Revista de Ciencias Jurídicas N° 164 (1-29) MAYO-AGOSTO 2024
A liberdade de expressão, como dito, se interliga com diversos direitos, sendo um
deles o da liberdade religiosa. Em verdade, o exercício da liberdade religiosa pressupõe a
liberdade de expressão, sem a qual não é possível o seu exercício.
Constitui um limite lógico-sistêmico que o exercício da liberdade de expressão não
deve propagar a violência ou o extermínio de direitos básicos.
O STF, em um recurso no habeas corpus nº 134.682/BA, aduziu que o discurso
discriminatório criminoso ocorre após a superação de três etapas:
(...)
5. O discurso discriminatório criminoso somente se materializa após
ultrapassadas três etapas indispensáveis. Uma de caráter cognitivo, em
que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos; outra de viés
valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles
e, por fim; uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores,
supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação
supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que
compreende inferior.
(...)
Assim, tendo em vista essa limitação, tem-se admitido uma elasticidade da
liberdade de expressão quando do exercício do proselitismo religioso. No caso concreto,
deferiu-se a ordem para trancar a ação penal contra o autor que por meio de publicação de
livro estimula a comunidade católica a realizar um resgate religioso dos adeptos do
espiritismo, visto a ausência de qualquer sinalização de violência. In verbis:
(...)
7. Hipótese concreta em que o paciente, por meio de publicação em livro,
incita a comunidade católica a empreender resgate religioso direcionado à
salvação de adeptos do espiritismo, em atitude que, a despeito de
considerar inferiores os praticantes de fé distinta, o faz sem sinalização de
violência, dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou
redução de direitos fundamentais.
8. Conduta que, embora intolerante, pedante e prepotente, se insere no
cenário do embate entre religiões e decorrente da liberdade de
proselitismo, essencial ao exercício, em sua inteireza, da liberdade de
expressão religiosa. Impossibilidade, sob o ângulo da tipicidade
conglobante, que conduta autorizada pelo ordenamento jurídico legitime a
intervenção do Direito Penal.
9. Ante a atipicidade da conduta, dá-se provimento ao recurso para o fim
de determinar o trancamento da ação penal pendente. (STF, Primeira
Turma, RHC nº 134682/BA, Ministro Relator Edson Fachin, julgado em
29/11/2016, publicado no DJe 29/08/2017)