RESEÑA
Maçons, espíritas e teosofistas: afinidades eletivas e espiritualismo no
Ceará do século XX de
Marcos José Diniz Silva. Fortaleza: UECE, 2016. 414 páginas. ISBN: 978-85-7826-493-2.
Reseñado por Michel Goulart da
Silva
Universidade
Federal de Santa Catarina, Brasil
Recepción: 15 de
septiembre de 2018/Aceptación: 22 de octubre de 2018.
doi: https://doi.org/10.15517/rehmlac.v10i2.34734
Embora
nas últimas duas décadas tenha crescido o número de estudos acadêmicos acerca
da Maçonaria no Brasil, a relação entre maçons e movimento operário é um tema
ainda pouco pesquisado. O relacionamento entre maçons e operários é bastante
conhecido, em especial na Primeira República, havendo inclusive convergências da
Maçonaria com setores socialistas e até mesmo comunistas[1]. Essas afinidades se deram
num contexto em que operários se organizavam e se mobilizavam na defesa de suas
reivindicações, em meio a uma crescente oposição ao regime republicano,
considerado excludente e antidemocrático.
Marcos
José Diniz Silva é um dos pesquisadores que tem se destacado no debate da
relação entre Maçonaria e organizações operárias. Professor na Universidade
Estadual do Ceará (UECE), Silva é doutor em Sociologia e licenciado em
História. Seus interesses de pesquisa passam por temáticas vinculadas à
história das religiões e religiosidades, história das ideias e movimentos
sociais, em especial Maçonaria e espiritismo no Brasil.
Em
seu livro No compasso do progresso, publicado
em 2007, Silva discute as formas de pensar e intervir socialmente de
organizações dos trabalhadores empreendida pela Maçonaria, exemplificada na
atuação da Aliança Artística e Proletária de Quixadá, no interior do Ceará. Segundo
Silva, a fundação dessa organização “por trabalhadores maçons representou uma
experiência significativa no tocante à execução prática das ideias sociais da Maçonaria
brasileira”.[2]
O autor afirma que essas ideias são produto da matriz iluminista que, a partir
do século XVIII, influenciou os princípios orientadores das práticas políticas
e sociais da Maçonaria, acrescidas, ao longo do século XIX, de contribuições
positivistas.
Mais
recentemente, Silva publicou Maçons,
espíritas e teosofistas, produto de sua tese de doutorado. Na obra,
publicada em 2016, discute-se como se caracterizou a atuação de maçons,
espíritas e teosofistas no espaço público cearense, enquanto adeptos de
concepções moderno-espiritualistas, no tocante à problemática social, ao debate
religioso e político, entre 1910 e 1937. Esse recorte temporal toma como referências,
de um lado, a instalação do Centro Espírita Cearense, o primeiro legalmente
constituído no Ceará, e, de outro, o ano de instauração da ditadura do Estado
Novo, por Getúlio Vargas, em 1937. O período do novo governo esteve marcado
pela “supressão da participação política e da liberdade de expressão, inclusive
com a proibição do funcionamento de lojas maçônicas e centros espíritas”[3].
Silva
se utilizou principalmente de pesquisa e análise documental, voltada às
evidências escritas, tais como atas, estatutos, publicações institucionais,
imprensa. Evidenciou-se “como fonte predominante, a produção da imprensa local
do período, como corpus documental, tanto quanto como lócus privilegiado de
ação desses agentes moderno-espiritualistas”[4]. Como pode-se perceber
pelo resultado da pesquisa, no período, as ideias maçônicas, espíritas e
teosóficas eram amplamente disseminadas pela imprensa cearense. Os maçons
recrutavam seus membros principalmente entre os extratos médio e superior da sociedade.
Os adeptos das concepções moderno-espiritualistas encontravam-se principalmente
“entre proprietários de jornais, gerentes, redatores, cronistas, colaboradores
e leitores ativos, com maiores ou menores vínculos, dando visibilidade e publicidade
às suas opiniões, doutrinas, valores, eventos e polêmicas com a religião
tradicional e dominante e com a sociedade em geral”[5].
O
autor estrutura a obra em cinco capítulos. No primeiro discute a relação entre
modernidade, tradicionalismo e espiritualismo como cenário de emergência de
novas concepções sociais e religiosas, bem como a caracterização dos agentes
maçons, espíritas e teosofistas por meio da relação entre indivíduo,
configuração social e espaço público. O segundo capítulo é dedicado à caracterização
das três correntes de pensamento discutidas na obra – Maçonaria, Espiritismo e
Teosofia – e assuas afinidades na conformação do moderno-espiritualismo. O
terceiro capítulo destaca a atuação desses agentes na defesa pública do Estado
laico, da liberdade religiosa e de pensamento em suas perspectivas
evolucionistas-cientificistas, por meio da imprensa e da atuação dos movimentos
sociais. O quarto capítulo apresenta os argumentos dos adeptos do
moderno-espiritualismo de que a “questão social” seria uma questão
moral-espiritual. No quinto e último capítulo Silva trabalha as experiências do
moderno-espiritualismo em torno da fraternidade, caridade e serviço,
configurando o que se poderia chamar uma “religião social”.
No
livro, a identificação de maçons, espíritas e teosofistas como componentes da
rede de pensamento moderno-espiritualismo possibilitou uma visão mais ampla dos
elementos comuns e das afinidades existentes entre seus membros, apesar de suas
diferenças e de algumas divergências. Ademais, os moderno-espiritualistas, quando
atuando na defesa do Estado laico, da República, da liberdade religiosa e do
ensino leigo, “confluíam também na perspectiva da aliança entre a religião e a
ciência, demandando uma fé racional e uma ciência iluminada”.[6]Por outro lado, Silva
também destaca que esses setores com muita freqüência atuavam nas associações
de trabalhadores, entidades empresariais, nos círculos ou entidades literárias,
nos movimentos cívicos e campanhas populares, de caráter político, humanitário
e filantrópico.
Esta
obra permite compreender alguns aspectos da relação entre maçons e movimentos
sociais, em pelos menos duas particularidades. Primeiro, os aspectos próprios
do espaço histórico e geográfico, demonstrando uma importante pluralidade nos setores
estudados na pesquisa. Segundo, permite compreender as afinidades construídos
em torno de religiões e religiosidades com movimentos sociais, inclusive
setores operários, e a própria Maçonaria. O cenário da pesquisa acerca da
Maçonaria no Brasil muitas vezes privilegiou sua atuação restrita aos setores
de elite. O estudo de Silva tem o mérito de mostrar essa atuação também em
setores populares, mostrando a necessidade de realizar análises mais atentas à
complexidade desse fenômeno.
Bibliografia
Diniz Silva, Marcos José. Maçons, espíritas e teosofistas: afinidades
eletivas e espiritualismo no Ceará do século XX. Fortaleza: UECE, 2016.
Diniz Silva, Marcos José. No compasso do progresso: A Maçonaria e os
trabalhadores cearenses. Fortaleza: UFC, 2007.
Goulart da Silva, Michel. Entre a foice e o compasso: imprensa,
socialismo e maçonaria na trajetória de Everardo Dias na primeira república.
Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina: Programa de
Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2016.
[1] Essa relação entre maçons e socialistas no começo do século XX no Brasil foi trabalhada em Michel Goulart da Silva, Entre a foice e o compasso: imprensa, socialismo e maçonaria na trajetória de Everardo Dias na primeira república (Tese Doutorado em História, Universidade Federal de Santa Catarina, 2016).
[2] Marcos José Diniz Silva, No compasso do progresso: A Maçonaria e os trabalhadores cearenses (Fortaleza: UFC, 2007).
[3] Diniz Silva, Maçons, espíritas e teosofistas: afinidades eletivas e espiritualismo no Ceará do século XX (Fortaleza: UECE, 2016), 25.
[4] Diniz Silva, “Maçons, espíritas e teosofistas”, 32.
[5] Diniz Silva, “Maçons, espíritas e teosofistas”, 36.
[6] Diniz Silva, “Maçons, espíritas e teosofistas”, 377.