele aprecia os méritos do escultor, mas afirma que lhe parece necessária a “reação antifuturista” em razão da linguagem e da propaganda modernista. Incentivou a outros escritores a participar da “reação”, e entre eles cita Salgado, Monteiro Lobato e Aristêo Seixas (Sant’Anna, 1921a, p. 1). Na época, Lobato era reconhecido antimodernista e Seixas5 participou da campanha da Folha da Noite com frases capacitistas (Vergara, 2018).

No mês seguinte a publicação de Sant’Anna, A Gazeta publicou maior quantidade de textos antifuturistas, com aportes de Salgado e Sant’Anna. Este último dedicou cinco artigos para oferecer conselhos a reação, todos com o mesmo título “Os novos: subsídios para uma reação antifuturista” (Sant’Anna, 1921b; Sant’Anna 1921c; Sant’Anna, 1921d; Sant’Anna, 1921e; Sant’Anna, 1921f), e em junho publicou outro artigo antimodernista (Sant'Anna, 1921g). Na série de artigos com o mesmo título, Sant’Anna redigiu os textos dos dias 12, 19 e 30 de maio como cartas abertas dirigidas ao poeta e jornalista Agenor Barbosa, ele questiona a defesa do modernismo. Sant’Anna trata a Barbosa com decoro e elogia sua literatura, seus termos preconceituosos focam no discurso modernista. Embora seja menos reconhecido, Barbosa integrou o grupo modernista. Oswald de Andrade divulgou um poema de Barbosa em 1921 e o mesmo foi lido no Teatro Municipal nos dias da Semana (Ferrante, 2021, p. 240).

Para criticar o futurismo, Sant’Anna usou termos médicos e capacitistas: “degenerescência”, “poesia da morfinomania”, “monstruosidades estrangeiras” (Sant’Anna, 1921c; Sant’Anna, 1921d; Sant’Anna, 1921f). Assegura que a “campanha” proposta não atacará pessoas, mas promoverá ideais. Em tom condescendente criou frases racistas ao escrever que a literatura brasileira “tolera restos atávicos de índio, negro, mameluco”, isto é, “uns longes de melancolia” (Sant’Anna, 1921c, p. 1). No artigo do dia 19 de maio, Sant’Anna registrou expressões semelhantes ao binarismo de Salgado ao afirmar que a “arte paulista” não deveria perder sua “linha vertical”, que corresponde ao “senso”, à “lógica” e à “realidade”. Isso evitaria cair nos “mistifórios incongruentes” (Sant’Anna, 1921e, p. 1). Esses termos mostram a linguagem capacitista da razão e da falta de “equilíbrio mental”. Sant’Anna (1921e) também recuperou dois temas nacionalistas citados por Salgado, a criação da literatura brasileira e a má influência da literatura estrangeira sobre a juventude. Os textos de Sant’Anna têm afinidade com os de Salgado pela vertente capacitista e racista, e suas publicações nomeiam e tornam explícita a campanha antimodernista.

4. Futurismo ou zoilismo?

João da Eça publicou “Futurismo ou zoilismo?” n’A Gazeta no dia 25 de agosto de 1921. O artigo de João da Eça é o primeiro ataque preconceituoso contra Mário de Andrade. João da Eça citou os livros Há uma gota de sangue em cada poema e Paulicea desvairada, e a série “Mestres do passado”. A sátira é agressiva e breve, tem ao redor de quinhentas palavras. Eça atribuiu traços femininos de forma pejorativa (misoginia) a Mário de Andrade, e descreveu a masculinidade de Andrade como fracassada e impotente (homofobia).

A categoria de análise misoginia refere-se a aversão, repulsão, ódio ou desprezo pelas mulheres. Não é inato, a misoginia é construção social sujeita a variantes e determinantes históricas (Colling e Tedeschi, 2019). Neste informe, apresentam-se as formas específicas em que jornalistas d’A Gazeta produziram conteúdo misógino. Em pesquisa na Hemeroteca Digital, pode-se verificar que o termo “misoginia” não circulou em jornais brasileiros entre 1910 e 1919. E entre 1920 e 1929 apareceu quatro vezes, três delas associadas à aversão ao casamento e à monogamia. A linguagem e o preconceito são historicamente situados, não se pode assumir que as palavras tenham sentidos constantes ao longo do tempo.

No Brasil da época, pensava-se que as mulheres não deveriam realizar certas ações. Foi registrado que não existia o voto feminino e as mulheres precisavam da permissão de parentes para realizar algumas atividades (del Priore, 2006). No mesmo período surge o novo ideal de mulher, frágil, soberana, abnegada e vigilante. Inicialmente o ideal foi dirigido as jovens das famílias abastadas, e depois foi paulatinamente incorporado pelas pessoas da classe trabalhadora. A educação das jovens tinha como objetivo a labor doméstica, considerada função essencial da mulher (Rago, 1985). Ainda, no início do século vinte, autores do campo médico reproduzem com novos dados a falácia da inferioridade mental feminina6. O anterior não significa que não existisse luta em torno dessas ideias e práticas. No Brasil há registro da atuação feminina, da luta por reconhecimento e autonomia, das mulheres que no início do século vinte promoveram a ideia de que são intelectualmente semelhantes aos varões, e daquelas que promoveram o voto feminino (Teles, 1999).

Na publicação citada, João da Eça descreveu Mário de Andrade com propriedades femininas, e não corresponde interpretar essas propriedades como adjetivos e atributos neutros. A atribuição do feminino a Andrade é pejorativa porque o feminino era percebido como inferior ao masculino, algo que Eça não necessita explicar e demonstrar. Em “Futurismo ou zoilismo?” João de Eça registrou oito expressões para diminuir a figura de Andrade: rabino casto, parto da montanha, dar à luz, abortar o livro ruim, menino, cantor castrado, anacoreta velho, e proprietário de imensas virgindades.

O caso da figura do “parto da montanha” é referência à fábula de Esopo, pois Eça afirma que Andrade fez muito estardalhaço para produzir algo diminuto e ruim, Há uma gota de sangue em cada poema. A redundância intensifica a misoginia, pois da Eça (1921) escreveu que há quem tema o “parto da montanha”, que Andrade “deu à luz” da publicidade o livro, e que sorrateiramente pediu aos funcionários da “Limpeza Pública” que o ajudassem a abortar o mesmo (p. 2). O termo específico que Eça utilizou para indicar o aborto é “faiseurs d’anges”, “fabricantes de anjos” em tradução livre. A expressão francesa alude àqueles que praticam aborto (Xatara e de Oliveira, 2008, p. 255). João da Eça reproduz de forma acrítica a associação entre maternidade e feminidade.

João da Eça publicou conteúdo misógino, e assim como em outras publicações da campanha d’A Gazeta, também registrou temas homofóbicos para debater arte. Categoria de análise, a homofobia é referência para as manifestações de medo ou repulsa a pessoas homossexuais (Colling e Tedeschi, 2019). No texto de João da Eça, as expressões “rabino casto” e “anacoreta velho”, a afirmação de que Mário de Andrade é semelhante aos “antigos cantores da Capela Sistina”, e o tema da virgindade aludem a afeminação e implicam a homofobia. No contexto do artigo, a castidade e a virgindade têm conotações pejorativas, pois a associação indica a imaturidade e a incapacidade sexual de Andrade.

Desta maneira, a referência aos “antigos cantores” associada a menção duplicada da musicalidade de Andrade (ele é o menino afinado, ele entende de música)7 é referente para a castração, pois somente em 1903 a Igreja Católica suspendeu a contratação de cantores castrados8. Neste amplo conjunto de expressões, o relato de Eça indica que Andrade seria virilmente falho e fracassado. A associação entre homossexualidade e música não é originalidade de João da Eça, pois em textos de medicina legal produzidos no Brasil na época se ecoavam as teses que relacionam a musicalidade com a homossexualidade, a qual era definida como doença mental (Vergara, 2019). O artigo de João da Eça funde misoginia e homofobia. Ao considerar a brevidade do texto, a ausência de argumentos sobre literatura e modernismo, e a variedade de termos para insultar o escritor, entende-se que o objetivo do texto é insultar e incitar o escárnio à custa de Mário de Andrade.

João da Eça não registra outras publicações n’A Gazeta e não foram encontradas outras publicações com esse nome em jornais brasileiros na primeira metade do século vinte9. Isto permite postular a hipótese de que jornalista José Vieira Couto de Magalhães Sobrinho é o autor do pseudônimo. Ele publicou muitos textos antimodernistas no período. Couto de Magalhães foi diretor e redator-chefe d’A Gazeta, e nesse jornal usou os pseudônimos Carlos da Maia (personagem de Os Maias de Eça de Queiroz) e Mestre Cook (alcunha de Rômulo em O Ateneu de Raul Pompeia) em textos onde satiriza os modernistas e Mário de Andrade desde 1921.

Por meio dos pseudônimos Mestre Cook e Carlos da Maia, Couto de Magalhães satirizou os textos de Andrade, o poema “Tu” e a série “Mestres do passado”. Na coluna chamada “Pratos leves” Mestre Cook escrevia pequenos textos humorísticos em que comentava temas variados desde 1916, e ali publicou piadas contra os futuristas. No dia 28 de maio de 1921, ele publicou os versos do poema “Tu” de Mário de Andrade e citou a divulgação feita por Oswald de Andrade. Mestre Cook satirizou os versos de “Tu” várias vezes, pois criou outra versão do poema e atribuiu os versos a “Zeminghin, poeta excelso do Bom Retiro” (Cook, 1921a; Cook, 1921b; Cook, 1922a; Cook, 1922b).

Carlos da Maia publicava em duas colunas em A Gazeta, uma delas se intitulava “Nos corredores do Municipal”. Nesta última e no dia 17 de agosto de 1921, ele transcreveu o relato do anônimo que teria conhecido no Teatro Municipal de São Paulo. Maia escreveu que certo “senhor de idade” referiu a série crítica de Mário de Andrade e argumentou que Andrade não entende de crítica e que aquilo que anuncia como novidade é “ruinaria tão velha e desmoronada”. Ao afirmar que prefere o escritor romântico Bernardo Guimarães, o anônimo usa a expressão racista “o negregado Bernardo” (da Maia, 1921, p. 1). Ao publicar preconceito explícito Couto de Magalhães utilizou essa forma de duplo anonimato, o pseudônimo cita o anônimo. Disto também se deduz que existiu a noção de que essas injúrias eram reconhecíveis como agressão a população negra.

Não se fez registro completo das publicações de Mestre Cook e Carlos da Maia, pois seria redundante. O vínculo entre os pseudônimos Carlos da Maia e Mestre Cook com Couto de Magalhães encontrou-se na prensa paulista. O jornal O Combate e o Diário Nacional publicaram que Carlos da Maia e Mestre Cook são pseudônimos de Couto de Magalhães (O Combate, 1922; Diário Nacional, 1927). E a revista A Vida Moderna divulgou nota sobre Couto de Magalhães e confirma a informação anterior. Segundo a revista, Couto de Magalhães foi líder na “salutar campanha” que enfrentou o “monstrengo” que atacava o “passado glorioso” durante a Semana de Arte Moderna (A Vida Moderna, 1922, p. 23).

Não é possível demonstrar completamente, mas é hipótese do autor deste informe que Couto de Magalhães tenha escrito o artigo com o pseudônimo João da Eça para ocultar parcialmente sua responsabilidade. Couto de Magalhães era o redator-chefe, como tal autorizou as publicações do jornal A Gazeta, e com seus outros pseudônimos produziu abundante conteúdo para criticar e ridicularizar os modernistas paulistas e Mário de Andrade.

5. Seção livre: balelas futuristas

Pauci Vero Electi quer dizer poucos são os escolhidos em latim. A frase corresponde ao pseudônimo com que A Gazeta publicou dois artigos titulados “Secção livre: balelas futuristas” em fevereiro de 1922. O pseudônimo será citado pela última palavra do mesmo. No primeiro dos seus artigos, Electi (1922a) acusa o “primeiro Andrade” por não pagar pela compra da escultura Eva de Brecheret (p. 3). Todavia, a escultura era propriedade do governo, a Câmara do Município de São Paulo iniciou a adquisição de Eva em julho de 1921 (Pinto, 1921). O Correio paulistano (1922) divulgou que Oswald de Andrade (1922) abriu processo judicial para saber o nome do autor do artigo, e a denúncia não retornou.

No primeiro texto Electi é agressivo na escolha dos termos, chama o futurismo de “abcesso” e “peste artística”, e os modernistas de “pseudo-artistas”, “pobres zoilos cheios de vento e audácia” e semelhantes. Electi também injuriou Anita Malfatti e Emiliano Di Cavalcanti. Primeiro acusou a Malfatti de ser pintora incapaz; teria sido por isso que Malfatti decidiu fazer pintura futurista, ou seja, má pintura. Electi (1922a) escreveu que a incapacidade de pintar de Malfatti é resultado da “desastrosa influência” da “iniciação abexim” (p. 3). Malfatti estudou em Alemanha e Estados Unidos, e retornou ao Brasil em 1916. Abexim é termo para a atual Etiópia e Abissínia.

Electi usou o termo pouco usual em contexto de frases que foram feitas para fazer sátira, criticar os modernistas e reproduzir o racismo. No que diz respeito ao pintor Di Cavalcanti, Electi publicou injúrias ao criticar sua juventude, usar frases racistas que estigmatizam o carnaval, e imputar-lhe certa sexualidade desregrada: “menino carnavalesco que se fantasia de arlequim”, “molecote”, “folião da cor”, “masturbando telas abracadabrantes”, “onanismo cerebral”. Igualmente, Electi (1922a) atacou os futuristas com termos capacitistas e referência a sexualidade: “masturbadores”, “transviados”, “'desequilibrados’ da arte” (p. 3; aspas no original).

No segundo texto Electi afirma que a Semana de Arte Moderna merecia ter sido ignorada e destaca a moléstia da pianista Guiomar Novaes com os organizadores, pois estes incluíram uma peça do compositor Erik Satie, obra que seria “paródia grotesca dos noturnos de Chopin” (Electi, 1922b, p. 4). Electi repete as acusações capacitistas e racistas contra os modernos, “lepras da incapacidade” e “abissinismo literário”. Para implicar ideias racistas, Electi refere termos musicais associados as pessoas negras e a música popular de forma pejorativa e satírica.

Assim, ele cita especificamente os termos “pagodeira”, “jazz-band” e “zabumba” (Electi, 1922b, p. 4). “Pagode” tem muitos sentidos e o sentido implicado sempre depende do contexto. Um dos sentidos de “pagode” é o de samba, o baile popular. Inicialmente, o samba, como dança de roda era o mesmo que “batuque” (Cascudo, 2001, p. 798). O termo “zabumba” é referência para o instrumento musical ligado ao samba, batuque, maracatu e zé-pereira. Estas são práticas musicais, populares e vinculadas a pessoas negras (Cascudo, 2001). A citação do termo “jazz-band” no texto de Electi acompanha o momento em que a forma musical norte-americana chegou ao Brasil, o início da década de 1920. O jazz-band originou-se nos grupos negros e acompanhava danças em clubes e sociedades (Giller, 2018). Nos textos de Electi destacam-se a denúncia sem fundamento, os ataques injuriosos e preconceituosos contra Malfatti e Di Cavalcanti, e o uso de termos musicais para implicar o racismo.

Referir em detalhe termos preconceituosos e o teor agressivo de certos artigos é relevante para observar as formas específicas pelas quais se produziu o preconceito sobre arte em jornais, dada a escassa sistematização do assunto na bibliografia consultada. Sobre o caráter agressivo dos textos de Electi e de outras publicações da campanha d'A Gazeta, considera-se que essa linguagem não era excepcional. Para o historiador da literatura brasileira Nelson Sodré, a linguagem corrosiva em jornais era corrente no século dezenove; e na década de 1910, o jornalismo político era violentíssimo (Sodré, 1999).

É necessário considerar se os textos de Electi e alguns outros na campanha d'A Gazeta correspondem ao “discurso polêmico”. Ou seja, se os jornalistas publicaram conteúdo agressivo para atacar adversários e gerar comoção em razão desse dispositivo argumentativo. Os elementos centrais para reconhecer o discurso polêmico são a desqualificação do adversário e o confronto de teses antagonistas, teses apresentadas como mutuamente excludentes. A investigadora Ruth Amossy (2017) destaca que o discurso polêmico é central em democracia, pois permite a existência de “adversários” e o confronto de ideias (pp. 231, 242). Para Amossy, em vez da busca do consenso, o discurso polêmico importa pela sua construção do dissenso. Assim, o conceito de “adversário” significa que não deveriam existir “inimigos”, pois nenhum grupo poderia utilizar violência física sobre qualquer outro grupo.

Então, alguns dos textos aqui citados podem ser considerados “discurso polêmico”, mas a dicotomia sobre o consenso e o dissenso de Amossy não ajuda a entender o uso autoritário do discurso na prática jornalística em democracia, nem permite contestar a produção de difamação e preconceito. Se existiu certa convenção jornalística sobre o debate artístico e político, convenção que incluiu o preconceito e a injúria, isso implicaria que se normalizou esse preconceito e injúria. Entretanto, não cabe supor que os jornalistas não tinham opções; existiram escolhas profissionais e editorais no detalhe técnico, no objeto e na valorização do objeto nas publicações.

No âmbito modernista, Mário de Andrade também respondeu em termos agressivos à crítica, e em dois casos com ofensas pessoais, contra Agrippino Grieco e Menotti del Picchia. E sob responsabilidade de Mário de Andrade, a revista modernista Klaxon publicou artigo em que desqualifica o escritor Lima Barreto. Com exceção de Mário de Andrade, que era negro, o grupo em Klaxon era composto de pessoas brancas e acomodadas. Lima Barreto sofreu a exclusão social fruto de práticas classistas e racistas, e publicou livros em que pessoas negras são centrais nas narrativas. Os integrantes do modernismo paulista trataram a questão racial negra como algo secundário (Schwarcz, 2021). Contudo, não há notícia de que Mário de Andrade tenha publicado conteúdo preconceituoso em campanhas jornalísticas. Deste modo, há documentação para postular que existiu certa convenção no meio jornalístico em Rio de Janeiro e São Paulo, convenção que permitiu a publicação de preconceito. Os três processos supracitados e a campanha antimodernista d'A Gazeta documentam que foi possível publicar preconceito repetida e agressivamente para debater arte.

6. Notas de arte: a semana futurista

A Gazeta publicou a coluna “Notas de arte: a semana futurista” desde fines de janeiro de 1922. Vários autores colaboraram na coluna, mas dois pseudônimos merecem atenção. Oliveira Castro foi o único autor de “Notas de arte: a semana futurista” do dia 17 de fevereiro de 1922. Quem escreve com esse pseudônimo não cogita ter conhecimento próprio acerca do “futurismo”, seu texto é a reprodução da opinião do anônimo que ele teria ouvido na porta da confeitaria Fasoli em São Paulo. Castro afirma que o desconhecido seria “canonizado em estética” e cavalheiro de posses e boas maneiras. A respeito do “futurismo” Castro (1922) publicou que “é a contorção sanguidica [sic] da literatura, da pintura e da música. É o artritismo mental de uma geração” (p. 1). Há mais conteúdo capacitista quando Oliveira Castro questiona o discurso de Graça Aranha na Semana de Arte Moderna, pois Castro registrou referências ao Hospital Manicômio de Juquery e ao seu diretor Franco da Rocha.

Da mesma forma que Electi, Oliveira Castro utilizou vozes próprias do mundo da música e das artes populares de forma pejorativa para insultar o modernismo e reproduzir ideias racistas. Foi registrado que o termo “zabumba” é referência para o instrumento associado as práticas musicais negras. Para insultar, Castro compõe frases ligadas ao popular e as pessoas negras (carnaval, mômica, zabumba) junto a vozes que implicam sentidos pejorativos, sem outro tipo de argumentação10.

G. Muniz (1922) publicou na seção “Contra” da coluna “Notas de arte: a semana futurista” do dia 13 de fevereiro de 1922. No mesmo dia, Mário de Andrade publicou na seção “Pró”. G. Muniz afirma que os modernistas desejam ignorar o passado, o idioma português e as belas artes, e registrou muitos termos pejorativos: “pisa-verdes”, “enlambuzados”, “bonifrates” e semelhantes (p. 1). Com este segundo pseudônimo A Gazeta não publicou racismo explícito, mas referir esse texto permite observar o uso desse tipo de narrativa junto a textos de especialistas.

A Gazeta divulgou o conteúdo dos pseudônimos supracitados na coluna “Notas de arte: a semana futurista”. Na mesma colaboraram especialistas em música, Alonso Fonseca e Mário de Andrade, e Cândido debateu com Andrade em várias publicações de fevereiro de 1922. Se Cândido também é pseudônimo de autor desconhecido, quem escreve com este último demonstra conhecer a literatura futurista e oferece informações para criticar os modernistas. O sistema de pesquisa da Hemeroteca não encontrou outras publicações com os nomes de Oliveira Castro e G. Muniz n’A Gazeta, e não se conhecem outras referências para esses nomes. A falta de argumentos, o caráter ofensivo e a ausência de outras publicações no jornal permitem deduzir que esses dois nomes são pseudônimos. Portanto, A Gazeta autorizou anônimos a publicar textos preconceituosos e injuriosos com pouca ou nenhuma argumentação na mesma coluna em que colaboradores especializados assinavam com seu nome.

7. Música e preconceito

Na campanha antimodernista, A Gazeta publicou textos de crítica e crônicas sobre música, além registrar referências musicais e do mundo indígena para promover o preconceito. Foi observado que Cândido publicou várias vezes na coluna “Notas de arte: a semana futurista”. Aqui será comentado apenas o artigo sobre música futurista do dia 11 de fevereiro. Nesse texto Cândido implicou a fórmula que verteu ao longo dos outros artigos, que os modernistas paulistas seriam apenas “futuristas”. Ele fez isso ao comentar o manifesto futurista de Balilla Pratella, autor que desenvolveu os temas de Marinetti a respeito da música.

Segundo Cândido (1922), os futuristas buscam libertar-se do passado, “destruir” o conceito de música bem-feita, buscar inspiração na natureza, promover apenas o conceito “único” de música futurista, criar no público hostilidade em relação as velhas óperas, e pregar que jovens compositores não frequentem academias e conservatórios de música (p. 1). Cândido escreveu sobre o futurismo musical para implicar o modernismo paulista. Ainda, a redação de Cândido implica o tema de Salgado, a má influência da literatura estrangeira sobre os jovens.

A professora de canto Climéne Duval Baroni publicou conteúdo antimodernista n’A Gazeta. Serão consideradas três crônicas. Em “Futurismos...” do dia 27 de fevereiro Baroni publicou que “Villeloup” planeja certo evento artístico que não é citado pelo nome. O “grande compositor” diz que não necessita artistas do passado, pois “o mundo está a seus pés” (Baroni, 1922a, p. 2). Baroni transforma o nome e escreve que é francês para ridicularizar Heitor Villa-Lobos, o único compositor brasileiro de música de concerto cujas obras foram executadas na Semana. O implícito no texto de Baroni é que os futuristas distorcem a realidade ao promover o esquecimento do passado. Na segunda crônica com o título “Futurismos…” Baroni (1922c) usou termos capacitistas conhecidos para insultar os modernistas: “monstro”, “aberração da natureza”, “idiotas” e outros (p. 3), mas não elaborou sobre música especificamente.

Na coluna “Palcos & Salões” do jornal A Gazeta publicava-se a programação de teatros e salas de concerto em São Paulo, e a maioria das vezes não se registra o nome de Baroni. Na publicação do dia 1 de março e após os anúncios artísticos, Baroni inseriu a crônica capacitista e racista. No relato, dois anônimos planejam ganhar dinheiro com exposições e concertos futuristas no Teatro Municipal. Sem interesse em arte, os sujeitos buscam o lucro fácil. Para explicar as decisões artísticas que geram lucro, um deles propõe “quanto mais privo de senso mais futurista”. E entre os quadros futuristas a serem expostos figura o título “Dois pretos brigando em um túnel”, sem autor. A tela corresponderia a “uma enorme mancha negra” (Baroni, 1922b, p. 5). Nas crônicas observadas Baroni não oferece literatura relevante e promove preconceito explícito e ofensivo.

O pianista Alonso da Fonseca publicou textos de crítica musical para A Gazeta em outras datas. No que diz respeito a artigos da campanha antimodernista, aqui são considerados seus os textos assinados com as iniciais “A. F.” em fevereiro de 1922. Na coluna “Notas de arte: a semana futurista”, Fonseca criticou a falta de clareza da conferência de Graça Aranha e elogiou as habilidades musicais de Villa-Lobos. Fonseca recuperou a figura comum àqueles que criticaram o futurismo, que os modernistas não tinham argumentos para “entregar às chamas” bibliotecas e museus (da Fonseca, 1922a, p. 1). Para analisar a música de Villa-Lobos, Fonseca aproximou a falta de conexão lógica na linguagem com a falta de sentido na estrutura musical (da Fonseca, 1922b, p. 1). E no texto seguinte argumentou que os materiais da música não estão esgotados e não há necessidade de imitar os sons da natureza, como propõem os futuristas (da Fonseca, 1922c, p. 1). Baroni e Fonseca publicaram expressões capacitistas que têm similitude com a argumentação de Salgado, mas Fonseca oferece mais conteúdo que Baroni.

No mês da Semana de Arte Moderna A Gazeta publicou vários textos que usam termos musicais para promover o preconceito. Foi registrado que Oliveira Castro e Electi usaram termos musicais para publicar conteúdo racista em fevereiro de 1922. Soma-se a isso, no dia 18 de fevereiro de 1922 Joaquim Feijó registrou que Novaes publicou uma carta de protesto contra a música de Satie, e usou pejorativamente um termo musical (“grossa pagodeira”) para acatar os modernistas (Feijó, 1922, p. 1). Joaquim Feijó é outro pseudônimo de Couto de Magalhães (de Freitas, 1915, p. 684).

Depois, no artigo do dia 20 de fevereiro, Fonseca argumentou que os sons da natureza não são arte, e questiona a prática dos compositores futuristas que imitam esses sons em suas composições. Mas, nenhum dos modernistas paulistas promoveu esses temas em textos da época. O racismo se observa no uso depreciativo de termos indígenas e musicais, termos vinculados ao mundo popular e às pessoas afrodescendentes: “congadas”, “batuques” e “batoques”. Fonseca cita os termos junto aos nomes das obras modernas que evocam os sons da natureza11 (da Fonseca, 1922c, p. 1).

“Batoque” é o disco ou cilindro de madeira, pedra ou resina que os indígenas costumam por no lábio inferior como índice de maturidade (Cascudo, 2001, p. 150). “Batuque” é o nome genérico dos ritmos criados por negros à base de percussão (Tinhorão, 1972, p. 129). E “congada” é referência para a dança coletiva, “dança dramática” nos termos de Mário de Andrade. O musicólogo afirma que no Brasil as autoridades criminalizam, perseguem e atuam para exterminar essas práticas (de Andrade, 1946). Pelas referências de Castro, Electi, Feijó e Fonseca, observa-se que o uso de termos musicais para promover racismo e capacitismo foi recorrente na campanha antimodernista d’A Gazeta. Epicentro da “escravidão racial moderna”, no Brasil as experiências das pessoas negras são constitutivas da nação e da modernidade (Gilroy, 2001, p. 10), e no que diz respeito a cultura, a população negra criou a “síntese cultural mais original na esfera da criação popular” (Tinhorão, 1972, pp. 25-26). Por isso, é indevido entender expressões racistas e capacitistas como exagero, improviso ou acidente. A produção do preconceito é deliberada.

8. Conclusões

Em sua maioria varões, escritores, jornalistas, musicistas e autores ocultos em pseudônimos produziram a campanha antimodernista d’A Gazeta de São Paulo. Embora artigos fossem publicados em outras datas, o jornal divulgou conteúdo antimodernista principalmente entre os meses de maio e agosto de 1921, e em fevereiro de 1922. Sob a direção de Cásper Libero e Couto de Magalhães A Gazeta difundiu conteúdo capacitista, homofóbico, misógino e racista em vários formatos jornalísticos. Couto de Magalhães publicou repetidas sátiras contra a poesia de Mário de Andrade e autorizou a publicação de injúria contra o mesmo. Também autorizou injúrias e preconceito contra Di Cavalcanti e Malfatti. Autores referiram termos musicais de forma pejorativa em afirmativas racistas e capacitistas. Nos anos seguintes as publicações citadas aqui, A Gazeta continuou a usar os termos “futurismo” e “futurista” para referir o modernismo e criticá-lo. Entretanto, não foram encontradas publicações preconceituosas depois de 1922 em número que justifique pensar que a campanha estendeu-se no tempo.

A análise da campanha d’A Gazeta de São Paulo permite deduzir alguns efeitos sociais do preconceito. Os efeitos ocorreram pela sua própria existência e pela reprodução do preconceito, ou seja, o efeito corresponde a legitimação da existência social do preconceito. De forma específica, a publicação de conteúdo preconceituoso no debate artístico legitimou o mesmo enquanto elemento de análise e comentário estético em jornais. Além do conteúdo veiculado em outras seções, A Gazeta publicou ideias preconceituosas em colunas estritamente dedicadas à arte.

A campanha antimodernista d’A Gazeta e o caso da trajetória jornalística do escritor Plínio Salgado permite observar a formação de grupos que promovem o preconceito. A existência de grupos que recorrem às ideias preconceituosas mostra a normalização da existência de grupos, instituições e pessoas que promovem o preconceito. Igualmente, nas publicações aqui analisadas existiu a reprodução de conteúdo preconceituoso explícito vinculado à reprodução de conteúdo velado, a existência do preconceito em manifestações difíceis de perceber caso se considerem apenas os casos singulares.

As publicações preconceituosas na campanha d’A Gazeta documentam o uso pejorativo e estereotipado de termos associados a grupos marginalizados no momento em que os mesmos sofrem estigmatização social: Essas publicações legitimam e reforçam as distintas formas de discriminação existentes em determinado ponto da história. O conteúdo preconceituoso pode ser encontrado em campanhas, conjuntos de textos, em textos singulares e em representações artísticas. Pode ocorrer em quaisquer manifestações discursivas conhecidas. O valor da análise do discurso preconceituoso e difamatório é a verificação da condição histórica do preconceito.

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Notas

1. Tiago de Melo Gomes analisou os projetos de lei contrários a imigração negra no Brasil, e Lília Schwarcz (1993) escreveu sobre a miscigenação, o branqueamento e outras formas de discursos racistas da época. Tânia Regina de Luca (1999) afirma que o discurso racial “era parte do imaginário” e que as ideias de superioridade e inferioridade biológica impregnavam a sociedade da época (pp. 132-133).
2. Jerry Dávila (2010) analisou o relato de Gilberto Freyre e o tema das três raças em mistura constitutiva do Brasil.
3. Paulo Prado foi historiador e o principal articulador financeiro da Semana de Arte Moderna. No seu livro Retrato do Brasil, ele explica a natureza do brasileiro como “triste e melancólica”, elementos que seriam o resultado dos excessos da colonização. Segundo Carmen Felgueiras, Prado acreditava na necessidade de ruptura com o passado, para assim fundar uma nova natureza (Felgueiras, 2022). Marcos Napolitano alega que o “longo modernismo brasileiro” ofereceu a nova identidade para a elite cultural brasileira, e isto teve desdobramentos para a elite política que atuou no Estado entre 1930 e 1980. A “mestiçagem” foi central na construção do “povo brasileiro” na ditadura de Getúlio Vargas, e estes conceitos implicavam o apagamento do elemento negro (Napolitano, 2022).
4. Sobre Salgado e o integralismo ver Marcus Klein (2004), e sobre a passagem de Salgado pelo modernismo no processo na criação da Ação Integralista Brasileira ver Pacheco e Gonçalves (2022).
5. Em junho de 1921 houve debate entre Menotti del Picchia e Seixas. A terceira resposta do primeiro vem com adendo d’A Gazeta no qual se informa que esse seria o último artigo, pois o debate resvalou para o terreno pessoal (del Picchia, 1921). Nenhum deles estima as habilidades literárias do oponente. Esses textos não versam sobre modernismo, mas seus autores eram líderes dos grupos em disputa. Menotti atuava no modernismo desde 1920 (Brito, 1964).
6. No Brasil circulou o livro de Gregorio Marañon (1938) A evolução da sexualidade e os estados intersexuaes. O autor argumenta que o corpo feminino se especializou na maternidade e que esses corpos não terminam de evoluir, seriam corpos “retardados” (pp. 53, 71). Por isso, a inferioridade mental feminina lhe parece natural (pp. 196, 276). Sobre discursos sobre a inferioridade mental feminina e música ver Vergara (2019).
7. “O clero indígena ficou assim ameaçado de perder um dos seus mais afinados meninos e coro, o único, talvez, que poderia competir com os antigos cantores da Capela Sistina. (O Sr. Andrade me entende…)” (da Eça, 1921, p. 2).
8. As castrações para o canto começaram antes de 1600 e aconteceram apenas na Itália (Feldman, 2015). Os jovens castrados ofereciam estabilidade financeira e reconhecimento da Igreja Católica, pois as mulheres estavam proibidas de cantar. A Igreja Católica suspendeu a contratação de novos castrati em 1903 (Feldman, 2015).
9. A exceção corresponde ao artigo “Os desocupados” no jornal Dom Casmurro sob o nome de João da Eça em 1946. Em pesquisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, o sistema procurou pela expressão exata “João da Eça” entre 1900 e 1949 em todos os estados, e não foram encontradas outras publicações. A partir de 1926 há registros do escritor português João de Eça (João Lôpo da Cunha de Eça). Este último não tem vínculos com A Gazeta e não publicou no Brasil. O autor verificou pela última vez no dia 16 de fevereiro de 2023.
10. “Francodarochamente falando, até hoje, ninguém conseguiu penetrar nas intenções macabras desse carnaval da pintura, dessa literatura mômica e desses versos cambaios com fumaças de arte e que não passam da zabumba rimada à custa de fórceps” (Castro, 1922, p. 1).
11. “Os reformistas, porém, não pensam com Chopin e suas composições estão eriçadas de Jeux d’eau – Berceuse des eléphants, Danças congadas, batuques e batoques” (da Fonseca, 1922c, p. 1).

Notas de autor

1 Doutor em Musicologia, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
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